As Fotos de Mark Duffy de Políticos Distorcidos da Irlanda

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As Fotos de Mark Duffy de Políticos Distorcidos da Irlanda

Duffy focou no desgaste e na instalação tosca dos cartazes de campanha que cobriam a cidade, o que resultou numa série de imagens de políticos locais com os rostos desfigurados ou os pescoços cortados por tiras de plástico.

Mark Duff vê o mundo como ele é: às vezes meio idiota. O fotógrafo irlandês, que atualmente mora em Londres, acabou de lançar seu primeiro livro, Vote No.1, feito com fotos dos cartazes de campanha que cobriram os muros e ônibus da Irlanda durante as eleições do ano passado. O livro foi impresso numa edição de 500 cópias, com 100 edições especiais feitas à mão de cartazes de papelão reais encadernados com tiras plásticas.

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Duffy focou no desgaste e na instalação tosca dos cartazes, o que resultou numa série de imagens de políticos locais com os rostos desfigurados ou os pescoços cortados por tiras de plástico.

O livro foi apresentado em vários festivais de fotografia do mundo, levou uma indicação para o LUMA Dummy Book Award e venceu o Vienna Photo Book Award, então achei que valia a pena bater um papo com o Mark.

VICE: Esse é seu primeiro livro publicado – foi um longo caminho até aqui?
Mark Duffy: Bom, tenho fotografado há anos; fiz faculdade, me formei dez anos atrás. Esse curso me afastou da fotografia por um longo tempo, na verdade. Originalmente eu fazia moda, mas enjoei disso rápido. Segui em frente e desisti da fotografia por um bom tempo, depois voltei com um estilo mais documental. Eu não fazia nada com as minhas fotos, só recentemente comecei a tentar me estabelecer nisso.

Você diz documental, mas suas fotos também são tipo uma natureza morta abstrata. A estética é uma parte importante do seu trabalho, ou só uma ferramenta para expressar ideias específicas?
A imagem tem que ser visualmente atraente. Não pode ser apenas a imagem de uma coisa que chama a atenção; isso tem que ser fotografado de um jeito interessante, mas não penso demais sobre essas coisas, acho. Respondo à situação. Se tem algo interessante que acho que vale a pena fotografar, tento fotografar isso da melhor maneira possível.

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Suas fotos também são engraçadas, o que é bem raro em foto documental típica.
Uma razão para esse projeto ter se saído bem é porque não há muito humor na fotografia hoje em dia. Quando era adolescente, eu gostava particularmente de Elliott Erwitt. Eu diria que ela é uma das fotógrafas que me fizeram querer entrar para a fotografia, só porque as imagens dela eram muito engraçadas. Além disso, você conhece Ralph Eugene Meatyard? Ele é um fotógrafo muito estranho, que fotografava crianças usando máscaras distorcidas em fundos decadentes – coisas bem bizarras. Eu era um grande fã dele na faculdade, e só recentemente lembrei do trabalho dele. É algo meio perturbador até. Imagino que Roger Ballen foi muito influenciado por ele.

Sinto como se parte do seu trabalho estivesse quase rindo carinhosamente da sociedade, e outra parte é bastante sombria e crítica.
Não decidi intencionalmente fazer algo a respeito de política, eu estava na Irlanda quando as eleições estavam acontecendo. Cresci com essas coisas, mas elas parecem diferentes daqui. Quando você está na Inglaterra, se não assiste televisão, você não sabe que está acontecendo uma eleição; há poucos sinais disso, fora o lixo que eles enfiam por baixo da sua porta. Mas na Irlanda, esses cartazes estão em todo lugar, colados uns por cima dos outros. No caminho para casa um dia, notei um rosto horrivelmente desfigurado do lado de um carro e achei isso hilário. Alguns minutos depois, vi a primeira foto do livro, a mulher com uma tira de plástico passando pela garganta, e pensei: "Isso é ridículo, como as pessoas não notam isso?". Pensei que isso talvez era o resultado de funcionários descontentes desfigurando intencionalmente os rostos dos chefes. Achei muito estranho que as pessoas não reparassem nisso.

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Então você não se considera uma pessoa politizada?
Tenho minhas opiniões, mas é algo que tentei afastar por um tempo. Tentei ficar fora disso porque a coisa toda pode ser bastante desanimadora, acho, quando você presta atenção no sistema político, especialmente neste país. Mas tentei ser neutro nesse livro. Não me foquei no partido que mais odeio, nem nada do tipo.

Você estava tentando superar esse desapontamento?
Isso era mais um reflexo do clima geral que senti na Irlanda naquele momento, com as pessoas realmente perdendo a fé no sistema político. Um partido nos trouxe a crise financeira, aí elegemos os outros caras e eles não fizeram muita coisa além de aumentar os impostos e cortar gastos públicos. Então tive sorte de encontrar algo que refletia bem o sentimento que vi. Há vários trabalhos por aí com cartazes políticos com pixações e tal, então tomei a decisão de me afastar disso. Acho que essa era uma maneira mais sutil de fazer isso.

Você acha que arte deve ter um propósito? Digamos que você vivesse num país onde a sátira política fosse punida pela lei, você ainda faria isso?
Essa é uma pergunta muito difícil. Acho que a arte é uma coisa muito individual e variada, e não quero dizer que isso precisa ser uma coisa ou outra, mas acho que a arte faz seu melhor quando tem um objetivo. E quanto mais acessível e compreensível é esse objetivo, mais forte é o trabalho. Mas se isso só é decifrável com a ajuda de um professor de história da arte ou lendo um ensaio de cinco páginas dizendo o que pensar, então você só vai atingir um punhado de pessoas.

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Quanto à segunda parte da pergunta, é difícil dizer. Instintivamente, minha reação seria dizer "Sim, claro, eu faria". Mas é muito fácil para mim dizer isso, nunca tendo experimentado nada como o nível de opressão e medo que você descreveu. Honestamente, não sei. Eu gosto de pensar que tiraria fotos, mas se eu faria algo com elas sob essas circunstâncias, não sei.

Você falou com alguns dos políticos do livro?
Dois, contatei uma delas porque a edição comercial [do livro] tinha quatro capas diferentes, então perguntei a essa candidata, que está no Parlamento Irlandês, se ela não tinha problemas [com estar na capa], e ela disse: "Não, desde que isso não faça piada com política". Mas mostrei o projeto para ela é ela concordou, porque não é um insulto descarado – apenas um gentil cutucão, sabe.

Qual foi a coisa mais divertida que você fez com fotografia no passado, ou sua experiência mais memorável com isso?
Num trabalho de fotografia uma vez, tive que me esconder num galpão de jardim para evitar a segurança da Rainha e depois a fotografar se encontrando com meu cliente. Eu estava trabalhando no Chelsea Flower Show, mas meu chefe só tinha conseguido passes para a visita Real para ele e seu sócio, e eles me pagaram para ficar lá o dia inteiro. Tive que ficar sentado no galpão por uma hora e meia enquanto eles revistavam todo mundo.

Em termos de tema, acho que me sinto mais atraído pelo grotesco. A fotografia que mais me arrependo de não ter tirado desde que moro em Londres foi algo que vi uma vez indo para o trabalho, andando por Peckham. Um cara estava andando na minha direção com um carrinho de bebê e eu levei um susto porque o carrinho estava cheio de cabeças de ovelha sem pele, mas eu não estava com a minha câmera. Fiquei devastado.

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Também tenho uma história engraçada envolvendo o livro. Quando comecei a fotografar o projeto, tive a ideia para o formato do livro imediatamente, então comecei a tentar pegar cartazes para fazer as capas. Encontrei esse político local e ele me disse: "Sim, temos uma tonelada de cartazes, pode pegar quantos você quiser". Então fui até a casa dele. Ele tinha um galpão cheio deles. Peguei uma pilha enorme, fui passando por eles e vi que não eram todos cartazes dele, nem mesmo do partido dele. Ele basicamente estava arrancando cartazes dos oponentes e eu o ajudei a destruir as provas. Esse é um jogo muito sujo mesmo.

No que você está trabalhando no momento?
Estou brincando com algumas ideias no momento, mas no último ano fiquei concentrado totalmente nesse livro, tentando conseguir uma editora e promovê-lo. E ainda tenho um trabalho de tempo integral, o que significa que não tenho tido muito tempo para tirar fotos. Tenho algumas coisinhas fervendo – veremos se elas se desenvolvem em algo maior.

Segredo de estado?
Não muito. Tive uma experiência muito bizarra com isso algumas semanas atrás; eu estava numa galeria e um amigo meu me apresentou a outro fotógrafo, um cara relativamente famoso. Estávamos conversando e perguntei a ele "Então, qual vai ser seu próximo livro?". Ele começou a me dizer o que estava fazendo e eu disse "Opa, vou ter que te parar aqui porque estou fazendo algo bem parecido e não quero que você me acuse de plágio". Fui muito, muito estranho. Nós dois dissemos "OK, tchau".

Não importa quão boa é sua ideia, sempre vai haver alguém por aí com a mesma ideia ao mesmo tempo. Você tem que conseguir fazer primeiro.

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Tradução: Marina Schnoor.

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