FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Desastre Humanitário Força o Fechamento do Campo de Refugiados Haitianos em Brasileia

Brasileia tem sido um centro incomum de controvérsia desde que o Brasil passou a receber haitianos depois do terremoto de 2010, que deixou mais de dois milhões de pessoas desabrigadas. Apenas em 2013, mais de 13 mil haitianos receberam vistos...

Sábado passado, em Brasileia, uma cidade calma de fronteira no Acre, Sebastião Viana, o governador do estado, estava parado no meio de uma estrada em ruínas que leva ao Peru, 100 quilômetros à frente. Centenas de migrantes haitianos e senegaleses cercavam o governador. Os mais próximos dele estavam ajoelhados, com as mãos levantadas em oração.

Brasileia tem sido um centro incomum de controvérsia desde que o Brasil passou a receber haitianos depois do terremoto de 2010, que deixou mais de dois milhões de pessoas desabrigadas. Dois anos atrás, o governo anunciou a criação de um visto humanitário que seria emitido exclusivamente para refugiados haitianos. Apenas em 2013, mais de 13 mil haitianos receberam vistos humanitários.

Publicidade

Em teoria, esses vistos deveriam ser emitidos pela embaixada brasileira no Haiti, mas os períodos arrastados de processamento, as taxas e o que muitos consideram exigências excessivas têm levado muitos haitianos a viajar através do Equador, que não exige visto para entrada. Dali, os migrantes seguem uma rota através de Lima, a capital peruana, até a cidade de Cusco, e cruzando, por fim, a fronteira para o Brasil. Desde o ano passado, centenas de senegaleses têm seguido a mesma rota.

A visita do governador a Brasileia marcou o fechamento do campo de refugiados próximo, que servia como um departamento de processamento para o influxo de migrantes. Estima-se que 20 mil haitianos já passaram pela área.

“Eu sei que hoje começa uma nova fase na vida de vocês”, disse Viana. “O Brasil foi construído por pessoas de muitos lugares diferentes e hoje vivemos numa democracia racial. Queremos essa mesma igualdade para vocês, e sei que vocês serão felizes no Brasil.”

A multidão explodiu em aplausos. Devido a uma inundação recente, que impediu o transporte dos refugiados, centenas deles ficaram presos – muitos por mais de dois meses – no acampamento de refugiados superlotado que, em seus últimos dias, tinha 2.600 pessoas vivendo num espaço construído para 300. Mas assim que o governador partiu, levando com ele um ônibus cheio de imigrantes para um abrigo temporário em Rio Branco, a incerteza caiu sobre aqueles deixados para trás.

Publicidade

“Tenho que sair daqui”, disse Neison Telius, vindo de Cabo Haitiano, à VICE News. “As pessoas da cidade olham para o acampamento com descrença. Tenho vergonha de ser visto assim.” Neison, que pretende encontrar sua irmã em São Paulo, tem esperado há uma semana pela emissão de seus documentos.

“Não sabemos quando vamos ter nossos documentos ou quando poderemos sair”, ele reclamou. “Se soubesse que acabaria aqui, eu nunca teria saído do Haiti.”

Quase dois meses atrás, quando o Rio Madeira cobriu a única estrada que liga o estado do Acre ao resto do Brasil, uma crise humanitária lentamente se instalou em Brasileia. O tráfico brasileiro para dentro e fora do estado estancou, e os suprimentos de alimentos e combustível diminuíram. O governo declarou estado de emergência. Com os migrantes ainda chegando ao acampamento numa taxa de 40 a 50 por dia, os serviços sociais entraram em colapso.

Cães e frangos rondavam, procurando comida em meio ao lixo no campo encharcado. Os banheiros, pressionados muito além de sua capacidade, não eram mais funcionais; as pessoas se aliviavam onde dava. Os residentes se amontoavam em colchonetes imundos, muitos sofrendo com tosse, febre e doenças de pele que adquiriram desde sua chegada.

Sonia Santana, da República Dominicana, estava a caminho para encontrar seu marido haitiano no Mato Grosso do Sul. “Chorei quando chegamos aqui”, ela contou à VICE News. Nos últimos dois dias, Sonia não consegue segurar nenhuma comida no estômago – tipicamente arroz, feijão e macarrão. Ela está viajando com a filha, Nana, que agora está com febre.

Publicidade

Sonia e Nana.

“Meu marido passou por aqui antes das coisas ficarem feias”, disse Sonia. “Se ele pudesse ver como estamos hoje, ele nunca teria nos colocado nessa situação.”

Algumas semanas atrás, no pico da crise, a Força Aérea Brasileira foi chamada para retirar cerca de dois mil refugiados. No voo de volta, eles trouxeram comida e suprimentos. Foi uma resposta desesperada para uma situação fora de controle. No dia 9 de abril, em meio à operação de ajuda, o governo do estado jogou a toalha e anunciou que Brasileia não receberia mais nenhum refugiado.

“De agora em diante, os refugiados devem viajar por conta própria até Rio Branco”, disse Antônio Torres, secretário do Desenvolvimento Social do Estado do Acre, para a VICE News. Ele citou os custos e as tensões na comunidade entre as razões para o fechamento. Entre 2010 e 2014, o Acre gastou quase R$15 milhões para abrigar os imigrantes.

“Eles chegaram até aqui”, disse Torres. “Tenho certeza de que vão achar um jeito de navegar mais 300 quilômetros até o abrigo temporário. Não podemos mais ser responsáveis por eles.”

Mesmo assim, muitos acreditam que o fechamento do acampamento é uma tentativa equivocada do estado de fugir de suas responsabilidades.

“Não há um plano a longo prazo para os migrantes aqui”, disse Iara Beekma, um pesquisadora boliviana que trabalha com a população de refugiados em Brasileia. “O abrigo estava funcionando muito acima de sua capacidade, mas fechá-lo não vai impedir as pessoas de passar pela fronteira. Isso só leva o problema rio acima. Quando o abrigo fechar em Rio Branco, não sabemos o que vai acontecer.”

Publicidade

Na segunda-feira, policiais e taxistas que trabalhavam na área receberam uma nova ordem: mais nenhum refugiado devia ser levado para Brasileia.

“Os problemas não vão acabar”, disse Jean Noel Charles, um haitiano de Hinche, à VICE News.

Ele estava no acampamento há dez dias, mas já entendia a importância do abrigo para os milhares de haitianos que vêm para o Brasil todo ano.

“As coisas não estão boas aqui, mas temos a informação e o apoio de que precisamos para seguir com nossas vidas no Brasil”, ele disse. “O que vai acontecer com quem está cruzando a fronteira agora?”

Siga a Eva no Twitter: @beets4eva

Fotos por Eva Hershar.