Ilustração por RudolfoQuando fiz 26 anos, a minha namorada ofereceu-me bilhetes para irmos ver o Paul F. Tompkins a Londres. Fazer 26 anos nãoéuma ocasião assim tão marcante quanto isso, mas a idade e a passagem do temposãoimportantes quando se fala deste cómico americano.Éque eleédaquelas raras pessoas que, com os anos, tem cada vez melhor aspecto e se esforça por ser cada vez melhor pessoa e desempenhar melhor a tarefa a que se propõe: fazer as pessoas rir através de comédia. Para perceber melhor essa transição e isto de crescer, aconselho vivamente a audição deste episódio do podcast (um dos muitos a que ele foi na vida: mesmo que haja excepções, se virem um podcast de comédia americano e o Paul F. Tompkins ainda não tiver sido um dos convidados,équase certo que o podcast nãoéincrível) Mental Illness Happy Hour com o próprio, em que Tompkins diz que era um idiota quando estava na casa dos 20 e teve de aprender muito sobre a vida e o mundo para mudar isso e se tornar uma pessoa melhor.E tornou-se, mesmo. Um exemplo disso talvez seja a forma como, de um modo nada imbecil, passou para aíuma ou duas horas pós-espectáculo, na cave do Soho Theatre, a beber e a pagar algumas cervejas (a mim foi uma Guinness, ou talvez tenham sido duas) a quatro portugueses ultra-chatos que não se calavam com perguntas a que ele respondia graciosamente e com uma boa onda incrível.Nesse espectáculo, que ainda não foi transformado nem num especial nem numálbum, ele falava maioritariamente de como sótirou a carta de condução aos 40 anos —o que me reconforta e me mostra que se calhar ainda vou a tempo. Aúltima coisa que ele lançou foi oóptimo Laboring Under Delusions.Nãoécomo se ele não estivesse ocupado: além de estar quase sempre de fato, o que deve demorar uns minutos extra todas as manhãs, aparecer em todos os podcasts do mundo —e de infelizmente jánão fazer o Pod F. Tompkast, o seu próprio podcast —, ele tem um espectáculo mensal no Largo, em Los Angeles, chamado Varietopia, actua nos espectáculos (posteriormente podcastizados) Superego e The Thrilling Adventure Hour, aparece muito no Comedy Bang Bang, seja a fazer de Andrew Lloyd Webber, Werner Herzog, Ice-T ou de mil outras personagens e ainda apresenta o Speakeasy, um programa de entrevistas de YouTube e o No, You Shut Up, um debate político televisivo semanal com fantoches da Jim Henson Company (éincrível). Isto jápara não falar da maneira como rocka um fato com o tecido comâncoras do casaco do Mayor Larry Vaughn, o presidente da câmara do Jaws, algo que ele esteve anos e anos para encontrar (ele fala disso no Analyze Fish, aquele momento em que o Analyze Phish, o podcast em que o Harris Wittels tenta convencer o Scott Aukerman a gostar de Phish se transformou num programa sobre o Jaws).O Laboring Under Delusions, que saiu em DVD e, numa versão expandida, em CD, tem uma capa inspirada no There Will Be Blood, do Paul Thomas Anderson, em que ele aparece por segundos. No segundo CD, ele fala justamente sobre isso. E, ainda no mesmo tópico, sobre como, em 1999, tinha aparecido no Magnolia, mas foi cortado (sóse ouve a voz:éa pessoa com quem o Philip Seymour Hoffman fala ao telefone na cena incrível do“This is the part of the movie where you help me”), e como foi interagir com o Tom Cruise e com o resto das pessoas envolvidas no filme em dois episódios bastante confrangedores. Isto além de histórias sobre a comida estranha que o Matt Damon ingeria quando estava a filmar o The Informant! do Steven Soderbergh, para o qual ele foi convidado não porque o Soderbergh fosse fãdele, mas porque queria ter o máximo número de cómicos possível em papéis pequenos. Isto além de histórias sobre como roubava no antigo emprego que tinha, entre muitas outras pérolas.Éóptimo, mas não sei se prefiro a hora que ouvi em 2013 ao vivo, sóque, como não estágravada, nunca pude reapreciar.
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Em 2009, também pela A Special Thing Records —clichédos clichés, o título nãoéde todo enganador —, Tompkins lançou Freak Wharf, que, como oálbum seguinte, começa com uns quantos minutos de improviso, algo em que eleéexímio (éum reflexo do quão bom e talentoso eleéqueébom a improvisar riffs, dizer coisas que lhe vêmàcabeça, o que ele faz nos monólogos do Pod F. Tompkast, mas também a contar histórias e piadas que foram meticulosamente pré-escritas e ainda a improvisar como personagens, entre muitos outros talentos; basicamente, eleébom em tudo), masémuito menos virado para a vida pessoal dele e mais para generalidades sobre o mundo. Tambéméóptimo (e o bit que lhe dáo nome, sobre o quão ridículo e longe da realidade estáum livro anti-droga dos anos 70 chamado Go Ask Alice,éinacreditavelmente bom), mas nãoétão profundo. Não deixa, ainda assim, de ser uma boa olhadela para dentro de uma das mais brilhantes mentes cómicas dos dias de hoje.