Mossless in America: Juan Madrid

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Mossless in America: Juan Madrid

O fotógrafo faz retratos íntimos de gente aparentemente inacessível enquanto conta e humaniza as histórias das grandes cidades hoje decadentes dos EUA

A Mossless in America é uma coluna que apresenta entrevistas com fotógrafos documentais. A série é produzida em parceria com a revista Mossless, uma publicação fotográfica experimental comandada por Romke Hoogwaerts e Grace Leigh. Romke começou a Mossless em 2009 como um blog em que ele entrevistava um fotógrafo diferente a cada dois dias. Desde 2012, a revista já teve duas edições impressas, cada uma lidando com um tipo diferente de fotografia. A Mossless foi destaque na exposição Millemmium Magazine, de 2012, no Museu de Arte Moderna de Nova York, e conta com o apoio da Printed Matter, Inc. A terceira edição, um volume dedicado à foto documental norte-americana dos últimos dez anos, é intitulada The United States (2003 – 2013) e foi lançada recentemente.

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Vindo das pitorescas montanhas Catskill, o fotógrafo Juan Madrid faz retratos íntimos de gente aparentemente inacessível enquanto conta e humaniza as histórias das grandes cidades hoje decadentes dos EUA. Focando principalmente nos momentos mais tranquilos dessas regiões que não são cobertas pela grande mídia, Madrid permite sentir esses lugares como nunca os sentimos antes. Falamos com Juan sobre a pobreza, as brigas de faca e os problemas do novo crescimento em velhas cidades.

VICE: De onde você é?
Juan Madrid: Catskill, Nova York. Estudei fotografia no Rochester Institute of Technology (RIT).

Você tem uma série ainda em andamento intitulada Welcome to Flint, que mostramos na última edição da Mossless. Pelo que ouvimos falar, Flint, Michigan, não é o lugar mais seguro dos EUA. O que te levou até lá?
Brett Carlsen, um amigo e colega fotógrafo do RIT, estava estagiando no The Flint Journal. Ele me convidou para visitá-lo, para trabalharmos juntos num projeto sobre a cidade e produzir uma publicação colaborativa. Aquele foi o último verão antes do meu último ano no RIT; então, agarrei a chance de sair de Nova York (onde passei minha vida inteira) e tentar ver a fotografia de uma maneira diferente antes de as aulas começarem. Acredito que aquela primeira semana em Flint mudou profundamente o jeito como entendo a fotografia e me fez começar a fotografar com mais foco.

Você tem alguma história para compartilhar de Flint?
Nunca vou esquecer uma vez em que fiquei assistindo a um bêbado, uma tarde na parte leste da cidade. Ele ficou completamente nu e foi mijar perto de umas árvores num terreno baldio. E ele estava banhado numa luz dourada – foi muito surreal. Eu queria ter tirado uma foto, mas foi tudo muito rápido; também fiquei com medo de que ele tivesse uma faca e não queria chamar atenção para mim. Ele se atrapalhou para colocar as roupas de volta e caiu pelo menos uma vez. Aí ele saiu andando pela rua, e eu o segui de certa distância por um tempo, só pra ver se alguma coisa ia acontecer. Mas acabei perdendo-o de vista.

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Voltei pra onde eu estava e o achei sentado num matagal. Ele tinha caído de novo. Ele se levantou e saiu andando pela rua, onde começou a gritar com um mendigo e ameaçou matar o cachorro dele. Ele continuou andando. O mendigo desapareceu, depois desceu a rua correndo, com uma bengala na mão, um minuto depois. O bêbado queria que ele largasse a arma; então, ele jogou a bengala de lado. O bêbado realmente tinha uma faca e tirou-a do bolso. Ele estava muito mais bêbado do que eu pensei, já que o mendigo o socou e chutou na cabeça logo de cara, e a faca saiu voando. O mendigo continuou chutando o bêbado enquanto ele estava caído e fugiu antes de a polícia aparecer.

Algumas pessoas tinham parado para assistir e estavam filmando a cena com seus celulares. Tentei achar a faca depois que o mendigo fugiu, mas outra pessoa já tinha pegado. Alguém tinha chamado a polícia, mas o bêbado conseguiu se levantar, bastante atordoado, a cara toda ensanguentada, e saiu andando rua abaixo. Mas aí a polícia chegou e o levou preso.

Como você encontra os temas das suas fotografias?
Eu ando muito por aí. Às vezes, eu vejo uma pessoa e sinto que preciso tirar o retrato dela. Outras vezes, tento parar as pessoas e conversar, ou as pessoas puxam assunto comigo. Se estou fotografando a mesma área por um período extenso, às vezes, sou apresentado às pessoas.

Tem uma foto da série Sculptures of Ghosts (também apresentada na última Mossless) que é uma das nossas favoritas do livro. A legenda diz: "Esse homem foi tatuado por seu pai um ano antes da morte dele. Seu pai também tatuou a palavra padre no pescoço dele. Ele morava em Los Angeles, mas se mudou para Rochester em 2004". A imagem prende a atenção completamente; qual a história por trás da foto?
Infelizmente, não há nenhuma história incrível por trás da imagem. Eu estava andando por Rochester quando cruzei com esse cara. Eu o parei e perguntei se podia tirar o retrato dele. Conversamos um pouco sobre de onde ele era e as diferenças entre Los Angeles e Rochester. Só uma conversa normal. Ele explicou o que a tatuagem dele significava, e acho que disse que seu pai era um nativo americano e que a tatuagem, se me lembro bem, era de natureza espiritual. Sempre quis encontrá-lo de novo, mas nunca aconteceu.

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Flint costumava ser a maior fabricante de carros do país e hoje, em seu declínio, se tornou uma das cidades mais perigosas dos EUA. Como as pessoas lá lidam com isso?
As pessoas se viram. Parece que é assim em todo lugar – você faz o que for preciso para sobreviver, pelo menos nos bairros mais pobres. É difícil, porque a maioria não tem aonde ir além de Flint e sabe disso. É o tipo de situação em que o crime se torna a maneira mais fácil de sobreviver. Parece que o centro da cidade está ganhando força, mas desconfio desse tipo de crescimento. Isso aborda um sintoma do capitalismo americano, não a doença, enquanto compartimenta a pobreza e a violência. Mas as pessoas estão ajudando a área a crescer, e a presença de faculdades realmente tornou o centro mais seguro e propenso ao crescimento econômico. Algumas organizações comunitárias também estão fazendo o melhor possível para lutar contra a pobreza, com grupos de jovens, abrigos para sem-teto ou qualquer outro tipo de ajuda.

E Rochester, que você cobriu em Sculptures of Ghosts? Que tipo de declínio a cidade experimenta?
Rochester experimentou uma decadência similar à de Flint e à de outras cidades do cinturão da ferrugem. Grandes negócios perderam a habilidade de gerar grandes lucros (apesar de que, nesse caso, foi mais porque a Kodak não conseguiu desenvolver uma nova tecnologia) e tiveram que cortar a maior parte de sua mão de obra, deixando essas pessoas por sua própria conta. A população caiu, o crime subiu – apesar de as estatísticas nunca contarem a história inteira, o que você precisa ter em mente quando cidades são rotuladas como "violentas".

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Penso nesses lugares como cidades sacrificadas. Elas tiveram de cair para o capitalismo americano continuar sua exploração sem fim de qualquer coisa que tenha valor, além da busca incessante pelo lucro máximo, um sistema no qual as pessoas só são valorizadas pelo que conseguem produzir. E quando essa produção perde valor, essas pessoas e as cidades que elas habitam caem.

Compre o livro Waiting on the Dream pelo Coletivo VUU e veja mais do trabalho de Juan Madrid no site dele.

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Tradução: Marina Schnoor