NymphomaniacLars von Trier"Se juntassem todos os prepúcios alguma vez removidos, estes alcançariam a distância entre Marte e o planeta Terra", é Joe quem o diz, e que sobre eles divaga, à procura de si própria.Aos que pensam que vão ver pornografia ou erotismo: desenganem-se.Nynphomaniac é sexo. Sexo puro, e solidão.Charlotte Gainsbourg veste a pele de Joe, uma mulher ferida e indefesa que é encontrada por Seligman, nas ruas frias de um fim de tarde diluviano.Seligman, não só a resgata da rua como tenta também resgatá-la da auto-censura a que constantemente se submete, abrindo-lhe as portas de sua casa, para que possa repousar.É à medida que assistimos a estestrip tease interior que Joe narra a história da sua vida, no quarto de Seligman, um confessionário onde não há lugar para moralismos, julgamentos, nem deuses castigadores. Da cama dele faz-se divã, e da partilha dos "pecados", ensinam-se lições da vida prática.A condescendência e tranquilidade do "terapeuta", cujo nome significa (nem de propósito) homem feliz, em judaico, devolvem a Joe a figura do pai, cuja perda lhe roubou o único elo sentimental que possuía.Como se de um livro se tratasse, Joe divide a primeira parte da sua história em cinco capítulos. Desde os dois anos de idade, quando descobriu que tinha um "pipi", aos 20, em que a sua agenda carnal era preenchida com dez homens diferentes por noite. Apercebemo-nos, no entanto, que o passar do tempo fez com que permanecesse a mulher que nunca deixou de ser menina e a menina que nunca se fez mulher.Durante uma vida de renúncia ao amor e ao compromisso, manteve-se a fiel companheira da solidão e melancolia que obsessivamente a faziam pingar de desejo.Esta descoberta dos limites da sua (hiper)sexualidade, com que preenchia o seu quotidiano vazio, acaba ao reencontrar Jerôme. O rapaz com quem perdeu a virgindade como quem pede um favor. Convencida do seu domínio e poder de sedução, vê-se interpelada por algo mais forte que o prazer e que a crueza do sexo — o amor.Mais uma vez, para Lars Von Trier, a mulher melancólica e os seus conflitos internos mais obscuros são uma parte fundamental do enredo. Este fascínio pelo lado mais sombrio do sexo, que surge talvez do facto de nem ele mesmo conseguir compreender as mulheres, depositando nelas os seus próprios dramas e tornando-as personagens genuínas.Vale a pena ver, até para quem não gosta de ver sexo. Nem que seja para aprender a pescar num rio com correntes fortes, conhecer a teoria de Fibonacci ou ouvir uma sinfonia de Bach.
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