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Identidade

Pareço gay quando falo?

O realizador David Thorpe embarca numa viagem com o objectivo de descobrir o que é que faz com que as nossas vozes sejam percebidas como "hetero" ou "gay".
elenco de Do I sound gay
Fotografia cedida por Think Thorpe.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D.

David Thorpe sempre pareceu gay ao falar, por isso, as suas recordações de infância giram em torno da obsessão (e o medo) que tinha em parecer gay. Quarenta anos depois atravessou uma ruptura sentimental e, com ela, uma crise que o levou a questionar-se o que é os outros homens pensam sobre a sua voz. A tudo isto, há que somar a sua experiência em Nova Iorque, onde, um dia, um homem se aproximou dele e disse: "Porque é que todos os maricas falam assim?".

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Uma pergunta a que Thorpe, de 45 anos, decidiu responder no seu primeiro filme, Do I Sound Gay?, documentário financiado através da plataforma Kickstarter. O tema gira em torno da relação de Thorpe com a sua voz, desde o terror que recorda ter sido a sua infância, até à actualidade, em que reconhece ter uma espécie de homofobia interiorizada.

"Tinha 40 anos, uma relação fracassada e uma baixa auto-estima. Nesse momento fiquei novamente obcecado com o "soar gay". Aterrorizava-me a ideia de estar a afugentar outros homens; ainda por cima vivia num medo constante de que as pessoas homofóbicas me pudessem julgar. A verdade é que acabei por fartar-me da minha homofobia interiorizada. Há mais de 20 anos que saí do armário, fui activista pela visibilidade da luta contra o HIV e, mesmo assim, continuo a viver nesta espécie de ansiedade absurda em parecer demasiado gay quando falo. A minha intenção ao fazer este documentário era averiguar a razão deste medo".

Em Do I Sound Gay? podemos ver como Thorpe embarca numa viagem pessoal, com o objectivo de descobrir as origens históricas, científicas e culturais do "ter uma voz gay" e, para ele, travar conhecimento com outros homens homossexuais com quem pode falar sobre o assunto. Um dos objectivos do filme é tratar de identificar a "voz gay" na infância, para descobrir o que é que realmente acontece quando os outros reconhecem essa ruptura com as normas de género.

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Outro dos temas principais abordados no filme é a homofobia que os próprios homossexuais geraram em torno da feminilidade. Thorpe quer deixar bem claro que nem todos os homens gay têm problemas com isso, mas a sociedade também tende a ocultar certos tipos de comportamentos. Por exemplo, o actor Russe Tovey (da série Looking, da HBO) causou grande polémica quando publicou nas redes sociais uma entrevista ao The Observer onde se dizia agradecido ao seu pai por ter impedido que se convertesse numa pessoa "efeminada".

"A voz é uma prova de fogo porque, para muitos homossexuais, é um dos factores que determina a sua condição sexual. No meu caso, às vezes sinto que só quando falo é que as pessoas descobrem que sou gay e por isso ficamos tão obcecados com o nosso tom de voz", confessa Thorpe.

"O subconsciente que gira em torno da voz gay é, simplesmente, mais um símbolo que representa o nosso medo de não encaixar".

O documentário também explora como a cultura pop tem interpretado a voz gay ao longo dos anos, desde, por exemplo, as produções de Hollywood dos anos 20. Thorpe assegura que uma voz efeminada pode chegar a ser muito provocadora e divertida, precisamente porque é considerada um tabu: "É atípica e vai de encontro aos estereótipos de género. Da mesma forma que tem um som estranho, a "voz gay" é bonita porque está distante do que é comum e as pessoas gostam de ouvi-la. Por isso, os homens que parecem gay são agora tão populares".

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Thorpe também conversou com logopédicos, assessores e linguistas que estudam esta relação entre a orientação sexual e o tom de voz. Falaste com eles porque querias modificar a tua voz para deixares de "soar gay"? Ao que o realizador nos respondeu: "Queria descobrir se isso era possível e como é que uma pessoa se sente com uma voz diferente. No filme também me questiono se os homens homossexuais querem mudar de voz. O que faz alguém quando se apercebe que fala de uma forma efeminada? Inscreve-se no ginásio para se sentir mais macho? Ou trata de se aceitar e gostar de si mesmo?".

Segundo Thorpe, o documentário deveria servir de ajuda para todos os que sentem que não encaixam no sistema, tal como fez uma das participantes, Margaret Cho, uma coreana que gostava de falar como as raparigas americanas. Uma fixação que já vem da sua família de imigrantes, obcecada com a ideia de encaixar na sociedade americana quando abandonou o país natal. "O subconsciente que gira em torno da voz gay é, simplesmente, mais um símbolo que representa o nosso medo de não encaixar", explica o realizador.


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