Como o Instagram está a transformar o mundo da arte

FYI.

This story is over 5 years old.

Internet

Como o Instagram está a transformar o mundo da arte

"A aplicação tornou-me mais conhecido que nunca, mas às custas da minha arte". Os prós e contras da partilha de trabalho artístico online.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Canadá.

Recentemente recebi no Instagram uma mensagem directa de um amigo e reputado fotógrafo que vive em Nova Iorque. Dizia ele: "És uma figura de culto da Internet". E, só para fazer com que a coisa fosse ainda mais dolorosa acrescentou: "E digo-te isto sem qualquer sarcasmo". Para mim, bem como para outros artistas, a app de partilha de fotos tem sido uma ferramenta tão fabulosa, como horrível. As pessoas adoram-na e odeiam-na. Ultimamente o meu ódio tem ultrapassado o amor. É uma faca de dois gumes, mas um lado está a ficar mais afiado.

Publicidade

Desde que tenho a minha conta actual, consegui através do Instagram vender muito trabalho de forma privada. Tive uma exposição individual na Galeria Bjardne Melgaard, em Oslo e outra em East Hampton, Nova Iorque, na Harper's Books. Fui incluído em muitas exposições colectivas. Inteiramente graças ao Instagram, uma reputada editora livreira britânica publicou um livro com os meus desenhos.

Nenhum dos "desenvolvimentos" na minha carreira aqui descritos tiveram interferência da minha galeria em Nova Iorque. A culpa não é da galeria. Actualmente, o mundo da arte é uma espécie de culto da juventude, fetichista e canibal, carregado de especulação e design de interiores, mas disfarçado de pintura progressista.

Todas as fotos pelo autor

O que isto também significa é que, para os jovens artistas, as galerias estão a tornar-se obsoletas. Fora da cena da arte, poucas pessoas sabem que as galerias ficam com 50 por cento de qualquer venda. Para gente de outras áreas de negócio isto é chocante. A percentagem advém do facto de que, historicamente, estar associado a uma galeria sempre foi uma forma de o artista conseguir validação.

Os coleccionadores, no entanto, e cada vez mais, já não se preocupam com a validação, ou com um historial de carreira comprovado. O que lhes interessa são os nomes que ouvem uma e outra vez em conversas nas festas da moda e nas feiras de arte. Desta forma, ter uma presença online proeminente contribui para que o teu nome circule, cortando pela raiz a necessidade (já de si falsa, de qualquer das formas) de ser endossado por uma galeria.

Publicidade

Muitos coleccionadores compram o que outras pessoas compram e o que as outras pessoas compram é o que está a acontecer agora mesmo, hoje, e se o Instagram é alguma coisa é, sem dúvida, uma cápsula e uma montra do momento presente e urgente. Sabendo que podem livrar-se do intermediário, sabendo que os artistas vão, sem qualquer tipo de problema e até com muito gosto, vender-lhes obras de forma privada, significa para os coleccionadores que vão conseguir chegar ao seu objectivo por metade do preço.

Pode até discutir-se se a única real função de uma galeria não será a de encher o ego do ou da artista que quer é ver o seu trabalho exposto num lindo e moderno cubo de paredes brancas.

O fácil acesso a compradores é um benefício óbvio e faz com que a exibição de trabalhos artísticos no Instagram esteja sempre a aumentar. Mas a questão chave que muitos artistas - incluíndo eu próprio - enfrentam agora prende-se com a perda de controlo sobre as imagens que postam. Uma captura de ecrã e o trabalho espalha-se pela Internet sem o nosso consentimento.

Numa era em que um JPEG é quase tão valioso como o objecto físico, isto é problemático. Conheço artistas que tiveram trabalhos seus sacados do Instagram e incluídos em publicações sem por isso terem sido compensados, ou sequer notificados. Pelo menos, nalguns casos o trabalho foi identificado como sendo deles, porque a duplicação pura e simples e o roubo são situações absolutamente comuns. Já vi a minha própria arte ser-me reenviada sem qualquer crédito e até, pior ainda, atribuída a um estranho.

Publicidade

Há pessoas que acham que os artistas deviam sentir-se lisonjeados pela imitação, mas o problema é que, no fim de contas, depois de algo ser reciclado e publicado vezes sem conta na Internet, usar essas imagens mais tarde em trabalhos artísticos torna-se complicado e um gajo ainda corre o risco de ser acusado de estar a apropriar-se do seu próprio trabalho.

"Nenhuma das minhas fotos denunciadas violam os termos e condições e aquelas que se aproximam mais de uma possível violação desses mesmos termos continuam online".

Há ainda uma notória questão de censura no Instagram, que impede a expressão artística totalmente livre. Está bem que o discurso oficial é que podes postar basicamente qualquer coisa, mas imagens sexuais (mesmo as que não violem os termos da app em relação a nudez) são frequentemente denunciadas e depois apagadas. A incapacidade de o Instagram controlar os seus utilizadores faz, basicamente, com que os termos de utilização não tenham qualquer significado. Oficialmente não se podem mostrar mamas de forma completa (daí a infatigável hashtag #freethenipple).

Também não se pode mostrar genitais ou sexo explícito. Recentemente, parece que o Instagram fez um pequeno avanço em direcção a uma cultura visual mais liberal e permitiu que os utilizadores metam fotos de rabos, mas à distância. Quem é que decide se a distância está aceitável? Sabe-se lá. Todavia, ao fim e ao cabo, nenhumas destas regras são, na verdade, regras. Nenhuma das minhas fotos denunciadas violam os termos e condições e aquelas que se aproximam mais de uma possível violação desses mesmos termos continuam online. Este tipo de situações tem tendência a afectar, ainda mais, mulheres que apresentam o seu próprio corpo.

Publicidade

Conheço várias, incluíndo a minha companheira, que viram os seus trabalhos denunciados, as suas fotos apagadas e até contas canceladas. É conhecido o caso de Petra Collins a quem apagaram uma foto porque os seus pêlos púbicos estavam a espreitar da roupa interior, enquanto outras contas claramente pornográficas continuam sem qualquer tipo de problema. O que isto diz sobre a aversão da nossa cultura aos corpos femininos no seu estado natural é absolutamente deprimente.

Como a minha conta já foi denunciada e suspensa por três vezes, agora tenho de ter em atenção toda a gente que me segue. Tenho que bloquear qualquer um que diga que amada Deus Nosso Senhor, ou que meta fotos dos seus filhos. Tenho medo que sejam bufos e como o Instagram não te diz que fotos são denunciadas e apagadas é frustrante tentar perceber exactamente o que é que ofendeu quem.

Como as que eu acho que são vagamente sexuais continuam lá, tenho de assumir que as ofensivas são as imagens que eu não vejo como sendo sexuais, mas que outros vêem como tal, ou então que há pessoas que, simplesmente, não gostam de mim. Como soube através de um homem que trabalha para o Instagram e que uma vez me ajudou a reactivar a minha conta, se houver gente suficiente a denunciar uma foto de uma lasanha, essa foto vai ser apagada.

"E o que é mais adorável é que artistas que provavelmente estariam pouco inclinados a jogar o chato e dispendioso jogo que o mundo da arte exige (…) podem agora ser eles próprios".

Publicidade

No entanto, como já disse em cima, o Instagram também é benéfico para o mundo da arte. Lançou as carreiras de muitos artistas emergentes, nomeadamente do canadiano bp laval e da britânica Genieve Figgis. Ambos estavam basicamente a colocar os seus trabalhos no Instagram até que Richard Prince reparou neles, partilhou na sua própria conta e depois os ajudou a lançar as suas próprias exposições e livros através de uma galeria e de uma editora que ele apoia em Nova Iorque.

Como é que eu, eles, ou quem quer que seja conseguiria ligar-se ao Richard Prince antes do Instagram? Uma carta séria e um CD com as imagens? Posso garantir que mesmo que alguém conseguisse arranjar a sua morada de casa, tal embalagem seria imediatamente atirada para o caixote do lixo pelos seus assistentes. Esta ligação através do Instagram é algo completamente novo e muito belo.

E o que é mais adorável é que artistas que provavelmente estariam pouco inclinados a jogar o chato e dispendioso jogo que o mundo da arte exige - ir viver para Nova Iorque e marcar presença com boa cara num milhão de inaugurações só para cumprimentar pessoas - podem agora ser eles próprios, se calhar até agorafóbicos ou pouco dados a convívios sociais e mesmo assim atingirem uma audiência bastante alargada.

Para mim foi particularmente bom, das formas que já descrevi. Jerry Saltz, um dos últimos críticos de arte de Nova Iorque com legitimidade escreveu não sobre o meu trabalho, mas sobre a minha conta de Instagram. Meti isso no meu currículo? Claro. No Instagram há uma espécie de dissolução liberadora das inúmeras barreiras que, no mundo real, sempre foram impostas aos novos e jovens artistas e que os impediam de contactarem as galerias e os críticos. Por isso, neste aspecto é tudo positivo. Todos somos iguais no Instagram.

Na arte, o timing é tudo. Com a arte no Instagram, o timing tanto acelerou, como abrandou. O tempo é sempre o agora, se a pessoa certa tropeça no teu feed, relaciona-se com o que tu fazes e, tal como Richard Prince, tem uma tal generosidade de espírito que o impele a ajudar-te. Portanto, apesar de os artistas correrem o risco de roubo, ou de desvalorização das suas ideias e do seu trabalho, isto acontece num clima geral em que há mais olhos por aí que nunca para ajudar a espalhar as boas novas.

E, dito isto, ainda assim não consigo lembrar-me de algo mais humilhante para ser escrito no meu túmulo no dia em que me for, do que: "Ele tinha um Instagram espectacular".

Segue Brad Phillips no Instagram.