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Falamos com a figurinista de ‘The Get Down’ sobre tênis, estilo vintage e o surgimento do hip-hop

Jeriana San Juan conta como foi reconstruir o estilo dos primórdios da subcultura que surgiu na Nova York do começo dos anos 70.

Esta matéria foi originalmente publicada na i-D US.

A lenda do grafite Shaolin Fantastic (Shameik Moore) de The Get Down — a série de Baz Luhrmann que conta a história da origem do hip-hop no Netflix — é quase uma presença mítica. Em uma das primeiras cenas, seu maior fã, o aspirante a grafiteiro Dizzee (Jaden Smith), descreve o magnetismo de Shao. "O Puma dele está sempre impecável", diz Dizzee. "As mãos dele são espadas de samurai e suas obras são fogos de artifício: grandes, brilhantes, explosivas." O Puma mencionado é o modelo Puma Clyde de camurça vermelha, o tênis endossado por Walt Frazier que se tornou um dos mais desejados pisantes do mercado durante os primórdios do hip-hop. O elenco de moleques que povoam o cenário decadente do sul do Bronx, em Nova York, na série, é tão obcecado por roupas quanto pela música e o grafite: tênis recém-saídos da caixa, óculos Cazal e chapéus cata-ovo Kangol combinando. The Get Down obviamente mistura uma boa dose de fantasia à bruta história do hip-hop, mas o guarda-roupa da série é um guia preciso da moda urbana da época em que a disco morreu e o rap explodiu. Grandmaster Flash, um dos fundadores do gênero, não é apenas uma presença na série, mas também o produtor associado e consultor dos bastidores que garante a precisão histórica.

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A figurinista de The Get Down é Jeriana San Juan, saída da comédia de rock dos anos 90 de Luhrmann Sex&Drugs&Rock&Roll. Enquanto The Get Down cativa o público moderno, falamos com San Juan sobre recriar o estilo das subculturas musicais de NYC, pesquisar as tendências vintage mais legais e escrever poesia num macacão de piloto dos anos 40 com Jaden Smith.

VICE: Você estava familiarizada com a cena do hip-hop dos anos 70 de Nova York antes de começar a trabalhar na série?
Jeriana San Juan: Sou dos anos 80, não dos 70. Então tive que fazer muita pesquisa para entender o período e conseguir a autenticidade que queríamos para a série. Baz e Catherine Martin fizeram quase 10 anos de pesquisa antes de começar a filmar. Foi impressionante porque eles me entregaram uma coleção inacreditável de informações, que iam da paisagem política, o clima econômico e até quais bairros tinham dinheiro. Baz também conhecia as pessoas que realmente estavam envolvidas na história, incluindo Grandmaster Flash e Kurtis Blow. Foi maravilhoso para mim poder baixar isso diretamente deles: quais adolescentes eram os mais descolados, qual era a calça que todo mundo queria, no que eles se inspiravam e o que a maioria das pessoas tinha. E a hierarquia dos tênis, claro, porque os tênis eram uma parte integral da cena. Conseguimos mostrar a cadeia alimentar dos tênis: quais eram os mais valiosos, os que eram um pouco menos legais e quais eram os modelos que ninguém tinha dinheiro para comprar mas todo mundo queria.

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Os fãs de tênis são particularmente obcecados com o lance da autenticidade. Como você garantiu a precisão histórica nesse sentido?
Fiz muita pesquisa sobre as cores disponíveis, o que levou a várias conversas com as marcas que ainda existem hoje — como Converse e Puma. Com o Pro-Keds foi quase um milagre, porque eles estão relançando a marca hoje. Então foi meio que coisa do destino que eles estivessem no meio desse processo enquanto estávamos na pré-produção da série. Eles foram até a fábrica e produziram milhares de pares exclusivamente pra gente, mesmo antes de começarmos a produção.

O personagem de Shameik Moore, o discípulo de Grandmaster Flash, usa um par de Pumas vermelhos e isso vem de toda a pesquisa que nos levou até a produção e criação dos primeiros episódios. Isso estava construído no roteiro por causa da pesquisa extensa de Baz e Catherine. A Puma fez o design do tênis Clyde inspirado em Walt "Clyde" Frazier, que era jogador de futebol na época. Esse era o tênis mais desejado e não estava disponível para o público. Então isso mostra como o personagem está à frente na moda, é estiloso, descolado e o mais avançado do grupo.

Que outras peças e acessórios eram símbolos de status importantes?
Uma das coisas que te tornavam legal no final dos anos 70 era ter uma paleta de cores restrita no guarda-roupa e coordenar bem essas cores, estando sempre o mais impecável possível. Como a história é sobre esse grupo de garotos crescendo no Bronx, uma área mais pobre, eles tinham poucos recursos. Com poucos recursos vem a criatividade e poder criar algo novo, estiloso e simplificado. Era uma questão de combinar sua boina vermelha com seu tênis vermelho para criar um estilo incrível. Ter um estilo fresco ainda é algo inerente à cultura do hip-hop, como deixar os adesivos no seu boné ou a etiqueta com o preço. Grandmaster Flash me explicou que ele andava com uma escova de dentes no bolso de trás, e se seu tênis ficava um pouco sujo, ele fazia um serviço rápido de limpeza. Às vezes as pessoas colocavam um saco plástico por cima do tênis para manter ele perfeitamente limpo até a hora da festa. As peças mais desejadas incluíam óculos Cazal, chapéus Kangol e ter uma corrente de ouro era meio que um distintivo de honra.

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Esse pré-requisito de tudo ser extremamente novo deve ter dificultado conseguir acessórios da época.
Com certeza. O mais importante era fazer os looks parecerem vivos. Para ter essa experiência visual de voltar no tempo, você tem que ter um certo frescor no look. Isso significou recriar muitas coisas, montar algumas peças do zero, passar os modelos do papel para o tecido. Foi assim que criamos a maior parte do figurino da série. Boa parte das roupas dos figurantes vem de estoque morto vintage, que achamos através de diferentes empresas incluindo a Rue St. Denis, uma loja incrível de Nova York especializada em encontrar estoques mortos — principalmente de roupas nunca usadas.

Como foi trabalhar com Jaden Smith? Ele é muito experimental com seu guarda-roupa tanto na vida real como na série.
Ele é um colaborador maravilhoso. Amo o jeito desinibido dele. Isso é muito libertador para um estilista, porque o personagem dele dança conforme a própria música. Ele tem que se destacar na multidão, ser diferente e visionário. Quando eu estava pensando nas peças que ele pudesse gostar, juntei um monte de coisas e fiquei um pouco preocupada que ele pudesse não estar aberto a algumas delas. Mas ele entrou na sala e mergulhou de cabeça comigo. Ele estava disposto a explorar e tentar silhuetas diferentes, e usar peças de jeitos engraçados e deixar as coisas um pouco estranhas. Foi um processo maravilhoso. Às vezes ele tinha alguma ideia e eu trabalhava no guarda-roupa para realizá-la. Tive a ideia de usar um macacão de voo dos anos 40 em um dos looks dele, e eu e ele escrevemos poesias com tinta no macacão.

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Quais são as referências de estilo para vestir as mulheres da série?
As mulheres da série são todas extravagantes. Temos desde a filha de um pastor pentecostal até a chefona do crime do Bronx. Foi muito divertido encontrar características na moda feminina para tornar a Annie mais poderosa ou a Marlene mais doce, diferente de Regina, que é um pouco mais sexy. Encontrar todas essas relações nas roupas é muito emocionante. Uma das coisas mais divertidas para mim é ver a moda da época e como as garotas pareciam e queriam parecer. Pesquisar revistas da era disco, ou capas da Vogue, e encontrar o que as garotas desejavam. Um macacão jeans igual o da Pam Grier, ou shorts de cintura alta. Havia muitas tendências divertidas com que jogar para homenagear na história.

Há muitas referências à cena disco e ao Studio 54. Você tinha alguma figura particularmente icônica para esse núcleo?
Adoro tudo da moda do Studio 54. Fui atrás especialmente de ícones como Jerry Hall, Bianca Jagger, Diane Von Furstenberg — e também dos personagens incríveis que habitavam o Studio 54, como Disco Sally, que não é muito comentada mas é uma personagem fantástica. A cena tinha muitos personagens engraçados, que fornecem uma paisagem de luxo dentro do cenário do Studio 54. Alguém entra em cena coberto de brilho e creme, praticamente nu, depois você tem alguém de cabelo branco num casaco de pele enorme. Foi muito emocionante homenagear tantos personagens que eram parte da cena. Criei um livro grosso de imagens que peguei na internet e em livros, colecionei muitas imagens antigas de Bianca Jagger e das cabines VIP e tudo mais. Juntei todas essas imagens de pessoas que eram parte do grupo de Andy Warhol, do Studio 54, e basicamente colei tudo sobre o fundo da cena para prestar uma homenagem aqui e ali.

Os anos 70 também marcaram o nascimento do punk de Nova York. Vamos ver alguma coisa dessa cena na série?
Não sei se posso contar muito disso aqui, mas vamos ver muito mais que só o Studio 54 e as festas underground do Bronx. A série viaja por toda Nova York, suas diferentes cenas musicais e como elas se relacionavam umas com as outras.

Tradução: Marina Schnoor

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