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As guerras de gangues sino-americanas que sacudiram Nova York

O novo livro de Scott D. Seligman faz um retrato hipnótico e brutal do mundo das 'tongs' (organizações fraternais) chinesas que se formaram pelos imigrantes que chegaram nos EUA na virada do século 20.

Membros da Hip Sing Tong, incluindo o secretário nacional Eng Ying "Eddie" Gong (centro), em 1933. Foto cortesia de New York World-Telegram e Sun Collection, Library of Congress/Public Domain.

Matéria originalmente publicada na VICE US.

Ir para os EUA nunca é fácil, mas os sino-americanos sofreram especialmente por volta da virada para o século 20. Os federais aprovaram uma lei nos anos 1880 especificamente bloqueando a chegada de novos chineses e negando direitos dos que já estavam por lá, e as condições de trabalho dos imigrantes geralmente eram atrozes. E como várias outras minorias marginalizadas desesperadas para se estabilizar numa terra estrangeira e muitas vezes hostil, alguns desses imigrantes decidiram partir para a vida do crime.

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O novo livro de Scott D. Seligman, Tong Wars: The Untold Story of Vice, Money and Murder in New York's Chinatown, oferece um retrato hipnótico e brutal do mundo das tongs (organizações fraternais) chinesas. De 1890 a 1930, assassinos de aluguel, barões da droga, líderes de gangues, policiais corruptos, funcionários públicos e advogados lutaram por dinheiro, prestígio e influência na Chinatown de Nova York, numa dança mortal de intriga no submundo.

O que começou como grupos de apoio baseados na comunidade se tornou, em alguns casos, sindicatos criminosos que lidavam com ópio, prostituição e jogo. Irmandades secretas — a On Leong e a Hip Sing entre elas — lutaram uma guerra tão sangrenta quanto qualquer outra do folclore gângster. Com machados, cutelos, pistolas, armas automáticas e às vezes até bombas, esses homens transformaram partes da maior cidade dos EUA em zonas de matança. A VICE conversou com Seligman, que é fluente em mandarim e também fala cantonês, para discutir como era a vida dos chineses de classe baixa no começo do século 20, como as guerras tong começaram e como finalmente acabaram depois de 30 anos de violência.

Arte de capa cortesia da Penguin Books.

VICE: Como era a vida para os imigrantes chineses recém-chegados a Nova York na virada do século? Como as sociedades mafiosas se originaram?
Scott D. Selingman: Os chineses em todo país eram marginalizados durante esse período. O Chinese Exclusion Act, aprovado em 1882, deixou claro que os chineses não eram cidadãos — e não poderiam ser. A lei americana também criminalizava as principais formas de recreação deles, incluindo o jogo. O poder que as autoridades aplicavam sobre eles em Nova York não passava por nenhum tipo de fiscalização, e policiais mal pagos fechavam negócios com impunidade e ameaçavam os comerciantes que não pagassem propina. Eles também tinham preconceito contra os chineses e os viam como escória. E os chineses também não podiam contar com a simpatia dos promotores ou dos tribunais.

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Para proteger seus interesses, os imigrantes chineses organizaram sociedades de auxílio mútuo, e muitas delas não participavam de nenhum empreendimento criminoso. Isso incluía sociedades regionais — organizações formadas por pessoas de um distrito chinês específico — e sociedades de clãs, abertas a chineses de qualquer lugar que compartilhassem um sobrenome. A terceira categoria eram irmandades juradas geralmente conhecidas pelo termo "tong", significando "câmara", sem exigências geográficas ou familiares, e geralmente com menos membros. Essas eram sociedades secretas, e apesar de também serem principalmente associações benevolentes, no começo dos anos 1900 elas se tornaram associadas a várias atividades do submundo.

Quando começou a história desses grupos na China?
A organização das tongs norte-americanas devem algo à tradição chinesa, mas as duas que responderam pela maior parte da violência em Nova York até os anos 30 eram organizações que nasceram nos EUA. Uma, a On Leong Tong, se formou em Nova York; sua principal antagonista, a Hip Sing Tong, se estabeleceu na Costa Oeste e foi para o Leste no final dos anos 1880. Muitas práticas das tongs derivavam de uma tradição que começou na China no começo da Dinastia Qing (1644 a 1911), como uma irmandade/gangue de foras da lei comprometidos em restaurar a Dinastia Ming anterior (1368 a 1644).

O que deu início às guerras tong?
Nova York testemunhou quatro grandes guerras tong de duração variada entre a virada do século e os anos 1930, e cada uma começou por uma razão diferente. A primeira começou pelo controle das apostas; a segunda pela "posse" e assassinato de uma mulher. A terceira teve início pelo controle da distribuição de ópio, e a quarta foi travada por causa da deserção de um homem de uma tong para outra. A coisa em comum entre elas é que sempre que uma guerra estourava, era difícil pará-la porque não responder a uma provocação era visto como perder a face. Prolongadas negociações de cessar-fogo eram necessárias. E às vezes funcionavam, às vezes não.

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De um relatório da NYPD sobre as tongs em 1922. Foto de domínio público.

E como a violência evoluiu de cutelos de carne para armas e bombas?
Foi um processo lento, que cresceu com as armas se tornando mais sofisticadas e capazes de derrubar mais pessoas de uma vez. No final de 1800, eles usavam principalmente cutelos e facas; em 1900, Chinatown testemunhou um grande influxo de revólveres. Os explosivos só foram usados uma ou duas vezes mais tarde — em 1912 — e felizmente provocaram mais danos materiais que humanos.

As guerras das tongs ficaram marcadas na consciência coletiva com alguma grande batalha ou evento?
Em 1905, a polícia realizou uma enorme batida no domingo de Páscoa em 12 estabelecimentos de jogo em Chinatown. Foi a maior e mais espetacular ação do tipo realizada em Nova York na época. Naquele mesmo ano, capangas da Hip Sing massacraram os On Leongs no Teatro Chinês da Doyers Street, um dos incidentes mais famosos. O assassinato brutal de uma concubina chamada Bow Kum em 1909 desencadeou a segunda guerra. E na terceira, os On Leongs decapitaram a Hip Sing Tong assassinando seu presidente e o vice.

Como uma guerra de gangues acontece por trinta anos sem nenhum oficial local fazer nada? A polícia americana adorava ir para cima dos imigrantes nessa época, não?
Mas os oficiais de fato se envolveram, em cada passo do caminho na verdade; tem muito disso no livro. Eles apenas não eram eficientes em parar a violência por mais que apenas curtos períodos. A polícia fechava as casas de jogos e bordéis. Prendia os criminosos e muitos cumpriram pena. Promotores condenaram homens das tongs por assassinato, e alguns até foram executados. Juízes negociavam cessar-fogo e tréguas. Até o governo federal acabou entrando na história e deportando alguns chineses.

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Por um tempo vinha a calmaria, mas as lutas sempre recomeçavam.

O que significava ser um chefão como Mock Duck, o líder da Hip Sing Tong?
As tongs, como a maioria das organizações chinesas, eram hierárquicas, e havia sempre um oficial sênior no comando. O que era incomum em Mock Duck é que ele era bastante jovem para comandar uma organização desse porte, especialmente numa cultura em que a idade é reverenciada. Foram sua crueldade e inteligência que o catapultaram para o topo da pirâmide da Hip Sing. Tom Lee, que comandava a On Leong Tong, por outro lado, era uma eminência parda.

Quem eram alguns dos principais jogadores nessas organizações criminosas?
Charlie Boston, que comandou a On Leong depois da morte de Lee, controlando uma rede nacional de distribuição de ópio. Gin Gum, o consigliere de longa data da On Leong. Sua contraparte na Hip Sing era Wong Get. A Hip Sing também tinha Chin Jack Lem, que começou como um On Leong e sozinho deu início à quarta guerra.

Quando e como a violência se dissipou, se é que isso aconteceu?
O principal fator foi a Grande Depressão, que minou os recursos e incentivos para continuar a batalha. Em 1931, 25% dos chineses nos EUA estavam desempregados, e muitos procuraram as tongs para ter alguma assistência. Mas outros fatores também ajudaram a acabar com as guerras. Todo o dinheiro que não estava sendo usado para alimentar os pobres ia para a defesa da China, que foi invadida pelo Japão em 1931. Além disso, a polícia tinha feito um bom trabalho ao derrubar o jogo, e o Tammany Hall estava em declínio. Além disso, a maioria dos oito mil chineses de Nova York não estavam mais morando em Chinatown, e mais de 40% deles já tinham nascido nos EUA e dependiam menos das tongs para proteção.

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O que te colocou em posição para escrever um livro como esse, que está sendo elogiado tanto pela pesquisa histórica como pela imagética das gangues?
Tong Wars é meu terceiro livro sobre a experiência chinesa nos EUA. Comecei a me focar nesse tema aproximadamente uma década atrás, por causa de um interesse da vida toda pela China, meu diploma de história norte-americana e minha experiência com pesquisa genealógica e histórica. Os primeiros dois livros eram biografias de homens que poderiam ser considerados heróis sino-americanos. Em Tong Wars, decidi abordar pessoas de outro caminho da vida. A maior parte do nosso conhecimento sobre o começo de Chinatown vinha dos jornais, especialmente dos grandes diários novaiorquinos, que forneceram uma útil cronologia. Mas a cobertura deles era o trabalho de jornalistas brancos que confiavam em informantes chineses para conseguir as histórias. Nem sempre eles conseguiam distinguir fato e ficção. Para completar as matérias dos diários, consultei dados do censo federal e estadual, manifestos de passageiros de barcos, relatórios vitais, relatórios judiciais e os casos do Chinese Exclusion Act nos Arquivos Nacionais, que davam grandes detalhes sobre os indivíduos. Também revi alguns livros de memórias em inglês e chinês.

Eu sempre topava com referências sobre as tongs de Chinatown nas pesquisas para os outros livros, mas sabia pouco sobre como elas realmente atuavam e lutavam. A maioria dos chineses não tinha nada a ver com as tongs, mas Chinatown em Nova York era um lugar pequeno, e fiquei surpreso ao ver que muitas figuras que encontrei nas minhas pesquisas anteriores tiveram um papel neste livro também.

Tong Wars foi lançado nos EUA no dia 12 de julho. Saiba mais e compre o livro aqui.

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Tradução: Marina Schnoor

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