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Nuno Santos tem uma missão: caçar planetas

Nem génio, nem geek. Diz ele.

Acorda a pensar em planetas. Sonha com uma outra Terra onde possa haver vida. Mas desiludam-se: ir para lá viver vai ser difícil, avisa Nuno Santos, do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. Diz que não é génio, nem geek, mas uma coisa é certa: está na elite da astronomia mundial. VICE: Como é o dia-a-dia de um caçador de planetas?
Nuno Santos:Faz o que um astrónomo faz, ou pelo menos, qualquer astrónomo que trabalha com observações: recolhe os seus dados de vez em quando e passa o resto do tempo no computador, no seu país, a analisar os dados que recolheu nos telescópios. Ou seja, vai a La Silla, no Chile, onde está o telescópio HARPS do ESO, de vez em quando, e regressa ao Porto com um montão de dados para tratar…
Para tratar e não só. Temos de tratar e tirar de lá informação científica e depois publicar os resultados. Tudo isso faz parte da vida de um astrónomo e são coisas que levam o seu tempo. Sem falsas modéstias: é preciso ser-se um génio para se ser astrónomo?
Não, de maneira nenhuma. Eu não sou nenhum génio [risos]. Sou a prova de que não é preciso ser um génio. De certeza? Qualquer um pode ser astrónomo?
Vamos lá a ver: para se ser astrónomo é preciso gostar de física, estar à vontade com a matemática. Para além disso, é necessário aquilo que é preciso em qualquer área científica ou até para ter sucesso em qualquer outra área profissional: persistência e alguma capacidade de sofrimento, porque às vezes as coisas não correm bem. É preciso insistir, ter um sentido crítico muito grande, porque na ciência às vezes encontramos aquilo de que não estamos à espera — é preciso saber autocriticarmo-nos e mudarmos de ideias. É disto tudo que é feito um cientista. Era adolescente quando se tornou membro da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores. Posso deduzir que era um geek?
Nunca perguntei a alguém se achava que eu era um geek. Acho que não era. Sempre fui uma pessoa muito normal. Gosto de fazer a festa quando é para fazer a festa, quando é para trabalhar é para trabalhar e quando é para fazer alguns hobbies também os faço de forma séria. Mas isso não faz de mim um geek. E, quando se encontra um planeta, como é que se faz a festa?
Não é assim tão linear. Quando descobrimos um planeta, ficamos contentes, obviamente, publicamos um artigo, publicitamos quando achamos que tem interesse para o público, mas não abrimos uma garrafa de champanhe. Que desilusão. Então não é como quando foi descoberto o alegado bosão de Higgs.
Não vi nenhuma garrafa de champanhe… mas é possível. As pessoas têm a ideia que os cientistas são umas pessoas de bata branca e óculos graduados que estão à frente do computador, que não são capazes de conversar com ninguém. Obviamente que há excepções, mas os cientistas são normais. De onde vem o seu interesse pela busca de planetas?
As pessoas que trabalham nesta área estão focadas em duas coisas, a médio prazo e num grande objectivo a longo prazo. No médio prazo, o objectivo é descobrir planetas cada vez mais pequenos, cada vez mais parecidos com a Terra e estudar formas de os caracterizar — estudar a sua composição, a sua atmosfera. No longo prazo, aquilo que toda a gente tem em vista é um dia descobrir uma outra Terra parecida com a nossa, com uma estrela parecida com o nosso Sol e que possa eventualmente ter as condições para ter vida. E detectar essa vida. E vamos para lá morar?
Não me parece, as estrelas estão todas muito longe e, por consequência, os planetas também. Mas saber que existe uma outra Terra que tem vida pode mudar a Humanidade para sempre. Em que é que mudava? A forma como nos vemos a nós mesmos?
Acho que nos punha um bocadinho mais humildes, no sítio onde devíamos estar. Nunca quis ser astronauta? Em vez de estar no computador, estar na nave?
Nunca pensei em ser astronauta talvez por sempre ter achado que não estaria ao alcance de um português durante o meu tempo. Não sei muito bem o que significa ser astronauta… Andar para ali a conduzir uma nave espacial só por si não é uma coisa que me fascine particularmente. Agora, se me perguntar se gostaria de ir ao espaço, claro que sim. Talvez enquanto turista espacial…
Vou ter de ganhar o Euromilhões. Nos anos 90, acreditou naquele filme que mostrava a autópsia de um extraterrestre?
Não percebi se era uma fraude, mas desconfiei que não fosse verídico. Não me pareceu que fosse possível. Nem sequer liguei muito ao assunto. Mas porque os extraterrestres não existem ou porque seria pouco provável que houvesse um filme com um deles?
Tudo aquilo parecia um filme de Hollywood. Estou convencido de que há vida extraterrestre por esse universo fora e temos razões astrofísicas para pensar que isso possa ser verdade. Não só sabemos que há muitos planetas, como sabemos que a vida se desenvolve na Terra mesmo com condições extremas, por isso podemos esperar que existam muitos planetas com vida. Mas daí até que essa vida sejam homenzinhos humanóides, com tudo igual ao Homem excepto a cor e o tamanho dos olhos, vai um passo um bocadinho mais complexo. Isso revela a limitação dos autores do filme, e de nós todos, de imaginar o que não conhecemos. No Portugal dos anos 80 querer ser astrónomo era extraterrestre?
Na altura quase que não havia astrónomos em Portugal, não sei como era visto [risos]. As pessoas diziam-me que devia ir para a NASA. Eu e muitos colegas provámos que não era preciso ir para a NASA. Qual será a next big thing da caça de planetas?
Um dos grandes passos a seguir será a detecção de planetas parecidos com a Terra com potencialidade para ter vida. E como se vai saber se têm vida?
Existem várias missões e projectos com esse objectivo. Havia uma missão proposta à Agência Espacial Europeia (e uma similar proposta à NASA) que tinha como objectivo olhar para um planeta em torno de outra estrela, obter um espectro desse planeta e perceber se aí se encontrava a assinatura de elementos químicos típicos da vida, como o oxigénio e a água. Essa missão não foi para a frente porque ainda não temos nenhum candidato. A potencial outra Terra.
Sim. Estamos a trabalhar em projectos que visam, de alguma forma, construir um catálogo das potenciais Terras que serão observadas depois por esse género de missões. Fotografias gentilmente cravadas ao Centro de Astrofísica da Universidade do Porto