Longe vão os tempos em que a músicade intervençãose fazia de meias palavras e metáforas construídas em conversasde taberna e tertúliasuniversitárias. Nos tempos do voyeurismo cibernético, o músicorevolucionário com “R” maiúsculotem um blogue, um canal YouTube e uma página de internet para alimentar, escrevetweetsmais depressa do que o Sporting perde jogos e é capaz de gerar postas de Facebook com um mínimo de 50 por cento de viralidade. Um bom exemplo disso é o grupo de marmanjos que me levaram, há dias, ao Musicbox para ver aquele que seria um espectáculode humorintervencionistaintitulado “Querestroika?”. O nome já fazia antever coisa boa, porque dá aquela sensação de que nós (parte da população que está totalmente fodida,também conhecida como povo) tivemos qualquer tipo de voto nesta matéria. O que é quase tão engraçado comocolocaramerda demúsica do Boss AC no saco de novos artistascom actividade de cariz interventivo."O ANIBALZINHO É POBREZINHO"Não éramos muitos oscamaradaspresentes na Rua Nova do Carvalho, mas também estava a chover e já é bem sabido qual o efeito que as condições climatéricas têm nas manifestaçõespolíticasdos portugueses(essa raça que tendo em conta dados recentes de emigração deve andar em vias de extinção por território nacional).Pelo palco, encontrávamos Vítor Rua, mentor do projecto, Manuel de Guimarães, Luís San Payo, Alex Cortêz, Luís Devoice e um iPad (lá está, sinais dos tempos). Tudo gente com carreira em bandas de renome da cena nacional que, de tal forma, deve andar enojada com o rumo que se deu à revolução neste país, se decidiu a juntar dois ou três acordese mandar esta merda toda para o caralho. Foi isso ou a crise de meia idade.
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O alinhamento foi feito de sucessos como "Ide Pró Caralho", "Unisexo", "O Anibalzinho é pobrezinho", "O Coelho é uma grande merda" e "Acho mal baixarem o rating a Portugal". Tudo malhas dignas de atirar o disco remasterizado do filho mais novo do Tony Carreira para segundo no top de vendas nacionais. No fim, duas coisas a assinalar: as projecções vídeo apresentavam a bandeira nacional na orientação correcta e ninguém foi identificado à saída. Dizem as más-línguas que isto foi porque não havia câmaras a filmar. Diz quem sabe que devia ser dia de expulsões na Casa dos Segredos.
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ONDE ANDA UM VIMARANENSE ANDAM SEMPRE DOIS OU TRÊSEm noite onde vernáculo é rei, não é de admirar que se encontre sangue vimaranense pelo palco lisboeta. A bem dizer, nós, descendentes directos de D. Afonso Henriques, andamos em tudo o que é canto do Universo, especialmente quando nos cheira a confusão. Desta feita, o artista (sinónimo parahabitante de Guimarães em ano de Capital Europeia da Cultura, in Priberam) dá pelo nome fictício de Luís Mendes Almeida e, segundo as palavras do mesmo, é filho não grato da cidade. Eu, como não o conheço de lado nenhum, até simpatizei com o tipo, pelo que resolvi saber um pouco mais do que ele anda a fazer e percebi que o Luís teve uma daquelas vidas que mais parecem uma série de época. Aos cinco anos de idade já cantava o “Grândola” nas ruas, canção que lhe malfadará o caminho adulto. Passou pela Associação José Afonso, partilhou camarins com José Mário Branco e com Francisco Fanhais, mas, ainda assim, nunca cantou em directo para aAntena 3. Já andou por todo o cantinho de Portugal a semear a discórdia em palavras e é presença assídua nas reposições, compilações, homenagens, espectáculos comemorativos e antologias televisivas que, todos os anos e de forma pendular, invadem a emissora nacional. Diz que não tem emprego, mas isso não é verdade, terá aquele que é, certamente, o trabalho mais português de sempre: cantar a revolução há mais de 30 anos. E mais não digo senhores, pois para bom entendedor, meia ironia histórica basta.