Fotos da era de ouro do pornô francês

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Sexo

Fotos da era de ouro do pornô francês

Uma entrevista com o diretor Gérard Kikoïne, que entre 1974 e 1984 fimou dezenas de filmes e capturou o lado selvagem da geração pós maio de 68 e pré AIDS.

Matéria originalmente publicada na VICE França.

O diretor Gérard Kikoïne é considerado um dos arquitetos do pornô francês. Entre 1974 e 1984, Kikoïne filmou dezenas de filmes capturando o lado selvagem de uma geração libertada pelos eventos de maio de 68, emancipada pela pílula anticoncepcional e ainda intocada pela AIDS.

Ano passado, Kikoïne publicou um livro de fotos com centenas de imagens inéditas dos bastidores de seus filmes — Le Kikobook. Falei com ele sobre a era de ouro do pornô francês.

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VICE: Oi, Gérard. Então, os anos 70 eram mesmo a grande suruba 24 horas que minha geração imagina?
Gérard Kikoïne: Ah, o mito da grande suruba! Não, nem um pouco. Quando você chega no set de filmagem às 9 da manhã, acredite em mim, você está lá só pra trabalhar mesmo. E eu nunca abusei da minha posição como diretor e produtor. Muita gente nesse negócio — e na indústria do cinema em geral — transa com as atrizes, mas eu não. Nos comportávamos melhor que os caras do cinema "de verdade".

E como era o trabalho?
Bom, os rolos de filme eram muito caros. E tínhamos que filmar duas versões de cada filme — uma mais suave que passasse pela censura e uma mais hardcore para passar em cinemas específicos. Então estávamos muito longe da fantasia da grande suruba. Na verdade, tudo era muito bem organizado e preparado. Mesmo as cenas hardcore quase nunca eram improvisadas, a menos que os atores estivessem se sentindo confortáveis. Cada set era cuidadosamente montado e o elenco era coerente. O frentista parecia um frentista. O arquiteto parecia um arquiteto.

Então era tudo muito profissional.
Era tudo muito certinho. O diretor de arte era muito rígido com a iluminação e os acessórios. Eu também não economizava nos detalhes. Especialmente porque meus filmes tinham bastante diálogo. Talvez isso tenha a ver com minha paixão pelo expressionismo alemão. Eu admirava muito as aberturas de Mike Nichols, a iluminação de Stanley Kubrick e a subversão de Lindsay Anderson. Todo mundo com quem eu trabalhava amava o cinema.

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Quem eram seus haters?
Bom, o MLF [o Movimento de Libertação das Mulheres da França] nunca tentou fazer um piquete nas nossas filmagens, mas isso não é surpresa: meus filmes glorificam as mulheres. As atrizes eram o centro dos meus enredos. Havia algo muito libertador para as mulheres neles. E nenhuma mulher era obrigada a fazer um filme — ninguém chegava no set com um cafetão.

Como eram os atores com quem você trabalhava?
Trabalhei com uma geração de hedonistas pós-68. Eles gostavam de se divertir e se expor. E eles amavam sexo. Brigitte Lahaie tinha herdado uma boa grana da família; ela estava nessa só pela diversão. A maioria das minhas musas atuavam nos meus filmes porque queriam, não porque precisavam de dinheiro. No final da noite, quem quisesse podia participar de uma suruba, mas durante o dia era só trabalho.

"Gostando ou não, o cinema francês tem um gostinho do meu pau." — Alban Ceray

Muita gente assistia seus filmes?
Sim! Entre 1977 e 1982, meus filmes venderam mais de 4 milhões de ingressos. Eles se saíram muito bem e eram distribuídos em cerca de 30 países. Estávamos por toda parte. Alban [Alban Ceray, um ator pornô que trabalhou com Kikoïne entre os anos 70 e 2000] disse: "Gostando ou não, o cinema francês tem um gostinho do meu pau".

Bem colocado.
E uma porcentagem da bilheteria ia para o CNC [Le Centre national du cinéma et de l'image animée — uma agência governamental que promove e produz filmes franceses]. Nosso dinheiro era muito bem-vindo. Dinheiro do pornô!

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O que o cinema tradicional francês achava de você?
Acho que a indústria tinha a pior opinião da gente. Quando parei de fazer pornô, entrei para a lista negra. Os americanos me queriam, mas ninguém na França queria trabalhar comigo.

Brigitte Lahaie em Parties Fines.

Como você se sente com o pornô estando em todo lugar hoje em dia?
O pornô sempre evoluiu através de rupturas e choques. Eu dirigia pornô para os cinemas — você ia ao cinema e via um pau numa tela de 4 metros de largura. Depois disso, todo mundo assistia pornô em VHS e na TV. A primeira transmissão de um filme pornô na TV francesa foi em 1985. Isso foi um choque, mesmo para mim. Poucos anos antes seria impensável um canal de TV exibindo pornô. O fato do pornô ter se tornado acessível em plataformas gigantes como o YouPorn, definitivamente expôs um público maior ao gênero.

Hoje as pessoas vêm me cumprimentar quando saio para jantar. Isso nunca aconteceria 15 ou 20 anos atrás. Estamos num ponto em que a cultura pornô inspira a indústria criativa. Mas o acesso completo a todo o conteúdo pornográfico — o pior e o melhor — torna o trabalho individual esquecível. Nossos filmes vão continuar por aí, porque os fizemos com alegria, vitalidade e amor e respeito pelas mulheres.

Le Kikobook foi publicado pela Les Éditions de l'Œil.

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