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Comida

​As únicas bolas que são precisas para fazer sushi são as bolas de arroz

Quando descobri o sushi, algo forte e profundo bateu dentro de mim.

Fotografia da Luísa Cativo.

Quando descobri o sushi, algo forte e profundo bateu dentro de mim. Tudo começou a fazer mais sentido. Aprendi realmente a saborear o peixe, mas apenas quando é cru, ou levemente macerado com certos ingredientes.

O sushi é um assunto sério. É preciso muita dedicação e experiência para servi-lo. Recentemente, também descobri que um dos segredos bem guardados do sushi poderá estar nas mulheres, providas de um paladar e olfacto mais sensível. Está na altura deste ícone gastronómico asiático ser mais feminino.

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Fui falar com uma sushiwoman, actualmente chef de cozinha do restaurante Baixa 22, localizado no Porto. A única coisa que correu mal é que não tive a oportunidade de comer nada. O karma é lixado.

Fotografia da Luísa Cativo.

Ana, conta lá quantas peças de sushi é que já preparaste esta semana…fazes ideia?

Não (risos). Não faço a mínima ideia mesmo…

Como é que chegaste até aqui?

Comecei a trabalhar no Baixa 22 às sextas e sábados para ajudar as pagar as minhas contas. Já serviam sushi na altura, mas o ajudante anterior saiu e estavam a demorar algum tempo em substituí-lo. Eu "mandei a boca" (por acaso demorei a fazê-lo) porque lá está, achei que por ser mulher não iam querer contratar-me. Perguntei e eles aceitaram. No dia a seguir, apresentei-me para começar logo a aprender. Durante o processo aconteceram algumas reviravoltas, mas o chef de sushi gostou da minha atitude e pro-actividade, e insistiu em que ficasse.

Porque é que escolheste o sushi?

Na altura nem sabia que era uma coisa que queria fazer ou gostava, mas acabei por adorar. Actualmente sou a chef responsável pela cozinha.

Sendo tu a chefe, és tu que crias os pratos? Escolhes as texturas, sabores….

Sim, a responsabilidade de toda a comida que sai da cozinha é minha. Eu tenho um aprendiz e o que ele faz também é responsabilidade minha. Aqui o sushi funciona muito à base da inspiração, por isso deixo o meu ajudante fazer o que ele gosta, pois era assim que eu gostaria de trabalhar. Mas claro, sempre dentro das minhas especificações.

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Em que te baseias, para as tuas especificações?

O sushi que servimos é acima de tudo de fusão. No entanto incorporamos-lhe uma base tradicional, não queremos ir demasiado longe. Alguns restaurantes incorrem nesse erro e acabam por distanciar-se demasiado dos sabores tradicionais. Misturamos os sabores, mas não de forma a que as pessoas saiam de lá a pensar "não sei o que é acabei de comer."

Quais são para ti os ingredientes que definem o sushi?

O peixe e o arroz. Aliás, sushi é peixe e arroz.

És tu que compras os ingredientes que usas?

Não faço as compras, temos fornecedores para várias coisas (um para o peixe, outro para as importações japonesas) e as coisas de supermercado são trazidas diariamente por um colega.

Achas que o sushi ocidental está descaracterizado do sushi asiático?

Sim. O sushi como nós o conhecemos, na maioria dos espaços, está muito distante do que se come no Japão. Acho que acaba por ser necessário adaptar as cozinhas aos paladares de cada país, especialmente no sushi, que tem sabores tão característicos. O chef que me ensinou é brasileiro, por isso fui muito influenciada pelo sushi de fusão brasileira. Mas como prefiro os sabores tradicionais e simples, procurei ir um pouco mais ao encontro desse estilo, durante a minha aprendizagem.

Fotografia da Luísa Cativo.

Conheces outras sushiwoman neste meio?

Sei que há uma sushiwoman que trabalhava, ou no Terra, ou com o chef do Terra.

Um dos mitos urbanos que existe é que as mãos das mulheres são mais quentes que as dos homens e acabam por destruir os sabores do peixe e do arroz. O que tens a dizer sobre isto?

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Tenho a dizer que é uma desculpa esfarrapada. Qualquer pessoa com pouca experiência vai aquecer o peixe durante a preparação, porque vai manuseá-lo tempo demais. Com a experiência adquires velocidade e isso deixa de acontecer, sejas homem ou mulher.

O que é que uma mulher acrescenta ao mundo do sushi?

Da mesma forma que há mitos contra as capacidades femininas, também há estudos que dizem que as mulheres tem um paladar mais sensível. Suponho que isso seja uma vantagem, na cozinha em geral. Com o olfacto acontece o mesmo.

Estar numa cozinha só com homens intimida-te?

Não, isso não me intimida. O que eu noto mais nos homens é que têm dificuldades em exprimir em suas emoções, colocam a cara de "estou sempre chateado" mas isso não quer dizer que estejam chateados. Ás vezes não é fácil decifrar o que sentem, e claro, não podem estar sempre aos gritos. Talvez também seja um bocado a "herança" do Gordon Ramsey, se calhar o pessoal acha que ser chef é estar aos berros com as pessoas. Acho que por mais stressado que estejas nunca é positivo transmiti-lo aos teus colegas do restaurante.

O pessoal desabafa contigo por seres mulher?

Não. A verdade é que eu própria não tenho muito tendência para falar da minha vida pessoal. Ás vezes faço-o, sobretudo porque o outro pessoal também o faz, e não quero que pensem que sou demasiado distante.

Disseste-me que a gerente do restaurante também é uma mulher. Há alguma diferença em termos de comunicação?

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Acho que sim, não há tanta gritaria e conversa-se mais sobre as coisas. Mas sinceramente ser mulher ou homem não é preponderante, acho que depende muito das personalidades e características das pessoas. Não sinto muito isso. Acho que ninguém lida bem com o stress.

Consideras-te uma chef mercenária ou uma chef de coração?

Eu estava a estudar (e ainda estou) quando comecei a trabalhar aqui, e continuo por cá porque realmente gosto do que faço. Representa um sacrifício, estar a acabar a licenciatura e ter um trabalho a tempo inteiro, mas quero continuar aqui.

No Japão, levam muito a sério o tempo de aprendizagem. Por exemplo de wakiita a itamae podes demorar vários anos. Achas demasiado?

Acho que um meio termo é fixe. Tive que aprender a ser chef duma maneira rápida, mas sinto que continuo a aprender muito e estou sempre a melhorar a minha técnica. Os ingredientes são simples, as técnicas são simples e básicas, mas dá sempre para aperfeiçoar o corte e a preparação do prato.

Tens o teu estojo de facas? Dormes com ele debaixo da almofada quando estás sozinha?

Não! Os meus patrões patrocinam as nossas facas e estas ficam no restaurante. Quero comprar uma daquelas com um preço exorbitante, para ser a minha faca pessoal. Fica a dica, para quem quiser oferecer-me uma prenda de Natal, na casa das centenas de euros! (risos)

Já consideraste outras opções?

Considerei coisas como maquilhadora. Também vou fazendo outros trabalhos como bailarina, DJ ou modelo. Mas já decidi que vou dedicar-me ao sushi como carreira.

Tencionas abrir um negócio teu?

De momento não. Acho que ainda preciso de aprender muita coisa, e adquirir muita mais experiência antes de me lançar num projecto assim. Quando o fizer, quero que seja algo que valha a pena, e não algo para validar o meu ego.

Ana obrigado pela tua entrevista. Volto novamente daqui a pouco, não sejas tímida no wasabi, gosto do sushi bem apurado!

Podem seguir os pratos e sugestões de sushi da Ana Lima nesta página de fãs.