Fui à Geórgia para confirmar que é um paraíso

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Fui à Geórgia para confirmar que é um paraíso

Nunca me tinha sentido tanto num filme do Kusturica.

Aqui há um par de meses fui à Geórgia — à do Cáucaso, não a do Ray Charles. É um daqueles países que, em situações normais, nunca iria — não é propriamente um destino turístico que escolhemos para passar férias —, mas que agora, depois de ter lá estado, recomendo a todos os amigos. Que pensam que estou maluco, claro.

Como o comum cidadão tuga também não sabia muito sobre a Geórgia. Sabia que era uma antiga república soviética, lá para os lados do cu de Judas, e terra natal do perigoso Viktor Rosta, o mau do Inferno Vermelho. (estava a dar no outro dia no Hollywood, belo filme). E, para quem gosta de futebol, obviamente que consegue identificar sempre um ou dois jogadores de qualquer país. Neste caso, o Shota Arveladze (este golo continua a ser lindo) e, mais recentemente, o defesa-esquerdo do AC Milan, o Kaladze, que numa das primeiras aulas de cultura geral local com os autóctones fiquei logo a saber que agora é Ministro da Energia (!), com uns obscuros interesses ligados a umas empresas da qual faz parte da administração. Lá como cá, portanto. No entanto,a primeira coisa que aprendemos a respeito dos georgianos ao chegar lá é que têm fama de hospitaleiros. E orgulham-se disso mesmo. Aliás, fazem questão que o saibamos. Ao que parece, já durante a União Soviética eram tidos como aqueles que sabiam receber e dar uma festa. A par disso, outra coisa que faz parte do seu ADN é o vinho. Apesar de ser na sua maioria carrascão, o vinho faz parte do dia-a-dia georgiano e da sua própria identidade. Bebem muito vinho gostam de brindar a toda a hora, se bem que tem de haver sempre um motivo para beber. No entanto, qualquer motivo é suficientemente bom para brindar. Encontraste alguém que não vês há uma carrada de tempo? Bora brindar! Está sol? Brinde! O Benfica ganhou? Bota abaixo! E como é falta de educação recusar uma bebida, acabamos também por beber. Muito.
Tijs, um holandês que conheci e que viveu na Geórgia por seis meses, explicava-me que, no regresso à Holanda, levava uma isca bêbada em vez do fígado e que teve de fazer uma cura de sobriedade durante uns meses. Até porque, a seguir ao vinho, vem inevitavelmente um shot de chacha, uma bebida destilada típica local com cerca de 70 por cento de álcool. Depois de um dia inteiro a beber vinho, um tipo bebe um copo daquilo e cai para o lado, literalmente. Na última noite na Geórgia, ofereceram-me um jantar de despedida, num restaurante onde estava a acontecer simultaneamente um casamento. Já estive nos Balcãs uma série de vezes — na Sérvia, na Croácia, na Eslovénia… —, mas nunca me tinha sentido tanto num filme do Kusturica como na Geórgia. É à mesa que eles mostram o quanto sabem e gostam de receber. A refeição é um processo social de confraternização que pode durar horas. E, como é óbvio,a mesa nunca está vazia (e garanto-vos que a comida é boa para cacete). Queijos, espetadas, frango, aquele pão tipo pita e umas pizzas que parecem mesmo pizza mas que não o são apesar de saberem a tal — e se se referirem a elas como pizzas vão passar um mau bocado. Estou a repetir-me mas há vinho com fartura. Também há brindes, muitos brindes, normalmente oferecidos pelo anfitrião do jantar, mas que também pode ser dados pelos tipos da mesa ao lado que bebem por uns cornos retorcidos na ponta (que acabam por vir parar as nossas mãos, também, sem sabermos bem como). No casamento ao lado há uma banda que toca de tudo, desde covers do Ricky Martin a folclore local. Todos vão para a pista de dança: novos, velhos, crianças, todos dançam à parva, sem se preocuparem com as figuras que fazem. O 9 Songs, do Michael Winterbottom, é um filme de merda, mas tem uma fala genial: "só os infelizes não sabem dançar", diz uma personagem qualquer numa determinada situação a respeito de qualquer coisa. Os georgianos são um povo feliz e gostam de o mostrar na pista de dança. E quem somos nós para os julgar? Especialmente eu, que nasci com dois pés esquerdos. Obviamente que os geogianos não são tão cool a dançar quanto estes tipos, mas também não me parece que estes conseguissem fazer isto com a mesma quantidade de vinho no bucho. Liene, uma das nossas anfitriãs, é letã, mas está casada com um georgiano e a viver em Rustavi há quase cinco anos. Perguntei-lhe porque optaram pela Geórgia em vez da Letónia. Ela riu-se e disse que eu ia perceber porquê. Entendi durante esee jantar. Entre o frio da Letónia e o calor humano da Geórgia também teria escolhido de caras o segundo. O nível de vida foi a única coisa que não me surpreendeu. A Geórgia é um país pobre, com um custo de vida mais baixo que o nosso. Por exemplo, um maço de tabaco custa menos de um euro e meio. E isso é o Marlboro, porque o Chesterfield fica-vos por uns 70 cêntimos. Tbilisi, no entanto, é uma cidade onde não se notam tanto as diferencas sociais. Como todas as capitais, procura ter um pendor cosmopolita, apesar de ter ainda uma vincada herança soviética. No entanto, nos últimos anos, tem puxado dos seus galões e apostado em alguns edifícios notáveis pós-modernistas, que destoam do look pitoresco do resto do centro da cidade. A Ponte da Paz é uma bonita obra de engenharia, o Tbilisi Public Service Hall parece um gigante campo de cogumelos a nascer entre os edifícios antigos e o novo teatro da cidade, ainda em construção, é tipo uns binóculos manhosos retorcidos — explicaram-me que os habitantes não estão satisfeitos com esta nova arquitectura e uma sondagem recente apontava que apenas 20 por cento dos cidadãos estavam contentes com o desenho deste novo edifício. Lá em cima, a estátua da Mãe Geórgia observa tudo, como o Cristo-Rei também o faz a Lisboa, com uma espada numa mão e um cálice de vinho (claro!) na outra. No entanto, basta sair um pouco de Tbilisi para a diferença saltar à vista. Existe um fenómeno inexplicável de Tbilisi: a capital da Geórgia só tem voos nocturnos. Por isso, quando me deram boleia para Rustavi, a poucos quilómetros da cidade, não me apercebi da diferença. A espécie de residência de escuteiros onde fiquei alojado era tipo um oasis no meio de ruas a necessitarem de ser alcatroadas urgentemente, jardins com vegetação pela cintura e edifícios com o exterior em mau estado, cuja falta de janelas permitia perceber que o interior tambem não estava muito melhor. Segundo percebi, o improviso é a palavra de ordem por aquelas bandas. Andar de marshrutka — carrinhas quitadas convertidas em autocarros que vão para todo o lado — é também uma aventura, mas isso igual para toda a ex-União Soviética. Numa altura em que se fala da tentativa da Rússia de criar um super-bloco euro-asiático, atraindo a Ucrânia e outras ex-repúblicas soviéticas para uma zona de comércio comum, a Geórgia não hesitou em aderir à parceria oriental com a União Europeia, assinando o acordo que lhe permite entrar numa zona de livre comércio com os restantes estados-membros. Isto prova que a Geórgia é um país diferente das restantes repúblicas soviéticas. E merece mesmo uma visita, mesmo contra qualquer desconfiança. Fotografia por Adriana Boto.

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