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buco

Sensualidade folclórica ceifada

Já repararam como o nosso folclore típico é tão pouco sexy?

Ninguém pode acusar Guimarães 2012 de falta de ecletismo. Agosto, mês do calor, dos emigrantes, do folclore e dos lugares comuns — é óbvio que a CEC deveria aproveitar a maré e tentar atrair este público para os seus espectáculos. Convidar o Quim Barreiros para um show oficial do CEC poderia parecer anacrónico, logo nada melhor que um

, um "projecto estritamente vocacionado para a promoção da Etnografia e do Folclore" (está mesmo no programa oficial). Nada contra, há que malhar o ferro enquanto ele está quente. E é isto que os nossos conterrâneos expatriados gostam de ver quando voltam. Folclore também é cultura. Nada melhor que as ceifeiras de Gondar para animar uma noite de Verão em Guimarães. Mas já repararam como o nosso folclore típico é tão pouco sexy? Tão datado e desactualizado, sobretudo se comparado com as manifestações etnográficas de outros países latinos? Nuestros hermanos têm o flamenco, mulheres elegantíssimas a cantar dores, amores perdidos e paixões arrebatadoras com vozes roucamente sensuais e grandes rachas, decotes e folhos, agitando leques sedutoramente. No Brasil, temos mamas de fora, minissaias e bundas a abanar, ao ritmo de uma batida electrizante, mamas, sorriso na cara e um carnaval de samba que dura 360 dias. E mamas. Os argentinos criaram um capítulo inteiro do Kama Sutra em forma de dança com vestidos tão justos que tornam o tango um festival de electricidade estática em potencial. Os italianos têm a Sophia Loren, a Gina Lollobrigida, o Berlusconi. E devem dançar sempre com roupa Armani ou Prada, no mínimo. Nós temos umas senhoras que guincham estridentemente, batendo o mais repetitivamente que podem nuns ferrinhos (há sempre ferrinhos), sempre vestidas com sete saias, meias brancas, cuecas de gola alta e zero decotes, a cantar sobre milho verde e vinho tinto. Faz assim tanto frio que elas precisam daquela roupa toda? Será esse mesmo frio que inflama as gargantas e as torna tão esganiçadas? Senhoras: por que não pôr a Fátima Lopes a refazer os trajos? Introduzir alguma sensualidade nas letras? Algo assim discreto e elegante, tipo debulhar as ceifeiras ao luar, desfolhá-las lentamente numa eira… E o fado? Comparar o fado com o flamenco é como comparar um catálogo de batas cirúrgicas com a Playboy (a versão brasileira). Pior, pior só o cante alentejano: quem quer ver um grupo só de homens velhos, gordos e barrigudos a cantar sobre o que fazem à sombra de uma azinheira? Sobretudo se o que fazem não é interessante. Ouvir um passarinho? Às quatro da madrugada? À porta da amada? E a amada chorou… Quem não conhece a letra estará nesta altura a pensar, com ar lúbrico, “sim, sim, e o que fazes depois?” ou “e a passarinha da tua amada, hein?” E a resposta é: nada de jeito. Última comparação: pauliteiros de Miranda versus capoeira brasileira? Precisamos de novos paradigmas na nossa arte popular, trazê-la para o século XXI, torná-la atractiva para a vista, ouvido e tacto. Vendável, exportável. Achamos um piadão ver os velhinhos transmontanos a cantar o "All Together Now" com a pandeireta? Não se riam, é assim que nos vêem os estranjas que assistem aos nossos ranchos. E ainda nos perguntamos porque preferem Almodovar ao Manoel de Oliveira.