Fotos Incríveis de Ocupas Londrinos dos Anos 70 e 80

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Fotos Incríveis de Ocupas Londrinos dos Anos 70 e 80

O fotógrafo Mark Cawson – a.k.a. Smiler – era um estudante de artes na época que passou sua juventude pulando entre ocupações por toda a cidade registrando as propriedades em que ficava e as pessoas que moravam ali.

Talvez você não esteja sabendo, mas a Inglaterra está passando por uma grave crise de habitação no momento. Moradores de casas de aluguel públicas estão sendo despejados para dar lugar a propriedades de luxo, e muitas pessoas se sentem cada vez mais alienadas em suas comunidades. Conselhos locais não têm dinheiro para substituir as moradias perdidas para políticas cada vez mais agressivas de righttobuy do governo britânico, enquanto a lista de espera de um lugar para morar cresce rapidamente.

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Ocupações são bem incomuns hoje em dia, porém, nos anos 70 e 80, em Londres, ocupar imóveis era uma opção genuína para muitas pessoas sem meios de pagar aluguel regularmente. Prédios de partes fora de moda da cidade, que hoje valem milhões, ficavam vazios, e muitas vezes os conselhos locais faziam vista grossa para as ocupações. O fotógrafo Mark Cawson – a.k.a. Smiler – era um estudante de artes na época e passou sua juventude pulando entre ocupações por toda a cidade. Ele fotografava as propriedades em que ficava e as pessoas que moravam ali. Depois de sair da escola de artes, Mark enfrentou problemas familiares e com drogas, acabando por largar a fotografia. No entanto, agora, seu trabalho está sendo exibido pela primeira vez na galeria ICA de Londres.

Quando conversamos com Mark na semana passada, ele explicou como participou de uma ocupação pela primeira vez. Quando começou seus estudos no Hornsey College of Art, ocupar "não era uma escolha", e sim a norma: "Era um jeito de estar com seus amigos, um jeito de ter uma moradia que você podia pagar, ser parte de uma comunidade". Mark acabou vivendo em propriedades vazias por toda a cidade, de um antigo hospital em Muswell Hill, no leste rico de Londres, até o bairro então de classe trabalhadora King's Cross.

Só que ele não estava vivendo apenas com outros estudantes. "Havia muitos artistas e músicos lá também… muitas pessoas da Irlanda tentando ganhar a vida, gente da Escócia, uma grande mistura", ele me contou. "Tenho uma foto deste cara, o Sean. Ela foi tirada numa ocupação gigante em Hammersmith chamada 'School House' – era uma antiga escola. O lugar era enorme, e o Sean morava no porão, como numa cripta."

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Mark acabou passando de casa em casa, frequentemente dormindo no sofá de conhecidos quando não achava um lugar para ficar. Nesses anos, ele viveu e documentou alguns dos bairros mais caros de Londres – e alguns dos mais pobres: "Morei em Talgarth Road, aquele buraco infernal em Hammersmith. O lugar parecia realmente tóxico. De lá, fui a uma mansão em Knightsbridge, de repente tendo de comprar meu leite na Harrods". Mas foi em King's Cross que ele fez algumas de suas imagens mais poderosas. A área, hoje ocupada pelo Google e o Guardian, pouco tempo atrás era notória por crime, prostituição e uso de drogas. Mark se viu numa antiga casa vitoriana, atrás da estação em Cromer Street. "Havia bandidos, cafetões, motoqueiros, garotas de programa e casas da luz vermelha, mas famílias normais também. Artistas, tipos alternativos, viciados, traficantes: era uma mistura louca. E havia justiceiros em Somerstown. Era um lugar sombrio, mas meio que normalizei isso. Só agora vejo como era pesado. Um lugar escuro, sujo, coberto de fuligem, com muitas coisas ruins acontecendo."

O porão de Sean (Ocupação School House), 1978. (Todas as fotos por Mark Cawson)

Foi quando morava lá que Mark começou a abusar das drogas, algo que eventualmente contribuiria para que ele abandonasse a fotografia por quase 30 anos. Ele admite que estar em contato com traficantes e outros viciados nas ocupações foi um dos fatores para seu vício, mas não o único: "Não acho que ser ocupa foi o que me introduziu a esse estilo de vida. OK, encontrei isso pela primeira vez numa ocupação, porém fui preparado para isso muito antes. Eu estava me envolvendo com todo tipo de coisa em idades diferentes. Não culpo as circunstâncias ou o ambiente em que eu estava vivendo". Mesmo assim, os personagens de quem ele fala poderiam ter saído de um livro de Irvine Welsh. Gente como Dean*, "um traficante, um criminoso para falar a verdade, mas uma cara muito legal. Ele sempre aparecia do nada, e era uma alegria vê-lo". As prostitutas que aparecem nas fotos de Mark revelam a realidade bem pouco glamourosa do negócio do sexo: "Tinha a Karen*, ela era garota de programa. Você podia ver o estrago que injetar tinha feito na mão dela, embora ela tivesse um coração enorme. Ela era muito excêntrica, ela levava esse yorkshire terrier pequenino na bolsa porque sentia pena de deixá-lo sozinho. Ela enfiava o cachorro na bolsa antes de ir trabalhar, junto com seus cigarros Rothmans e sua pequena lata de agulhas".

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Sophie (Ladbroke Grove), 1980.

A experiência de ocupação de Mark nos anos 80 deu a ele uma visão sem filtros da cidade. Apesar de ser um estudante de arte, ele vivia junto de pessoas lutando para sobreviver e tentando evitar a lei. Jimmy Cauty, artista e metade da banda KLF, teve uma experiência muito diferente de ocupação – não mais fácil, apesar de ele não ter enfrentado as lutas que Mark viu em primeira mão. Seu período numa ocupação mostra como isso era uma alternativa de moradia real para muitos jovens, algo que seria impossível hoje.

Jimmy se envolvia em ocupações em Brixton desde o final dos anos 70, mas, em 1980, se mudou para uma casa vitoriana em Stockwell, sul de Londres. Ele ficou lá por mais de uma década, o maior período em que viveu numa mesma casa, apesar de o lugar ser propriedade do conselho local. Ele me contou sobre o acordo tácito que acabou sendo estabelecido entre os ocupas e o conselho: "Eles basicamente fizeram todos os ocupas se juntarem a cooperativas de moradia, ou eles seriam expulsos; assim, nos juntamos à cooperativa North Lamberth". Através da cooperativa, Jimmy teve acesso a fundos e ferramentas que deveriam ser usados na manutenção da casa, embora, como sua banda KLF estava começando a deslanchar, ele tenha usado o dinheiro para construir um estúdio. "O conselho me deu cerca de £ 3 mil para colocar na minha conta pessoal e fazer a manutenção da casa, o que pareceu bizarro. Especialmente porque éramos uma banda e precisávamos de equipamento… coloquei um estúdio no porão. Não sei como me safei dessa. Coitados dos vizinhos. Agora, me sinto realmente mal por eles, só que, na época, eu não me importava."

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A ocupação deu ao KLF o nome de seu single de 1991 "Last Train to Trancentral". A faixa menciona um local abstrato de despertar espiritual, mas a banda sabia que isso era a antiga casa em Stockwell. Um artigo da Melody Maker descreveu a casa: "A cozinha é aquecida, deixando as três bocas de gás que funcionam ligadas no máximo, enquanto os vapores fazem todo mundo se sentir chapado. Havia um saco de lixo no corredor onde todo mundo tropeçava, além de uma velha moto… havia também dois gatos conduzindo uma eterna jihad, com pelo voando por todo lado, e farelo de pão das torradas do café da manhã ainda na mesa".

Eventualmente, essa existência bizarra chegou ao fim. Segundo Jimmy, "as reuniões da cooperativa começaram a ficar meio estranhas. As pessoas diziam: 'Acabei de te ver no Top of the Pop, o que está acontecendo? Você não devia usar a van da cooperativa para fazer shows, você devia estar buscando material…'. Estávamos ganhando muito dinheiro, o que ainda acontecia na música naquela época. No final, por volta de 1992, eu tive de me mudar e comprar uma casa: a situação tinha ficado ridícula".

Diana (King's Cross) 1980-82.

Apesar de Jimmy e Mark verem as ocupações de lados opostos do espectro, ambos concordam que fazer isso hoje seria impossível. Em 2012, uma lei transformou a ocupação de imóveis numa ofensa criminal, não mais uma questão civil. A enteada de Jimmy participa de ocupações hoje, embora ela nunca vá encontrar uma Trancentral: "Ela só pode morar em prédios industriais, e eles são expulsos o tempo todo. É uma existência muito transitória, não há mais estabilidade. Claro, antigamente essas coisas podiam durar por anos e eram relativamente seguras. No entanto, agora eles precisam estar sempre em movimento".

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Mark voltou a usar sua câmera recentemente, fotografando agora a crise atual de moradia e os ativistas lutando contra ela. Uma coisa que ele notou sobre as ocupações modernas é que isso se tornou um ato político: "Eles se destacam como feridas. Você não consegue mais se misturar à comunidade. Ocupações se tornaram declaração política em vez de um meio de vida. Acho que eles sabem que é uma questão de semanas até que eles tenham de sair… isso parece algo muito mais niilista hoje. Não é como tentar se misturar, se divertir e ficar seguro – é algo muito mais desesperado".

Ocupação 16th Floor (Latimer Road), 1980.

Patrice (Ladbroke Grove), 1983.

Ramona no pub, 1979-80.

Desenho em giz (Camden), 1989.

Dan (Dixon House, Latimer Road), 1980.

Smiler: Photographsof London está em exposição na galeria ICA, em Londres.

*Os nomes foram mudados.

@BoFrankln

Tradução: Marina Schnoor.

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