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Entretenimento

O presente é brilhante. O futuro logo se vê.

A festa tinha começado às 7 da tarde e às 10 da noite estava, portanto, bonita, suada, mas em modo 4 da manhã.

Escolherem-me para escrever sobre o Boiler Room, realizado há coisa de uma semana no Lux, em Lisboa, seria à partida um erro editorial de proporções épicas. Não quero parecer um velho Ortigão, mas tenho uma ligeiríssima aversão a tudo o que se apresenta como "música electrónica futurista", feita por gajos que "apontam ao futuro", que têm "memórias do futuro", fazem "rituais para tribos do futuro" e são "o passado e o futuro". A aversão não é à música electrónica em si (o que quer que isso seja hoje em dia, porque, claramente, não é o que era há 30 anos atrás, seja em dimensão, seja em relevância para a música popular no seu todo), mas à cagança do conceito. A música dita de dança, para mim, a maior parte das vezes, é só chata. O que se diz dela, normalmente, é só exagerado. Do lado de lá da barricada dir-se-á o mesmo. Opiniões, gostos, a morte constante do rock, a injecção de esperança da electrónica, o olhar para África e para as raízes do ritmo…enfim…sempre assim foi, sempre assim será e, na realidade, pouco mais importa que a diversão, o escapismo, as cócegas que a musica nos faz.

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Paus, fotografia de Cláudia Teixeira.

Os tais gajos que "apontam ao futuro" nem têm culpa. O próprio formato do Boiler Room também não. Mostrar o que está "a ferver" numa cidade, num dado momento, tem pouco a ver com futuro. Tem a ver, obviamente, com o aqui e o agora e é isso que, afinal, se pretende mostrar. Ou seja, a culpa é minha. Fui ao site da Red Bull Music Academy - que este ano assumiu um takeover ao evento e foi responsável pela programação - ver o que se passava, e quem era a rapaziada que não conhecia, e vim de lá todo aziago. Um clássico. Li as descrições dos artistas e não devia ter lido. Li que queriam mostrar o que se faz em Lisboa (eles dizem Portugal, mas só pode ter sido engano), "do fado às propostas mais independentes, do disco ao house, do techno aos novos ritmos inspirados por África" e pareceu-me tudo um déjà vu.

Marie Dior, fotografia de Cláudia Teixeira.

Solta-se-me o Velho Marreta e só digo estupidezes. Nem digo. Grito. Tipo maluquinho no meio da rua. "Música do futuro?!!??!! Música do futuro é o genérico do Espaço 1999 e o Danúbio Azul do 2001 pá"; "Música do futuro em 2015 é masturbação e da manhosa". Merdas deste género. Como se tivesse 20 anos outra vez - sim, porque melómano que se preze tem de ser aos 20 muito mais Marreta que aos 40. E eu era. Felizmente também sou um gajo fácil e, apesar de continuar a achar que a Mariza foi um erro de casting, porque o que está a ferver à séria é o fado e não propriamente a Mariza (muito menos o discurso paternalista do "eu sei que vocês não estão habituados a ouvir este tipo de música…"), apesar de continuar sem paciência para a maioria dos Djs que faziam parte do line-up, e de nenhum me ter convencido do que quer que seja, o Boiler Room, como conceito, como showcase dinâmico e à escala global de um determinado momento da vida cultural de uma cidade, convenceu-me.

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Mariza, fotografia de Cláudia Teixeira.

Como me convenceram os Paus, máquina demolidora de rock que nunca tinha visto ao vivo e a cores, e quero voltar a ver rapidamente, o psicadelismo cativante de Jibóia, assente numa espécie de prog cozido (ou fervido neste caso) em caldeirão electrónico e a que a voz estonteante da menina Sequin só empresta ainda mais espanto, ou as canções cheias e redondas do combo disco-pop-bailarico de Moullinex. Até os Batida, que actuaram no espaço de curadoria dos Buraka Som Sistema - à partida aquele em que a programação me era mais indiferente - foram de tal maneira absorventes que não me foi fácil sair a meio para ir espreitar o que se passava nas outras salas. Um portento de ritmo, ideias de som e capacidade de fazer dançar que gerou talvez o maior círculo de gente à volta de uma actuação em toda a noite. Brilhante.

Batida, fotografia de Pauliana V. Pimentel.

A festa tinha começado às 7 da tarde e às 10 da noite estava, portanto, bonita, suada, mas em modo 4 da manhã, ou seja, aquela hora em que, ou ficas até te saltarem as órbitas, ou sais de fininho. No caso do Boiler Room, sair de fininho era uma opção ainda mais válida quando o objectivo principal da coisa é estar em casa no sofá - ou na cozinha, ou onde mais vos aprouver -, e poder experienciar tudo o que se passa no tal sítio secreto. Como tal, segui caminho, enfiei-me no metro, agarrei no telefone, liguei-me ao site. E entre Santa Apolónia e o Marquês ainda consegui espreitar as três salas. The brave new world. Um bocadinho em cada uma só para me preparar para, já em casa, não perder muito tempo a ver como funcionava e enquanto fazia uns ovos mexidos abanar a anca com o Moulinex, e submergir na bolha densa de Marie Dior.

Moullinex e ovos mexidos, cortesia do autor.

Já longe de quem lá estava - jornalistas de barba, gajos de barba, bloggers de barba, amigos de barba dos gajos das bandas com barba, e gajas felizmente sem barba - e do espaço do Lux (com o acrescento da Loja da Atalaia, ali mesmo ao lado, no Cais da Pedra), mas mais perto da essência do projecto. Podendo haver locais mais interessantes, ou mais fora do normal, até para acentuar o tom de secretismo e intimidade com que a coisa é preparada e comunicada, a escolha do Lux foi a mais acertada pela necessidade de simplificar a logística que uma coisa destas implica. E nesse aspecto fluiu tudo lindamente. Entre Djs, bandas e mesas cheias de parafernália electrónica quase nem se dava pela montagem e desmontagem, e praticamente não houve interrupções. Em casa a fluidez é ainda mais assertiva e tudo acaba por fazer sentido. A cidade mostrou ao mundo como se mexe e como fervilha.

O presente é radioso. O futuro… é já daqui a um ano.