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Entretenimento

A minha luta como mulher, negra e realizadora, à margem de Hollywood

Nas últimas semanas #OscarSoWhite foi trending topic na internet, e muitas celebridades do meio cinematográfico deram a sua opinião acerca deste tema.
Illustration by Jessica Saesue

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Nas últimas semanas vi publicações atrás de publicações sobre o debate #OscarSoWhite. Transformou-se em trending topic, mas acabou por se distanciar dos objectivos de protesto que a sua criadora, April Reign, tinha quando lançou a discussão. De então para cá [e pelo menos até ontem, domingo, 28, dia da cerimónia de entrega dos Óscares] não houve dia em que não surgissem notícias sobre o que é que realizadores brancos, actrizes brancas ou outras celebridades brancas, tinham a dizer sobre a falta de "diversidade" transversal à indústria. As opiniões variaram entre a preocupação genuína, a solidariedade mal direccionada, ao mero desprezo.

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Julie Delpy, por exemplo, comentou que a sobranceria com que as mulheres são vistas em Hollywood é mais grave que aquela que assola os afro-americanos, mas esqueceu-se que as mulheres também podem ser afro-americanas. Joel e Ethan Coen, por sua vez, parecem nem sequer ter percebido porque é que as pessoas de cor devem entrar nos filmes.

Isto, deveria, de alguma forma, ter significado; seria suposto que algo mudasse. Em resposta ao desafio, a Academia anunciou medidas para aumentar o número de mulheres e pessoas de cor na organização até 2020. Mas estamos em 2016.

Esquecemo-nos que no centro destes amplos debates online estão, na verdade, pessoas como eu - mulheres negras, mulheres latinas, mulheres asiáticas - que lutam e esforçam-se para poderem fazer filmes. Para nós, a questão não se prende com os Óscares - prende-se, sim, com como é que vamos financiar o nosso próximo projecto. Prende-se com encontrar uma maneira de sobreviver enquanto construímos uma carreira no cinema.

Em 2013, depois de me licenciar na CalArts, em realização e escrita criativa, tive a oportunidade de fazer uma reportagem sobre a estreia de "Fruitvale Station", de Ryan Coogler, no Los Angeles Film Festival. Conheço o realizador de "Creed" desde os meus 10 anos, quando estivemos juntos num campo de férias de Verão em Mosswood Park, Oakland. Mantivemos a amizade no Liceu e na Universidade e, devido à nossa relação, senti uma ligação pessoal ao filme. Enquanto esperava em plena passadeira vermelha, de gravador em riste, fui invadida por um sentimento misto de esperança e antecipação. Sabia que era o começo de uma carreira promissora, mas enquanto reflectia sobre a sua ascensão ao reconhecimento mainstream, perguntei-me se seria algo que também pudesse acontecer a uma jovem negra, ou a uma mulher de cor.

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A autora no set. As fotografias são cortesia de Nijla Mu'min

Claro que se pode argumentar que Ava DuVernay é a equivalente feminina de Coogler, mas a realizadora de "Selma", de 43 anos, trabalhou muitos anos como assessora de imprensa e como realizadora de documentários independentes antes de ser reconhecida pela comunidade cinematográfica de uma forma mais lata. Ou melhor, antes de obrigar a comunidade a reconhecê-la.

Tento seguir-lhe o exemplo de muitas formas. No fundo, sou uma realizadora guerrilheira da Bay Area, auto-suficiente e independente, no sentido de que tenho conseguido produzir e fazer os meus filmes. Angario dinheiro, monto equipas, escolho actores, trato dos locais de filmagens e arranjo tempo para respirar nos entretantos. É claro que tudo isto só te faz chegar até determinado ponto. Candidato-me a concursos de guiões e depois esse mesmo guião é rejeitado por uma empresa cinematográfica. Envio e-mails a pessoas ligadas a eventos cinematográficos e não obtenho respostas. A determinada altura, estas rejeições acabaram por afectar-me emocionalmente. Agora apenas fazem com que queira ainda mais fazer isto.

Quando me licenciei vivia em Los Angeles, por vezes a tentar safar-me com 100 dólares por semana, a passar de carro pelos estúdios e a pensar quando é que me deixariam entrar. Pensava que o filme que apresentei como tese final de curso, um drama/fantasia sobre uma rapariga negra que vê os seus amigos a afogarem-se e é depois convocada por sereias negras, seria o meu passaporte para estes ambientes, mas não foi. Enquanto filmava esse projecto em Nova Orleães trabalhei com uma equipa com muitos homens brancos. Pela forma como muitos deles questionaram como é que eu ia sacar a cena crucial em que várias sereias negras nadavam até ao enquadramento, percebi que muitos deles nunca tinham visto uma mulher negra na minha posição, a dirigir uma história como esta.

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Mas continuei a escrever e a colar notas na parede para um guião que planeava submeter ao Sundance Screenwriters Lab. Meses depois, recebi um convite para o curso intensivo de guionistas que eles organizam, devido ao meu guião "Noor", uma história de amor épica passada em Brooklyn, sobre uma mulher negra que desenvolve uma relação intensa com um homem árabe, dono de uma tasca, depois de o seu irmão ser morto pela polícia no estabelecimento.

Esta oportunidade abriu-me muitas portas e fui acolhida por uma rede de realizadores independentes, na qual se incluem mulheres de cor, como eu própria, embora continuemos a enfrentar barreiras no que diz respeito ao financiamento dos nossos filmes.

A minha história e outras semelhantes, acabaram por ser abafadas pela "grande" história dos Óscares, e pela história de ser injusto que Sylvester Stallone tenha sido a única pessoa de "Creed", um "black movie", a ser nomeada, ou pela "guerra" online entre Jane Hubert e Jada Pinkett Smith sobre se os realizadores e actores negros deveriam ou não boicotar por completo os Óscares.

E ainda que estas preocupações sejam válidas e urgentes, não vão à raiz dos problemas que levam a que pouquíssimos sejam os filmes, feitos ou protagonizados por negros, agraciados com a credibilidade suficiente para serem considerados dignos da Academia a cada ano que passa. Ou mesmo, porque é que filmes sobre a vida contemporânea dos negros são sistematicamente ignorados nas conversas sobre os Óscares.

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A autora no set.

O debate mainstream dos Óscares tornou-se, de várias formas, um espectáculo deprimente, em que pessoas com poder e influência fazem comentários sobre o que é certo, ou justo…Francamente, pouco me importa, porque neste momento tenho de conseguir arranjar 99 mil dólares para a minha primeira longa-metragem. Os meus colegas trabalham a tempo inteiro como professores e depois, à noite, chegam a casa e trabalham nisto para começarmos a filmar no Verão. As minhas colegas negras vão a audições atrás de audições, para garantirem papéis de mulheres negras, mal escritos e quase invisíveis.

Os meus pares dedicam as suas vidas ao amor pelo cinema e nenhum deles está preocupado com os Óscares. Um dia, talvez, até venham a estar, mas agora estamos só a tentar construir as nossas carreiras e a fazer os nossos filmes.

Uma das maiores barreiras que os realizadores emergentes enfrentam, e as mulheres e os profissionais de cor em particular, é o acesso limitado ao financiamento e aos recursos para fazer os filmes, para continuarem a fazer os filmes, ou para fazerem filmes com maiores orçamentos. E quando digo filmes, quero dizer filmes em que os personagens negros, latinos, ou mulheres são humanos, complexos, aqueles que muitos estúdios não fazem e nos dizem que é difícil "vender".

Há muitos de nós que têm os guiões, o talento, a visão, mas, simplesmente, não têm o dinheiro. É, apenas, um facto. O sistema está intencionalmente montado para isto. Assim, quando encontras investidores e produtores que te apoiam, parece que te casaste e estás em lua-de-mel.

Por isso, em vez do boicote ao evento e à perda de tempo a escrever em blogs sobre o que é justo ou injusto, invistam em nós, os realizadores de cor que estão a trabalhar. Por cada declaração de uma celebridade sobre a má actuação da Academia, há um realizador a lutar contra todas as probabilidades para fazer o seu filme, ou para entrar numa equipa de escrita de uma série de televisão. Há uma mulher a inventar um personagem que nunca vamos ver. Há vozes excitantes e inovadoras que vão ser silenciadas para sempre se não lhes prestarem atenção.

Nijla é escritora e cineasta. Segue-a no Twitter.