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Como ser chef de cozinha me transformou num viciado em sexo

As minhas únicas relações aconteceram entre a escuridão, com mulheres que estavam na mesma posição de "só quero uma rapidinha". Eu pensava que estava bem, mas era claro que não estava.
Fotografia: Flickr/ Marty Desllets

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma MUNCHIES.

As cozinhas profissionais têm o seu próprio microclima. O ar está cheio de gordura, fumo e de um cheiro picante proveniente dos uniformes suados dos cozinheiros. Não importa a temperatura que faça lá fora, durante o serviço podes chegar a sentir-te como se estivesses a atravessar o deserto. Sou um desses homens que, nos meses mais quentes, se torna Proustiano. As pernas à mostra, clavículas e decotes deixam-me louco. Tento conter-me mas, se há alguma coisa que me faz sentir como um adolescente, é a visão da pele feminina a descoberto.

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Tal como uma tempestade pode causar-nos uma estranha sensação nas entranhas, para mim o calor é um catalisador da excitação. Existe algo muito animalesco na forma como o corpo humano reage ao calor - a transpiração, a pele corada, a respiração profunda. E, mesmo não podendo culpar o calor existente no meu ambiente laboral, acho que teve bastante influência na minha (auto-diagnosticada) dependência sexual.


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Sim, leste bem, sou um sexodependente. Antes de trabalhar em cozinha era um estudante aplicado, que gostava de marijuana e de ler McSweeney's. Tinha uma vida sexual normal - não dentro do que seriam relações estáveis e longas, mas numa quantidade decente, de bom e satisfatório sexo com mulheres das quais gostava muito e tinha vontade de satisfazer. Tudo isto mudou quando desisti da ideia de uma licenciatura em design gráfico e decidi fazer algo que me provocava aquela sensação agradável no estômago: cozinhar.

No meu primeiro trabalho, num restaurante de êxito no Soho, não tinha tempo de olhar para as empregadas. Era um chef-de-partie, responsável por preparar as fontes e cortar à francesa as costelas do cordeiro. Trabalhava 16 horas por dia, acordava, tomava dois cafés, ia trabalhar, voltava para casa e dormia vestido. Seis dias por semana. Mal levantava a cabeça para falar com algum dos meus companheiros da cozinha e, ainda menos, para falar com os que trabalham fora dela. Apesar de o meu corpo ter encontrado o ritmo, houve certos dias em que cheguei a ter um penso rápido em cada dedo e uma queimadura no pulso em carne viva. Mas, adorava aquilo. Ir trabalhar para fazer comida desse tipo e, ainda por cima, pagarem-me, era um sonho tornado realidade. Foi então, ao começar no meu segundo emprego como sous-chef júnior noutro lugar bem sucedido no centro de Londres, que me senti a mudar. Qualquer outro chefe de cozinha vai dizer-te que, no geral, até conseguires chegar àquele ponto em que podes abrir o teu próprio restaurante e possas controlar as tuas horas, não terás vida. A perspectiva de ter uma relação é ridícula. Tentei durante um curto período de tempo, mas só poder estar com ela depois da meia-noite e algumas horas aos domingos, quando estava acordado, fez com que, com toda a razão, me pedisse um tempo. Todavia, quando o sexo - ou qualquer outro tipo de contacto humano frequente - está à flor da pele, começas a analisar as tuas opções.

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"Cheguei a um ponto em que tinha sexo regular com várias empregadas de mesa. E não era só com uma de cada vez"

Não sei se pareço um pervertido ao dizer que, como homem, preciso de sexo frequente. Masturbar-me no duche antes do trabalho não é suficiente, preciso de cheirar o cabelo de uma mulher, a sua pele e de sentir a diferença entre as nossas anatomias. Não posso viver somente do meu toque e da minha imaginação. Durante todas essas horas quentes e suadas na cozinha, dei por mim com cada vez mais vontade de ter sexo, nunca antes me tinha sentido assim. Estava sempre a tentar engatar as empregadas, como se não soubesse fazer mais nada. Quando me via livre do serviço, sentava-me no bar a falar com elas, sobre os clientes mais estranhos e, eventualmente, cheguei a um ponto em que tinha sexo regular com várias empregadas de mesa. E não era só com uma de cada vez. Na verdade acabavam todos por se enrolarem uns com os outros. A maior parte das empregadas dos sítios onde trabalhei cruzavam os caminhos dos homens da cozinha. Faziam bem.

Existia um respeito mútuo e implícito nos nossos encontros. Não queríamos compromissos. Não queríamos loucas declarações de amor. Queríamos sexo rápido, excitante e suado depois de um longo dia de trabalho, um corpo morno com o qual dormir. Durante alguns anos este tipo de situação parecia-me bem. Em qualquer outro restaurante onde fosse trabalhar, ao ir subindo na hierarquia, chegava sempre àquele ponto em que já tinha dormido com todas as empregadas. Os meus pensamentos também ficaram mais sujos. Apresentava a equipa e via-me a fazer uma análise detalhada de cabeça, onde me perguntava que tipo de sexo gostariam.

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De vez em quando partilhava estes pensamentos com outros chefs. E que ninguém te diga o contrário, mas um grupo de homens num ambiente fechado, quente e carregado de tensão leva a conversas horrendas. Mesmo que não acredites em metade das coisas que contas, existe uma espécie de regra silenciosa em que tens de tentar ser o mais vulgar possível em cada momento. Se está uma mulher na cozinha reduzimos o nível mas, e por tudo aquilo que tenho vivido, sei que as conversa ficam podem ficar assustadoras. É espectacular.

"Desfrutava de uma vida na qual podia trabalhar à hora, evitar compromissos reais com as mulheres e ter uma grande quantidade de sexo casual"

De qualquer forma, com o passar do tempo, já era chef de cozinha há oito anos e comecei a não gostar do tipo de homem em que me estava a transformar. Olhando para trás, sei que estava, apesar das minhas qualidades e experiência, a deixar passar a oportunidade de montar o meu próprio restaurante, de assumir um papel de proprietário sério de algum lugar. Só Deus sabe a quantidade de propostas que recebi. Cheguei a recusar trabalho num prestigiado local de duas estrelas. Porquê? Porque o meu dia-a-dia era confortável. Desfrutava de uma vida na qual podia trabalhar à hora, evitar compromissos reais com as mulheres e ter uma grande quantidade de sexo casual.

Ou seja, para lhe dar um nome, estava viciado em dormir com as funcionárias. Cheguei a um ponto onde comecei a sentir-me como uma praga sexual. Vi como lhes dizia coisas que nunca tinha dito na minha vida, olhava de forma complicada para as transparências das suas blusas e para os seus rabos quando cruzavam a porta. Rezava para que as nossas mãos se tocassem quando vinham buscar um prato preparado. Assim de ridícula estava a situação.

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Cresci numa família de mulheres e sem nenhuma figura masculina. O meu pai é músico e está sempre em digressão, cansado e decepcionado, deixou-nos quando ainda éramos muito pequenos e, tanto a minha mãe como as minhas irmãs mais velhas, incutiram em mim o respeito a sério pelas mulheres. Assim, em termos de experiência formativa, não havia nada que justificasse as relações que tive com as mulheres enquanto homem adulto. Nunca vi o meu pai a tratar mal a minha mãe, nem nenhum outro homem a ter esse tipo de atitudes. Mas, se calhar, é isso mesmo: eu nunca vi um homem a comprometer-se.

"Eu compreendo que tudo isto me faça parecer um adolescente excitado sem auto-estima e sem nenhum controlo sobre o pénis e. na verdade, ao aproximar-se o final da minha carreira como chefe, era assim que me sentia"

É ridículo eu culpar o meu vício sexual - não nos vamos complicar porque, realmente, era uma dependência - pelo facto de trabalhar numa cozinha e, evidentemente, por ter tido uma série de problemas com as relações e com os compromissos que agora me levaram à terapia. Mas, falando de forma cronológica, esse ambiente de trabalho trouxe à luz do dia o pior que existe em mim.

A vida de chef de cozinha permitiu-me, ao terminar o trabalho, desfrutar de intimidade e de saciar as minhas necessidades físicas. Essas horas eram uma justificação para convencer-me de que não podia viver de outra forma e que isto era o que eu tinha de fazer, era aquilo que eu fazia bem e devia aproveitá-lo ao máximo. As minhas únicas relações aconteceram entre a escuridão, com mulheres que estavam na mesma posição de "só quero uma rapidinha". Eu pensava que estava bem, mas era claro que não estava. Estava a esconder-me de mim mesmo, de um medo profundo da rejeição.

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Deixei de ser chef no início deste ano quando, depois de seguir o conselho de uma mulher pela qual lutei constantemente de forma a que tentasse aceitar os meus ridículos padrões comportamentais, comecei a sair com uma pessoa. Foi muito difícil, mas um dia, entre os turnos de trabalho, meti-me no metro e fui ver um homem no Norte de Londres que me sugeriu, em termos não muito precisos, que o que eu estava a fazer não era nada saudável. Disse-me que eu queria intimidade a sério, alguém que pudesse igualar o meu impulso sexual, que parecia ser de outro mundo, mas que me desse uma certa estabilidade, afecto, sorrisos e outras coisas. Eu só tentava convencer-me de que não tinha este tipo de necessidades. Compreendo que tudo isto me faça parecer um adolescente excitado sem auto-estima e sem nenhum controlo sobre o pénis e na verdade, ao aproximar-se o final da minha carreira como chef, era assim que me sentia. Agora estou a adaptar-me à minha nova vida, faço design gráfico como freelance. Voltei a ver o terapeuta que me está a ajudar a direccionar os meus pensamentos do tipo "estou excitado e preciso sempre de sexo casual", porque quando encontrar a tal, quero dar-lhe tudo.

Este relato é da autoria de um ex-chef, de 33 anos, de Londres, que preferiu manter o anonimato.


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