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Coluna do Greg Palast

Sangue Por Urânio É o Novo Sangue Por Petróleo

Greg Palast fala sobre a próxima grande sede do mundo: urânio.

O autor conversa com o conselheiro do Acoma Pueblo, David Vallo, sobre contaminação por mineração de urânio. (Foto de ZD Roberts para o Fundo Investigativo Palast)

Greg Palast é um autor de best-sellers lançados pelo New York Times e um destemido repórter investigativo que trabalha para a BBC Television, a Newsnight e o The Guardian. Palast mastiga e cospe os ricos. Veja suas matérias e filmes em www.GregPalast.com, para onde você também pode mandar aqueles seus documentos carimbados como “confidenciais”.

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Junte essas três coisas:

1 – Apesar de o presidente Barack Obama ter prometido publicamente terminar com a obsessão por ataques de drones, o Drone Ranger autorizou uma nova base de navezinhas não tripuladas no Níger, África.

2 – Em maio de 2010, Obama enviou ao Congresso um projeto para a compra de armaduras e veículos à prova de minas terrestres para suas tropas no Afeganistão. Escondido na medida emergencial que foi rapidamente aprovada: um empréstimo de US$9 bilhões para construir usinas nucleares no Texas, Geórgia, Maryland e Carolina do Sul.

3 – Dois ataques suicidas mataram pelo menos 30 pessoas nas minas do Níger. Os ataque foram reivindicados pelo grupo islâmico Aqueles Que Assinam com Sangue, juntamente com o Movimento Pela Unidade e a Jihad na África Ocidental, uma filial da al-Qaeda.

O Níger não se parece muito com o tipo de lugar pelo qual vale a pena lutar. Seu povo é tão pobre que não pode nem pagar por um lugar próximo ao litoral; tudo é deserto, cercado por mais deserto. Eles sobrevivem com 2.300 calorias por dia, mas não por muito tempo – a maioria não chega aos 55 anos.

Do alto (só passei por lá de avião), o país se parece com o Vale da Morte em um dia ruim – uma terra devastada, constantemente jateada por areia.

No entanto, o que está debaixo do deserto, invisível de ser ver do céu, torna a nação (mas não seu povo) muito rica. O Níger é o quarto maior produtor mundial de urânio, o mineral que irradia no coração de toda usina nuclear.

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Os ataques da semana passada às minas de urânio pertencentes aos franceses foram retratados pelo New York Times como um vazamento dos conflitos em Mali e na Líbia.

Merde de taureau! É muito mais provável que a guerra pelo urânio do Níger tenha se espalhado para Mali. Em setembro de 2010, muito antes dos ataques islâmicos a Mali e um ano antes da implosão da Líbia, a al-Qaeda atacou as minas e sequestrou um engenheiro francês e sua esposa. A caçada pelos sequestradores e a necessidade da França em proteger suas minas e reservas de recursos foi o que desencadeou a guerra Franco-Qaeda no Sahel.

Oficiais da Areva na Alemanha. (Foto via)

Obama está apoiando a ocupação militar francesa dos recursos. Note que sua decisão de basear drones norte-americanos no Níger – há muitas outras opções nessa região gigante – veio depois do último ataque.

Obama sabe: se os Estados Unidos querem as pedras, vão ter que mandar os foguetes.

E vá se acostumando. Se você curtia as guerras de sangue por causa do petróleo, não vai precisar esperar muito pela sequência: sangue por urânio.

A principal proprietária das minas do Níger, a Areva, pode até ter sotaque francês, mas a administração Obama conhece essa empresa como a fornecedora número um da indústria nuclear norte-americana. Além disso, a Areva obteve uma das quatro garantias de empréstimo do baú de “emergência” para a guerra do Afeganistão de Obama. Enquanto a licença da Areva para aquele reator, localizado em Maryland, está suspensa até que ela encontre um parceiro norte-americano, a Areva permanece como fonte crucial de barras de urânio necessárias para operar todas as usinas dos Estados Unidos. O governo americano também conta com a Areva para fabricar combustível MOX. O MOX da Areva é feito de produtos do minério de urânio misturados com plutônio das ogivas soviéticas adquiridas pelos Estados Unidos.

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O Obama sabe, mas nunca vai admitir, o que estou lhe contando agora: sem as forças militares norte-americanas no Níger, não haverá usina nuclear em Maryland, nem MOX para queimar as velhas bombas soviéticas.

Os testas de ferro da indústria nos dizem que a energia nuclear vai acabar com a dependência do petróleo proveniente do Oriente Médio. Se John McCain, senador do Arizona, conseguir o que quer, os Estados Unidos construirão 200 novos reatores nucleares ao custo de dez trilhões de dólares. O resultado pode substituir a dependência da OPEP… pela dependência da Rússia, Cazaquistão e Níger.

E o que há de errado nisso? Afinal de contas, o presidente George W. Bush disse ter “olhado [Vladimir Putin] nos olhos [e] ter achado ele muito… confiável”.

Admito, nunca olhei Putin nos olhos – eu não ousaria. Mas tornar as luzes de Baltimore dependentes de Vlad, o Empalador de Chechenos, me parece, bom, meio imprudente.

Vladimir Putin e George W. Bush, sem se olhar nos olhos. (Foto via)

E o Cazaquistão? Bom, isso merece sua própria história. (Aguarde.)

O que resta é o suprimento da Areva em Níger, se ela estiver disposta a matar por isso.

A capital do Níger, aliás, é Niamei. Achei legal dar a vocês uma vantagem sobre a maioria dos norte-americanos e britânicos, que só aprendem o nome de uma capital quando a 101ª Divisão Airbone ou o 1º Regimento Real de Atilharia Montada desembarcam no lugar. (Pense em Saigon, Mogadíscio, Cabul.)

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Mas a guerra por urânio pode valer o sangue derramado se você ouvir ambientalistas fajutos, como James Lovelock, dizer que a energia nuclear é mais “verde” do que, digamos, o gás natural.

Eu gostaria muito de convidar o Dr. Lovelock, ou qualquer outro defensor da energia radioativa ecológica, para conhecer o Acoma Pueblo no novo México. Na próxima semana, esses nativos norte-americanos, que já forneceram nosso urânio, farão exames para o diagnóstico de câncer e outras doenças relacionadas à mineração desse produto.

Em 2008, para o Newsnight da BBC, fui a esse pequeno povoado seguindo o indiciamento de políticos brancos locais acusados de fraudar centenas de urnas indígenas. O conselheiro tribal David Vallo explicou que o povoado estava tentando votar contra a reabertura de uma mina de urânio próxima. A mina, segundo ele, tinha feito um trabalho tão bom quanto o General Custer em acabar com os índios da região. “Perdemos muitas pessoas por vários problemas de saúde.” Depois ele acrescentou: “Você sabe, é essa radiação – a radiação do urânio”.

Sim, sei que urânio significa radiação – mas é uma radiação ecológica.

Vallo notou que o urânio contaminou seu suprimento de água e que vazamentos da mina mataram suas plantações. E foi melhor assim. Se alguma coisa brotasse, você não ia querer comer isso.

Para os ambientalistas brancos, essas torres de resfriamento esculpidas podem até parecer limpas. No entanto, para os negros, asiáticos e índios que extraem o minério, as pegadas de baixo carbono da energia nuclear vêm de botas muito pesadas. Por exemplo: o presidente francês Nicolas Sarkozy tem apoiado o presidente Mamadou Tandja do Níger, mesmo depois de ter dissolvido a constituição do país e que o ditador, de fato, concordou em abrir uma nova mina para a Areva. O Canal 24 francês relatou que os tuaregues – o grupo tribal que forma a espinha dorsal da insurgência no Níger e em Mali – foram varridos dessa nova área de mineração.

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Mina de urânio no Níger. (Foto por Yann Arthus-Bertrand)

Aqui, temos uma foto da mina da Areva no Níger. Dá para ver que não há muito verde. O Greenpeace já informou sobre condições abismais de trabalho, bem como a contaminação das cidades vizinhas.

O refrão da música “Springfield Mine Disaster”, de Peggy Seeger, diz: “Bone and blood is the price of coal” [“Osso e sangue é o preço do carvão”].

Acho que a música-tema da energia nuclear “verde” deveria ser: “Drones e sangue são o preço do urânio”.

Greg Palast foi o investigador principal e a primeira testemunha do Departamento de Justiça americano na acusação de extorsão civil contra os construtores de usinas nucleares norte-americanas nos anos 1980.

Siga o Greg no Twitter: @Greg_Palast

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