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Viagens

A Noruega é um paraíso de trolls, vikings e dinheiro

Se estão a pensar em emigrar para a Noruega, pensem duas vezes.

Um corte de cabelo custa cerca de 70 euros (o de homem, claro, porque o de mulher pode chegar ao dobro). Um bilhete de autocarro, do aeroporto ao centro da cidade, custa mais de 20 euros. E uma cerveja num bar custa à volta de dez euros. O custo de vida na Noruega é uma loucura e não admira que vejo noruegueses de visita a Portugal eles estejam a desgraçar-se completamente. Afinal de contas, com o dinheiro de uma cerveja, eles cá conseguem comprar dez (!). Trabalhar na Noruega é fixe, uma pessoa recebe bem, mas também é verdade que gasta muito dinheiro. Das duas vezes que lá tive — ambas em Stavanger, sem nunca passar pela capital, Oslo — consegui estar quase quinze dias sem abrir a carteira. Da única vez que fui ao supermercado, umas simples compras para uma refeição para três pessoas — uma embalagem de carne, uma alface para salada, uma coca-cola de litro e pouco mais — custou-me quase 60 euros. Felizmente, não fui eu a pagar. Gonçalo Guerreiro, o meu anfitrião, que está a viver na Noruega desde 2009 (primeiro em Bergen e agora em Stavanger), explica-me que conhece normalmente dois tipos de portugueses lá: os que vão com algum contrato já debaixo de olho, com despesas pagas, e que assim conseguem amealhar um significativo pé-de-meia; e os que vão iludidos com os ordenados elevados e que acabam por regressar rapidamente, por não conseguirem acompanhar o custo de vida local enquanto procuram qualquer coisa para fazer. Por isso, em jeito de pai, Gonçalo deixa o conselho: se estão a pensar em emigrar para a Noruega, não o façam sem terem nada em vista; ou então, não o façam sem um bom plafond. Até porque, para quem não fala norueguês, não é assim tão fácil safar-se no mundo do trabalho local não-especializado. No tempo que já passei em território norueguês consegui aperceber-me de duas ideias feitas que nós temos da Noruega que, afinal, são mitos urbanos. O primeiro tem a ver, obviamente, com o bacalhau. Ninguém come bacalhau na Noruega, nem mesmo fresco. Passei quase 15 dias lá e a única vez que vi um bacalhau foi num… candeeiro feito de bacalhau. True story. E Stavanger até é uma cidade costeira. Em compensação, há camarão a dar com um pau, que se pode comprar directamente aos pescadores no porto da cidade, já cozido e tudo. E praticamente ao mesmo preço de Portugal. O segundo mito tem a ver com o facto dos nórdicos serem todos educados, organizados e civilizados. Errado! Isso são os suecos. Os noruegueses são isso, mas apenas durante o dia. À noite transformam-se em vikings, que passam por cima de toda a folha. Não admira que as leis sob o álcool sejam tão rígidas. É proibido beber na rua, as lojas deixam de vender álcool após as seis (aos fins-de-semana é mais cedo) e, além dos bares, apenas as lojas autorizadas pelo Estado podem vender bebidas: os vinmonopolet. A excepção é a cerveja. Por isso, mal chega a sexta-feira é normal começar a ver o pessoal jovem a movimentar-se com o seu saquinho de plástico debaixo do braço. Como as bebidas são caras, o pessoal vai para a casa uns dos outros primeiro e cada uma leva as suas bebidas, não há cá partilha. E no final, se sobrar alguma coisa, volta para casa no respectivo saco. O álcool é demasiado valioso para se desperdiçar. Em Portugal acolhi uma vez dois noruegueses. O primeiro, depois de uma noite de copos, passou a noite a saltar da janela do hostel e a voltar a entrar pela porta, até alguém chamar a polícia. O segundo, sempre que bebia mais que a conta, abalava a correr e desaparecia durante largos momentos, voltando quase sempre todo escalavrado. Ambos não se lembravam de nada no dia seguinte. Pensava que isto tinha sido concidência, mas depois percebi na Noruega que, em geral, a faceta viking deles se solta quando tocam em álcool, tipo o Obélix e a poção mágica. No entanto, não se pense que o sistema norueguês é de alguma forma afectado por isto. Numa das noites apanhei o equivalente norueguês da queima das fitas, que é o mesmo que dizer que apanhei um monte de miúdos bêbados em festa nas ruas (como aqui, mas sem a parte estúpida das praxes). Enquanto comia um hambúrguer no Burger King, um casal na mesa da frente discutia ruidosamento, aparentemente porque ela não aguentava já os olhos abertos. Ao saírem, ela vomitou a entrada toda do restaurante, tipo exorcista, e ele partiu um dos muppis ao murro, antes de a abandonar aos cuidados dos amigos. Um caos resolvido em segundos: em menos de nada veio a ambulância que a levou, os amigos dispersaram e, do nada, apareceu um carrinho com um varredor, que limpou tudo. Em cinco minutos era como se nada se tivesse passado ali, numa demonstração brutal de eficácia. No fundo, entendo que isso seja um escape para a juventude norueguesa. Por tudo, seja a falta de luz do sol (isso deprime, acreditem), seja esse estilo de vida hiper-capitalista. Com dinheiro para tudo, as novas gerações começam a ser cada vez mais sedentárias. Basta olhar os baixos índices de participação do país em programas europeus de mobilidade, por exemplo, especialmente quando comparados com os países (mais pelintras) do sul da Europa. Se tenho dinheiro para ir quando quero e fazer o que quero porque raio vou-me meter nestas obrigações, pensam. De facto, o dinheiro é omnipresente na sociedade norueguesa. E em Stavanger, a capital do petróleo, isso é particularmente significativo. A grande atracção da cidade é, precisamente, o Museu do Petróleo. É o sítio onde os turistas — essencialmente asiáticos, claro — se cruzam: um edifício com uma arquitectura modernista, plantado na zona ribeirinha por onde entram os grandes cruzeiros que visitam a cidade regularmente. No próprio dia em que cheguei, chegou também o Queen Mary II, um dos maiores do mundo, e posso dizer que foi um cenário impressionante, estar num segundo andar e ver pela janela passar um edifício (um edifício? um arranha-céus!) de não-sei-quantos andares a poucos metros. Stavanger tem esse ar de novo rico, de quem enriqueceu demasiado depressa num curto espaço de tempo. De um lado há o antigo bairro pitoresco, a Old Stavanger, dos tempos em que era uma aldeia piscatória, com uma antiga fábrica de conservas transformada em museu rodeada de casinhas brancas de madeira dispostas em ruas ortogonais. Do outro lado os edifícios altos, o vidro e o cimento o a nova ópera, a Konserthus, que estava então em construção, com uma empresa portuguesa responsável pelo soalho, a marcar a paisagem e o skyline. Mas ir à Noruega e não ir a um fiorde é como ir a Roma e não ver o Papa. É o ex-libris local e os noruegueses orgulham-se das suas altas montanhas rasgadas pelos braços do mar. Vai-se de autocarro até lá e entra-se num ritual colectivo: uma subida de três horas até ao topo do Preikestolen, um dos mais famosos fiordes locais, com a sua plataforma saliente onde os turistas se amontoam para tirarem uma foto, tentando habilmente não apanhar outro visitante no enquadramento. Encontrei lá em cima, inclusive, mais portugueses: uma família que fez questão de tirar fotos connosco, naquele hábito irritante de nos sentirmos em comunhão com alguém da mesma nacionalidade num país estrangeiro só pelo facto de termos nascido no mesmo sítio. Obviamente que nunca mais os vi e, se tiverem a ler isto, não precisam de me mandar as fotos, ok? Mas a pergunta que se impõe aqui é: e vale a pena a subida de três horas, por caminhos que por vezes são mesmo de cabras? Sim e não. Sim, porque a paisagem lá em cima é de tirar o fôlego e dá para tirar umas fotos fixes mesmo à beirinha, ideais para arrealiar a mãe; e não, porque pelo caminho, quando vamos com os bofes de fora, ficamos deprimidos por ver velhotes de todas as idades a passarem por nós na boa. No entanto, como setubalense, tenho de fazer a devida ressalva. A nossa serra da Arrábida não fica nada atrás, mas na devida proporção, claro. Estamos é a perder a oportunidade de a vendermos turísticamente. Mas não, não se pode fazer caminhadas na serra, porque se estraga… Parece a minha infância outra vez, quando recebia o brinquedo que queria há que tempos, mas depois não podia brincar com ele para não estragar. A Noruega é isto. Para tudo o resto basta verem O Caçador De Trolls. Estão lá os restantes clichés e lugares-comuns, com um bocadinho de mais piada. Fotografia por Ricardo Cabrita