No sábado estava uma chuva aterradora. Uma tempestade tão agitada que o meu chapéu de chuva não resistiu ao vento. Um daqueles dias em que quando se parte um chapéu e o metes no caixote do lixo, sozinho não fica de certeza. Já lá estão outros.A parede de pingas engrossava conforme as horas passavam e o MEO Arena prometia ser uma Arca de Noé que nos iria abrigar durante a tarde. Uma arca cheia de pessoal dos desenhos animados japoneses e afins: o IberAnime LX.
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Sempre associei a cena Anime aos tipos menos populares da escola, disfarçados de Songoku, ou de Pikachu… Quem é que eu estou aqui a enganar! Quando era mais novo esse puto podia ter sido eu. No meu tempo eu era um daqueles que não se inseria na maioria da turma. Estava mais naquele conjunto de pessoas que pareciam ter defeito, os chamados "betinhos". Não porque fossemos mais ricos, ou usássemos camisas da Sacoor. Naquele tempo, "betinhos" queria apenas dizer que nos consideravam uns falhados.Há uma qualquer coisa especial em ser-se considerado falhado, que nos abre os horizontes. Percebemos que somos diferentes, mesmo que eles digam que somos esquisitos. Daí eu ter achado que isto ia ser algo à minha medida - aquela de quando eu tinha 14 anos - e ia encontrar um mundo muito masculino e ingénuo. Na verdade, o IberAnime que descobri é bem diferente.
Ao chegar, no meio de várias filas para entrar, não percebemos a dimensão do evento. Entras e dás por ti no meio de um monte de pessoas mascaradas, enquanto cruzas os corredores do antigo Pavilhão Atlântico.Há muita gente, há algumas bancas, mas nada de mais. Tinha imaginado uma cena maior, mas, depois, apercebi-me que o centro do Pavilhão também fazia parte da coisa… Foi como quando aparecem dinossauros pela primeira vez no Jurassic Park.
Subestimei a dimensão espacial e cultural. É óbvio que isto do Anime e da cultura pop japonesa no geral cresceu bastante em Portugal nos últimos anos. Um dos maiores responsáveis é, claramente, o IberAnime LX. Há seis anos tiveram cerca de quatro mil visitantes, este ano foram 25 mil, em dois dias. Notava-se! O espaço era pouco para tanta gente no mesmo sítio.
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Se nunca foste a uma coisa do género, deves estar a interrogar-te: "Mas o que raio é que se faz no IberAnime?". Eu explico. Podes fazer coisas como pedir a alguém para escrever o teu nome como se isto fosse mesmo o Japão, fazer uma ilustração tua em estilo Anime, ver bonsais, receber massagens japonesas, comer noodles, comprar todo o tipo de brinquedos e merchandise, assistir a concertos de música japonesa e umas quantas coisas mais. É uma espécie de feira do artesanato das referências da cultura popular nipónica. Não interessa que hobby tens, desde que ele se pinte em tons Anime.
Depois há o Cosplay (não confundir com Coldplay). Quem o faz, transforma-se nas personagens das quais se disfarça e é uma estrela por um dia. Tem a garantia que vai passar esse dia a pedirem-lhe para tirar fotografias. A toda a hora. É como ser um participante da Casa dos Segredos numa noite em que faz "presença".Quanto mais arrojado o disfarce, mais popular será quem o enverga e mais fotografias terá de tirar. Às vezes os disfarces são maus, mas pede-se para tirar fotografia na mesma, para essas pessoas não ficarem desapontadas com a vida. Há disfarces para todos os gostos, para os fãs de Anime com mais porrada, até aos mais sexualizados - às vezes são o mesmo. Há muito decote e muitas pernas à mostra. Muita armadura cintilante e também garotas colegiais. Para nós, que não percebemos grande parte das referências, é como um Carnaval de uma realidade paralela.
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Passeando pelos corredores vejo SirKazzio - um youtuber famoso cujo nome tive que perguntar a crianças de 10 anos - a chamar membros do público para um jogo chamado "Caixa Secreta". As pessoas que ele chamava tinham de enfiar as mãos numa caixa sem verem. Era parecido com um programa do Marco Horácio, sim.Há uma componente de jogos nesta exposição, como este, ou os jogos de tabuleiro da Devir (tipo o Catan), mas a maioria são videojogos. São máquinas Arcade, Sega Saturn, Mega Drive, Playstation 4, Nintendo… Havia de todos os tipos e todas as idades os jogavam.
Nos corredores do Meo Arena, apesar de os visitantes terem todas as idades, respirava-se adolescência. Podias, inclusive, presenciar os primeiros engates com alguém com quem estes miúdos se identificam.É a história a acontecer, a história da vida deles. Quem me dera a mim quando tinha 16 anos ter feito parte de algo assim. Na altura nem sabia que as miúdas também curtiam coisas fixes… Ainda não descobriram o estilo e já descobriram o sexo oposto. Não sabem a sorte que têm.
Mesmo assim muitos escolhem estar longe, ainda não estão para aí virados. Entrei numa zona onde estavam cerca de 600 pessoas sentadas. A ver o quê? Videoclips de séries como o Dragon Ball (o único que reconheci), com músicas de bandas a abrir como… Guano Apes. Juro, Guano Apes.Será que neste universo os Guano Apes ainda são relevantes? Ficas sentado num sítio à espera que apareça a tua personagem preferida no ecrã para bateres palmas? Dúvidas existenciais que me assolaram.
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Cansei-me. Foram largas horas passadas a caminhar dentro de um Pavilhão repleto de pessoas mascaradas de guerreiras mamalhudas, ou guerreiros cabeludos. A saída foi atrasada várias vezes pela chuva, que parecia não abrandar e (pensava eu na altura) não ia perdoar o concerto dos AC/DC. Gozou-se com isso e bebeu-se mais uma cerveja antes do regresso à realidade (a esta, pelo menos).Abaixo podes ver mais imagens do IberAnime LX 2016.
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