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Tecnologia

Este russo tem chips nas mãos para proteger os seus dados

Che ainda não tem um olho biónico, mas já está a preparar o corpo para receber esse tipo de dispositivo.

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O chip está aí dentro. Créditos: Guilherme Santana/VICE

Este artigo foi adaptado da publicação original na VICE Brasil.

Nalguns episódios de Black Mirror, há personagens que têm uma espécie de olho biónico. É quase um iPhone dentro do globo ocular. O aparelho faz filmes, reconhece pessoas, tira fotos e liga-se à televisão. À primeira vista é uma cena bem futurista e inimaginável, mas o russo Evgene (Che) Chereshnov, de 36 anos, também conhecido como Homem Biónico, garante que um dia as coisas vão ser exactamente assim. "Essa coisa dos olhos é assustadora, mas é mais ou menos real, pode ser feito", diz-me ele durante uma conversa na Campus Party 2016, o maior e mais concorrido evento de tecnologia do Brasil. E acrescenta: "Poderá ser real daqui a uns cinco anos".

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Che ainda não tem um olho biónico, mas já está a preparar o corpo para receber esse tipo de dispositivo. Em Fevereiro de 2015, o russo deu o primeiro passo e implantou dois chips nas mãos. Tornou-se, como ele gosta de dizer, num Jedi. Os seus chips interagem com os objectos à sua volta, como fechaduras, computadores, smartphones, ou com os torniquetes do metro. Com as suas mãos biónicas Che consegue abrir portas sem lhes tocar, entra em sites sem usar o teclado e nem precisa de biometria para aceder aos seus dados. Está tudo nele. Dentro dele.

Mas não foi a pensar em ser um Jedi que Che decidiu implantar os chips. Fê-lo, diz, tendo em conta as questões de segurança e privacidade na internet. Advogado de formação e vice-presidente global de marketing da empresa de segurança virtual Kaspersky Lab, o russo quis mostrar o quão importante é proteger a privacidade digital. Ao ter o chip no corpo, ele carrega sempre os seus dados consigo, como se fosse, de facto, uma parte indissociável de si. Assim, só ele tem controlo sobre os dados e sobre quem lhes acede. "As pessoas esquecem-se de como é ser livre", afirma. E justifica: "Quero questionar tudo".

Créditos: Guilherme Santana/VICE

Para muita gente, colocar chips nas mãos para questionar o sistema vigente parece um pouco extremo. Che, porém, acredita que se trata de uma evolução natural de quem passa a maior parte do tempo a reflectir sobre como as pessoas devem proteger-se na internet. "Quando trabalhas em TI e lidas com segurança, começas a ficar paranóico. Vês coisas que a maioria das pessoas não vê. Chega a um ponto em que percebes que queres fazer algo em relação a isso", salienta. "As pessoas podem cuidar de si próprias usando, por exemplo, softwares de segurança, tanto faz se são abertos ou não. Elas sabem que existe uma ameaça potencial, mas a maioria só começa a preocupar-se quando já é tarde demais".

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Além de apostar num futuro distópico ao estilo Black Mirror, durante a palestra que deu no evento, Che carregou nas referências à ficção científica e à fantasia para tratar do nosso presente que, segundo ele, se assemelha a um feudalismo digital. "Há um Game of Thrones a desenrolar-se, em que um número reduzido de empresas têm o controlo de todos os nossos dados", afirma. Para ele, o modo de se lidar com a privacidade deveria fazer parte da educação de base. "Deveríamos considerar a segurança e a privacidade dos nossos dados como parte do processo educacional das escolas. Deveria ser ensinado nas escolas".

Perguntei ao russo se ele não acharia possível que empresas como a Google, o Facebook e a Apple, que colectam uma série de dados dos seus utilizadores, se apropriassem dessa ideia do chip. Che diz que acha difícil. "Eles não vêem a necessidade de fazer um chip como este, porque os seus consumidores já estão a pagar com dados pelos benefícios", considera. "E ninguém implantaria um chip, porque não tem valor claro. Quando tens uma empresa diferente, ou uma empresa de capital aberto dona do chip, tens um valor, porque podes confiar na comunidade. É como confiar em bitcoins, porque ninguém é dono disto, de uma certa forma".

Mas é claro que levar um chip nas mãos tem as suas dificuldades. Além do procedimento ser bastante invasivo, a versão actual também não se actualiza sozinha. A solução? Remover e colocar uma nova, caso queiras, por exemplo, implementar ligação wireless e bluetooth – duas coisas que ele espera poder acrescentar num futuro próximo. Outro elemento negativo é que, mesmo debaixo da pele, as tuas informações são "hackeáveis". Os seus chips ainda são uma versão Beta, digamos assim. "São muito simples e básicos. Mas a questão não é ser 'hackeado', essa informação é aberta, tu metes num Android e lês o chip, tudo que lá está", conta.

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Alternativas ao uso de um aplicativo da Google ou da Apple para o controlo do conteúdo do chip estão a ser desenvolvidas, diz ele, porque, afinal, o propósito todo desta brincadeira é ser dono dos seus próprios dados. "Mas eu não quero dar spoilers", brinca.

Créditos: Guilherme Santana/VICE

Nunca se arrependeu? No dia seguinte à cirurgia, ao encarar o curativo do procedimento, confessa que sim. Mas depois de sentir os chips a entranharem-se de vez no seu corpo e a darem-lhe o poder de controlar as suas informações como nunca tinha controlado antes, passou a acreditar que fez a coisa certa. Garante que também não sente o artefacto nas mãos, a não ser quando carrega algum peso. E que também não tem problemas ao passar no raio-x dos aeroportos.

A verdade é que os dados nas suas mãos fazem com que se sinta muito mais seguro e realizado. "Tudo mudou, eu usava smartphones e dispositivos sem me importar com as informações sobre mim que estavam por aí nas mãos da Apple, da Google e da PlayStation. Mas esse chip mudou-me. Sou uma pessoa diferente e importo-me com isso", conclui.

"Para mim, é um grande desafio, por isso preciso de apoio, é difícil ser o único a, de certa forma, desafiar todo o sistema. Não estou a dizer que estou a desafiar todo o sistema, mas que existe uma alternativa. A minha atitude face à minha liberdade e à privacidade mudou".