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Entretenimento

A nova sinceridade do cinema indie

O que tem este novo cinema "Indie" de tão especial?

FACTO: Tem 45 anos, mas pelo seu imaginário visual dirias que tem 80. Wes Anderson padece de uma tendência quase patológica retro, e marca toda uma geração que fez da nostalgia o seu modus vivendi. Com o seu último filme, "Grand Budapest Hotel", ultrapassou as barreiras do cinema "indie" para converter-se no realizador favorito, tanto das velhinhas nonagenárias, como dos seus netos.

FACTO: Sofia Coppola tinha 18 anos quando escreveu com o seu pai um guião para a antologia Histórias de Nova York, que também incluía outras histórias, de Woody Allen ou Martin Scorsese. Dez anos depois (em 1999) dirigiu o seu primeiro filme, Virgens Suicidas, baseado num livro de Jeffrey Eugenides. Este filme converteu-a numa das grandes promessas do novo cinema americano.

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FACTO: Há uma mulher nos Estado Unidos que faz de tudo. Chama-se Miranda July, tem 40 anos e dirige curtas e longas-metragens, escreve livros de ficção e ensaios, lança álbuns de música, é performer e artista, e ainda lhe sobra tempo para ser o ídolo de uma geração, especialmente entre o público feminino.

FACTO: Xavier Dolan realizou o seu primeiro filme, J'ai tué ma mère com 20 anos. Foi também o protagonista, escreveu o guião, e supervisionou toda a direcção artística. E foi assim que trabalhou nos 5 filmes que realizou até ao momento. Tem actualmente 25 anos. O seu último trabalho, Mummy, valeu-lhe o prémio do Júri de melhor filme ex aequo com Adieu au language 3D de Jean Luc-Godard, na última edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes.

Sobrevivendo ao hipster: a pós-ironia e o "New Sincerity Cinema"

Muito antes que o hipsterismo colectivo invada as ruas e os meios de comunicação, com a sua forma de ver a vida através da ironia, David Foster Wallace já tinha previsto o seu possível final no ensaio E unibus pluram: Television and U.S. Fiction. Neste ensaio, Foster Wallace, como um Nostradamus sem grande cultura, profetiza a chegada de "uns novos rebeldes" que acabariam, de um momento para o outro, com os meios culturais pós modernos que nos converteram em seres que se escondem detrás de uma ironia tal, que já não somos capazes de exprimir em público o que pensamos ou sentimos realmente.

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Estes quatro realizadores são alguns destes rebeldes (também Lena Dunham, Noah Baumbach, o Spike Jonze de Her, e todos os Mumblcores). Formam parte de uma corrente (aparentemente, nada inovadora) conhecida como The New Sincerity, e que abarca distintas facetas culturais, desde a música à poesia. Defendem um discurso cinematográfico que não tem medo de mostrar a vulnerabilidade das suas personagens, nem das suas histórias. Desde o frikismo hiper-romântico dos personagens de Wes Anderson, passando pelo desenraizamento e o sentimento de vazio geracional das anti-heroínas de Coppola, até aos labirintos de paixão de Xavier Dolan. Todas estas criações têm algo em comum: as emoções à flor da pele e o sentimentalismo com uma clara vocação estética. À base de emoções "sinceras", souberam chegar às novas gerações, cansadas de tantos anos de de cinismo envelhecido.

Anderson prende os seus personagens em quadros pintados com castanhos Siena e rodeia-os de uma estética retro-naif, que mais parece querer protegê-los da dura realidade. O seu universo de tons pastel apagado saiu do ecrã e invadiu lojas de mobiliário, revistas de decoração. O vestuário dos seus filmes inspirou colecções de moda inteiras. Viver num mundo como o de Wes Anderson é viver num mundo genuinamente bonito, em que sonhar é mais barato que comprar móveis.

Sofia Coppola tornou-se numa espécie de cronista da banalidade dos circuitos poshy. Começou com um melodrama suburbano (Virgens Suicidas), retratou a insuportável leveza do ser em Lost in Translation e Somewhere, pôs Maria Antonieta à espera da guilhotina ao ritmo de The Jesus & Mary Chain e, finalmente, e falou da cultura de celebridades emThe Bling Ring. Entretanto, o seu estilizado discurso cinematográfico, o seu amor declarado pelo pop contemporâneo (Air, Phoenix…), e o seu gosto pelo bem vestir, converteram-na na embaixadora de Louis Vuitton e numa musa do tapete vermelho.

Nos seus filmes e nas suas diferentes facetas, Miranda July tem demonstrado que se pode ser intelectual e emocional ao mesmo tempo. Só a ela lhe ocorreria escrever um livro – It chooses you – a partir de um catálogo de anúncios, composto por entrevistas (espontâneas e muito "sinceras") aos proprietários, sobre os objectos que vendem. A vida segundo Miranda July não tem rugas nem fundos falsos, e até algo tão simples como adoptar um gato coxo pode converter-se numa decisão dessas que te obriga a questionar a tua própria existência, como acontece com os protagonistas do seu filme The Future.

Por sua vez, Dolan, com os seus ares de artista completo, dá voz a uma geração inteira de jovens extensivamente preparados, e que querem dominar o mundo cultural à base de golpes de genialidade prematura. O seu cinema é um monstro em constante evolução, que não tem medo de apoderar-se de referências alheias, para adaptá-las ao seu próprio discurso. Nada lhe resiste. Tanto te constrói um melodrama almodovariano com estética à Wong Kar-Wai (Les amours imaginaires), como te apresenta um tango no meio de um noir de inspiração hitchcokiana (Tom à la ferme) ou te marca o panorama musical mais impressionante de 2014 com banda sonora de Céline Dion (Mummy). No cinema de Dolan tudo é relativo e nele não existem tons cinzentos: apenas emoções, cores saturadas, e uma sensibilidade que (como a dos seus companheiros de profissão mais experientes) não teme mostrar os seus sentimentos mais profundos, porque entende que as suas imperfeições mais valiosas são, precisamente, o que lhe confere uma identidade única como realizador.