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O Sistema de Saúde Romeno Está Tão Falido que os Médicos Estão Fugindo do País

Para ter uma ideia melhor de para onde a situação está caminhando, eu me juntei a uns 300 médicos que protestavam em frente à prefeitura de Cluj-Napoca e perguntei a eles por que o sistema de saúde romeno está tão fodido.

Ano passado, meu pai ficou internado enquanto passava pelo tratamento de um câncer no pâncreas. Como aqui é a Romênia, o médico me deu um lista de suprimentos médicos que eu deveria providenciar: remédios, seringas, equipamento de soro, cânulas, cateteres, curativos e emplastros. Tudo isso custou entre R$ 329 e 658, e, num país onde o produto interno bruto per capita é de cerca de 30 mil reais, isso é muita grana. Muitas famílias aqui precisariam escolher entre pagar por ajuda médica para um ente querido ou comprar comida.

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Nos últimos cinco anos, aproximadamente 14 mil médicos saíram da Romênia, uma tendência que não parece estar diminuindo. A paciência dos médicos residentes foi testada até o limite no mês passado, quando o primeiro-ministro Victor Ponta prometeu um subsídio mensal de cerca de R$ 470 juntamente com os salários, para, em seguida, adiar o pagamento. Junto com salários baixos vem a corrupção – os empregadores às vezes solicitam propina das pessoas que querem trabalhar em seus hospitais.

Para ter uma ideia melhor de para onde a situação está caminhando, eu me juntei a uns 300 médicos que protestavam em frente à prefeitura de Cluj-Napoca e perguntei a eles por que o sistema de saúde romeno está tão fodido.

Delia e Darius Tăchilă são residentes. Ela trabalha em ortopedia e ele como cirurgião buco-maxilo-facial. Depois que tirei essa foto, eles me disseram: “Estamos sorrindo, mas estamos desesperados”.

VICE: Pelo que vocês estão protestando?
Delia: A primeira coisa é a falta de dinheiro. Estamos perdendo coisas e não conseguimos comprar livros bons. Meu curso de residência envolve prática contínua, mas como vamos conseguir comprar tudo que precisamos para isso?

Darius: Moramos no campus da universidade. O aluguel e as contas já consomem um dos nossos salários. Usamos o outro – que é de €250 (cerca de R$ 820) – para viver. Nossos salários são baixos e, às vezes, trabalhamos turnos extras e finais de semana sem receber. Mas as pessoas têm que entender que isso não é só problema nosso – os médicos vão sair do país e os cidadãos vão sofrer com falta de assistência médica.

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Vocês também planejam sair do país?
Sim. Temos algumas opções, como Alemanha, Inglaterra, Austrália…

Maria, outra residente, segurando um cartaz protestando contra os salários baixos.

Que dificuldades você enfrenta como médica residente?
Maria: Os salários são muito baixos, as famílias das pessoas que tratamos – e o resto da sociedade – não nos respeitam e estamos sempre frustrados porque não somos capazes de fazer nosso trabalho direito.

Por que você se tornou médica?
Para ajudar as pessoas. E, para isso, preciso praticar durante a residência. Se o governo não nos ajuda, o que podemos fazer? Eu vou sair do país.

VICE: Por que você está aqui hoje?
Andreea, médica residente: Vou te contar uma história. Uma vez, precisei de luvas para fazer um procedimento, então, pedi para a enfermeira me entregar um par. Ela me deu uma luva.

“Você acha que consigo fazer isso com uma mão só?”, perguntei a ela.

“Vai ter que fazer – as luvas custam caro”, ela me disse.

Então vocês sequer conseguem comprar equipamento para trabalhar de maneira apropriada?
Isso. Sou jovem e quero me convencer de que não preciso sair do país. Mas, para isso, preciso de condições de trabalho decentes no hospital – meu próprio banheiro, espaço, equipamento, horários normais. Não é normal ter um plantão de 24 horas… quando no outro dia você tem que começar outro plantão e estar bem. Você não pode errar, suas mãos não podem tremer. Você tem que prestar atenção no que está dizendo, no que está escrevendo e no diagnóstico que dá. A responsabilidade é muito grande quando você está lidando com a vida das pessoas.

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De quanto é seu salário?
Subiu de €222 para €244 [cerca de R$ 730 para 800] por mês. Metade dos estudantes da minha geração deixaram o país antes do exame de residência e a outra metade começou a sair agora. Não sei quanto tempo continuarei teimando em ficar aqui – para cumprir minha obrigação moral com as pessoas daqui. Mas, se a situação continuar assim, vou procurar por horizontes mais promissores.

VICE: Como você vê seu futuro como médico residente?
Silviu, assistente médico: Não estou otimista. A palavra que melhor descreve minhas perspectivas para o futuro aqui é horror. Como estudantes na Romênia, temos tido muito azar – temos que escolher entre aguentar essa situação ou ir embora. As duas escolhas são ruins.

Por que você quer sair do país?
O sistema de saúde aqui é negligente, e a equipe médica tem que, simplesmente, lidar com isso e engolir a frustração. Os pacientes e as famílias não entendem que não temos culpa. É difícil suportar.

VICE: Qual é a parte mais difícil de trabalhar no sistema de saúde romeno?
Andreea, estudante de medicina: Pensar no bem de seu paciente quando você sabe que a eletricidade de sua casa pode ser cortada; que você pode estar grávida e que precisa comer mais, mas não tem tempo ou dinheiro para fazer isso. Sou estudante e quero continuar neste país, por isso me juntei ao protesto.

O que você espera mudar?
Quero condições de trabalho decentes. Acho humilhante ter que pedir dinheiro aos pais aos 30 anos. Quando você não consegue ser financeiramente independente e responsável por sua própria vida, como você pode ser responsável pela vida dos outros?

VICE: Por que você está protestando?
Vlad, médico residente: Muitas razões: não recebemos alimentação, temos que trazer comida de casa; os turnos extras não são remunerados; trabalhamos muitas horas extras e alguns médicos não respeitam os residentes. Todos recebemos ajuda dos pais. Não podemos nem sonhar em tirar férias. Nós mesmos temos que comprar os manuais, que são caros. Outra coisa são as bolsas – além de ainda não ter sido pago, não sabemos por quanto tempo ainda vamos recebê-la.

Como os pacientes são afetados pelas deficiências no sistema?
Eles mesmos têm que comprar os remédios, e a comida é horrível. Há hospitais onde você teria um colapso mental se entrasse. As camas são velhas, as paredes não são pintadas e os banheiros são péssimos. Os pacientes precisam de descanso e condições melhores. E, para nós, não importa o quanto você seja comprometido, é difícil manter uma atitude positiva.