Women in Delhi talk about displacement after the communal riots
Mulheres de Shiv Vihar no noroeste de Deli — Saniya, Samreen e Nasreen— foram obrigadas a fugir de suas casas durante as revoltas da semana passada. Nenhuma delas sabe se vai poder retornar.
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Mulheres falam sobre a raiva, o luto e a frustração de perder suas casas na onda de violência religiosa em Nova Déli

“Quando saímos, jogaram pedras na gente. Meu cunhado morreu depois de ser espancado por uma multidão.”
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fotos por Arpita De
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Samreen Ansari estava viajando no metrô de Delhi quando mulheres ao redor a aconselharam a tirar o hijab. “Elas me disseram que não era seguro usar hijab viajando pelas áreas de revolta”, a mulher de 22 anos disse a VICE. Era a rota que ela pegava todo dia para o trabalho. “Nossa família foi uma das últimas a fugir de Shiv Vihar (no noroeste de Nova Déli). Em 26 de fevereiro, começamos a testemunhar violência às 3 da manhã. Depois de passar a noite no escuro, saímos por volta das 3 da manhã de 27 de fevereiro. Os hindus do nosso bairro nos ajudaram a escapar. Mas onde estava a polícia? Onde estão os políticos? Por que eles não explodem a gente, de uma vez por todas, se têm tantos problemas conosco?”

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Desde 23 de fevereiro, Nova Delhi enfrenta violência generalizada, o cerne dela sendo o debate sobre a Emenda de Cidadania (CAA). Enquanto a VICE navegava pelas áreas destruídas pelas multidões enraivecidas da cidade nos últimos dias, descobrimos que Shiv Vihar está lentamente emergindo como a área mais impactada. Várias casas foram incendiadas depois de serem saqueadas, pessoas foram espancadas, e cadáveres ainda estão sendo recolhidos de bueiros próximos. A intensidade da violência gerou um deslocamento interno de famílias muçulmanas, como testemunhado por relatos de esforços de resgate e ajuda chegando diariamente.

Enquanto as pessoas são obrigadas a fugir de suas casas, o impacto imediato não é apenas trauma emocional e físico sem precedentes, mas também o começo de anos de mais sofrimento para essas famílias. Estudos também confirmaram que enquanto o conflito tem um impacto tanto em homens quanto mulher, seus efeitos são piores nas muçulmanas. Quando as mulheres encaram a brutalidade do conflito generalizado, elas passam pela ameaça de violência além da probabilidade de trauma recorrente.

O que piora as coisas é que a Índia não estava preparada para uma situação dessas. Nos anos 90, a ONU divulgou Os Princípios para Deslocamento Interno para ajudar Pessoas Deslocadas Internamente (PDI) devido a conflitos e violência. Um dos princípios é garantir que as pessoas que são obrigadas a fugir de suas casas recebam proteção, reabilitação e, se possível, oportunidade de retornar. Enquanto isso foi adotado por pelo menos 17 países, a Índia não é um deles. No momento, uma pesquisa recente de 2018 coloca o número de Pessoas Descoladas Internamente na nação em 4.790.000.

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Para entender a realidade de ser deslocado depois das revoltas em Nova Déli, a VICE visitou Mustafabad para falar com várias mulheres que perderam suas casas em Shiv Vihar, fugiram da área, e agora estão abrigadas em vários locais do bairro (que tem um acampamento de ajuda montado por civis). As histórias delas são de perda, raiva e frustração.

Nafisa

delhi riots

“Deixamos a casa destrancada e fugimos. Eles saquearam nossas casas. Estou na casa da minha filha agora. Não podemos voltar. Não tem mais nada lá.”

Rubina

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“Fugimos de casa na calada da noite. Quando saímos, jogaram pedras na gente. Eles estão abusando de nós. Famílias estavam amontoadas. Fugimos descalços. Meu cunhado morreu depois de ser espancado por uma multidão. Ouvimos dizer que pessoas em Babu Nagar, um bairro em Mustafabad, estavam ajudando pessoas como nós, então viemos pra cá. Ouvimos histórias de ataques com ácido e assassinatos brutais.”

Madina

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“Não sei o que fazer agora, pra onde ir, com quem falar. Estamos aqui porque as pessoas de Babu Nagar estão nos ajudando. Eles incendiaram nossa casa. Queríamos voltar pra lá. Mas todo mundo que tenta voltar é espancado.”

Afroz

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“Eles queimaram nossas mesquitas. Cheguei aqui com minha família em 25 de fevereiro às 6 da manhã. Estamos usando roupas que as pessoas doaram. Nem consegui trazer roupas para os meus filhos.”

Sakina

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“Estou muito preocupada. Estou presa aqui. Não temos roupas suficientes para o inverno. Pessoas pobres sofreram o pior com essa violência.”

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Chandni

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“Tenho três filhos. [Quando a violência começou] eu tinha colocado as roupas para lavar. Fiz as crianças colocarem as roupas molhadas e fugimos. Agora, meus filhos não estão bem. Ela (na foto) é minha mais velha, ela tem sete anos. Ainda estamos com medo. Não sabemos quem eles eram, aqueles que causaram a destruição.”

Rubina

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“Ficamos acordados a noite toda em 23 de fevereiro. Fugimos em 24 de fevereiro depois que jogaram pedras em nós. Consegui buscar minhas meninas na escola com ajuda de vizinhos hindus. Meu marido trabalha em Pune. Eu morava sozinha com minhas filhas numa casa alugada em Shiv Nagar. O que temos agora? Eles destruíram tudo. Até os donos que alugaram a casa pra mim fugiram. Nossos vizinhos hindus nos ajudaram a escapar. Quando estávamos saindo, fomos cercadas por uma multidão. Eu disse para minha filha mais velha não correr ou parecer que estava com medo.”

Mehrunisa

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“Eu estava cozinhando em 25 de fevereiro, mas as crianças não quiseram comer. Deixei a massa do roti na geladeira. À noite, ouvimos uma multidão tentando derrubar nossa porta, então nos escondemos. Waale (policiais que usam uniformes camuflados) do exército nos tiraram de lá e nos trouxeram aqui. Não sei o que aconteceu com a minha casa. Eles queimaram nosso carro. Não sei de mais nada. Eles não pouparam nem minhas galinhas e pombos.”

Nasreen

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“Nossa televisão, geladeira, joias, dinheiro – eles levaram tudo. Saí de casa depois do chamado para a oração em 25 de fevereiro. Passei uma noite em Chaman Park (um bairro em Mustafabad onde os locais estão abrindo suas casas para pessoas buscando refúgio), deixei meus filhos com minha família estendida, e vim pra cá (o acampamento de ajuda montado por moradores de Mustafabad) hoje. Tudo isso, depois de morar 30 anos em Shiv Vihar.”

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Alisha

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“Tenho 14 anos. Não consegui nem resgatar minhas cabras.”

Saniya

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“Minha mãe e eu saímos às pressas quando a violência começou. Não sabemos o que aconteceu com a nossa casa; o que a multidão violenta fez com ela.”

Matéria originalmente publicada na VICE Índia.

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