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Viagens

De Luanda a Ambriz a fazer novos amigos

Ir a um país e ficar apenas numa cidade é coisa que a minha mãe faria.

Por vezes, vamos parar a sítios e não sabemos muito bem como nem porquê. Eu fui parar a Luanda. Do aeroporto da Portela ao aeroporto Quatro de Fevereiro foram mais ou menos sete horas bem passadas a tentar dormir. A comida até estava boa. Ao aterrar, consegui ver os musseques de Luanda, que são tipo favelas, mas não são bem isso — ok, talvez sejam mesmo isso. Estavam a queimar qualquer coisa por lá, havia imensa fumarada. Mal saí do avião, senti o calor africano. Calor e humidade. Tinha levado um casaco em vão, mas agora nada disso importava porque estava na hora de pôr uma t-shirt, uns calções e uns chinelos — tudo isto numa combinação que não desse muito nas vistas — e partir para a aventura. Como quem quer dizer, andar por aí à espera que algo de interessante acontecesse. O betão, os angolanos, os chineses, os portugueses, a poeira, os contrastes — nada era grande novidade. Andava por lá num jipe e foi decidido que se ia tentar entrar na Fortaleza de São Miguel, que aparentemente estava fechada ao público. Na estrada que dava acesso à fortaleza, estava um soldado com o que me pareceu uma AK-47, que nos fez uma saudação e nos deixou entrar com o carro e tudo. Possivelmente, pensou que éramos alguém importante ou algo assim. Na fortaleza em si não entrei, mas andei pelo perímetro que é agora uma espécie de museu ao ar livre com diversas estátuas que foram retiradas das ruas pós-independência, bem como um avião. Gostei do avião. Da fortaleza tinha-se uma vista desafogada da cidade e percebia-se de onde vinha a poeira — da enorme quantidade de obras e novos empreendimentos — aquele Produto Interno Bruto tem de vir de algum lado. Aquele ranking e o artigo do Economist que declarou Luanda a cidade mais cara do mundo também não era mentira, mas isso é outro assunto. Ir a um país e ficar apenas numa cidade é coisa que a minha mãe faria, por isso decidi arranjar companhia para ir a Ambriz, que é uma espécie de cidade a Norte de Luanda. Alguém quis levar uma arma para matar um animal qualquer que costumava aparecer pelo caminho e eu achei engraçado. À saída da cidade tinha havido um acidente com um camião que transportava uns ferros. Supostamente, com o choque, os ferros tinham perfurado a cabine do condutor e o mesmo — pensei que talvez fosse um mau presságio. Ainda bem que a viagem foi feita de jipe porque havia mais buracos do que estrada — presumivelmente herdados da guerra civil — pela estrada (ou falta dela) existiam pequenos povoamentos e algum comércio local. Numa casa vendia-se Coca-Cola e na outra carne. As pessoas eram amigáveis e relaxadas e por vezes as crianças vinham atrás de nós quando saíamos do carro, mesmo como naqueles filmes de há 40 anos sobre África. Quase que me senti um explorador. Vi também um enorme galo negro e lembrei-me do Savimbi. Ambriz era pacata e fiz logo um amigo novo, um rapaz chamado Samil que devia ter uns 12 anos e que me levou a ver umas salinas, agora aparentemente drenadas, que as crianças usavam para jogar à bola. Também andei lá pelo mato, a ver uns destroços e a ouvir uns barulhos estranhos. Mais tarde disseram-me que havia por lá cobras — ainda bem que não sabia disso na altura porque acho que eram venenosas. Abri um caderno que tinha e dei-o ao Samil para desenhar, mas ele só fazia círculos. Devem ser influências do Nadir Afonso. Depois tentei desenhar os continentes e explicar de onde tinha vindo e onde ele estava, mas acho que não percebeu. Contei-lhe que era um betinho de Cascais e que aquilo por lá era engraçado. Visitei também a antiga câmara municipal, agora uma ruína (interessante) de tempos passados. Passei por um restaurante e conheci um francês que por lá trabalhava em algo relacionado com petróleo — falámos sobre o sol abrasador e Camus, em inglês, enquanto bebíamos um café. Também me falou dos italianos, brasileiros e chineses que lá estão pelo petróleo. O sol já se punha e ouvia-se toda a espécie de bichos. Fui ver o pôr-do-sol a uma praia lá perto, a Kifuca. Já alguém lá tinha estado. Deixaram uns pacotes de plástico por lá espalhados — ah, civilização. Na volta, passaram uns macaquinhos à frente do jipe e vi umas placas que indicavam a existência de minas. Daquelas que explodem. Fiquei a pensar se os macacos teriam peso suficiente para detonar as minas e se tal coisa já teria acontecido. Já voavam alguns morcegos e existia uma certa paz e serenidade. O regresso a Luanda foi feito de noite e devo confessar que foi um bocado assustador devido à falta de iluminação. Fomos parados por uns militares que nos pediram os documentos, ouvi dizer que andavam à procura de imigrantes ilegais do Congo.