O papel do punk no arranque da revolução sexual que transformou o mainstream
Todas as imagens cortesia Toby Mott

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Sexo

O papel do punk no arranque da revolução sexual que transformou o mainstream

No livro "Showboat: Punk / Sex / Bodies", Toby Mott explora a mensagem progressista do punk em relação à liberdade sexual. Falámos com o mítico arquivista punk.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D.

"A minha jornada pela cena punk foi passada a consumir música, anfetaminas, cerveja, sexo, concertos e arte, não necessariamente por esta ordem", diz Toby Mott, artista e designer nascido em Londres e dono de um dos maiores arquivos punk do Mundo. Em Setembro último, numa parceria com a Dashwood Books, Mott lançou um impressionante novo livro chamado Showboat: Punk / Sex / Bodies.

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"O título, Showboat, encerra em si a imagem de um grupo de teatro de exibicionistas extravagantes, que se movem ao longo do rio do tempo. Uma imagem apropriada, tendo em conta a forma como o punk facilitou uma aproximação desbragada, estranha e teatral ao sexo e à sexualidade", explica Mott.

Com recurso a memorabilia vária, posters e capas de discos da vasta colecção de Mott, bem como a contributos de cerca de outras 60 pessoas (incluíndo Richard Prince, Paul Cook, dos Sex Pistols, ou o icónico fotógrafo Bob Gruen), o livro traça um mapa da relação entre punk e sexo ao longo das últimas quatro décadas.

"Para muitos punks, o sexo podia ser usado como táctica para chocar. O punk era veementemente anti-amor e anti-hippie e o seu estatuto enquanto subcultura significava que podia explorar o sexo de forma absolutamente livre, sem qualquer tipo de censura mainstream", salienta Mott. E acrescenta: "Esta abertura sexual dá a todo o material contido no livro uma crueza única".

Falámos com Toby Mott para tentarmos perceber de que forma o punk ajudou a levar a o tema da liberdade sexual ao mainstream e como é que o actual clima de incerteza política a nível global pode alimentar novas subculturas mais reaccionárias.

i-D: Qual é, na tua opinião, o legado mais duradouro da cultura punk na sexualidade?
Toby Mott: O facto de ter sido a porta de entrada para que as coisas se tornassem mais progressivas. Criou-se um diálogo aberto. As pessoas ganharam confiança e segurança. O terrível que era quando uma pessoa podia, com a maior naturalidade, ser vitimizada por ser gay é agora, espero eu, coisa do passado. O punk foi a primeira cultura a abraçar ideias diferentes no que respeita à sexualidade. Anteriormente tínhamos tido a libertação sexual dos anos 60, mas foi uma coisa bastante heterosexual. Só com o advento do punk é que as coisas começaram a ser mais diversificadas.

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Tudo isto acabou por evoluir para a cultura queer e para a introdução do elemento S&M no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. E as mulheres também conquistaram mais poder. Quis mesmo começar a investigar este advento e foi assim que este projecto cresceu e acabou por se transformar neste tomo monumental.

Qual é a diferença entre o punk britânico e o americano?
São duas culturas distintas e partilham o mesmo nome e aconteceram mais ou menos na mesma altura. O punk americano foi mais uma reação a uma situação cultural, enquanto o britânico foi uma questão muito política. O Reino Unido era moralmente muito certinho e austero, por isso todo o aspecto sexual representou uma mudança enorme. A loja SEX, de Vivienne Westwood e Malcolm McLaren, em Londres jogava muito com o imaginário bondage e S&M. Em Nova Iorque, onde surgem os primeiros punks norte-americanos, não sei se seria assim algo tão chocante.

Hoje em dia encontras alguma subcultura que esteja a subverter o sistema de uma forma comparável?
Haverá sempre uma reacção ao que esteja a ser embalado de forma comercial. Hoje em dia temos bandas como os One Direction e naquele tempo tínhamos os Osmonds, ou outros do género. Haverá sempre um underground e uma reacção à cultura dominante. Agora, provavelmente, as coisas acontecem mais rapidamente por causa da Internet. As pessoas comunicam muito mais depressa.

A Internet e os blogs substituíram as fanzines. No meu tempo, ligavas-te apenas a uma rapaziada na tua zona, ou na tua cidade, ou então gravitavas em redor de sítios como o CBGB, onde todos acabavam por se juntar. Hoje as pessoas encontram-se online e isso pode ser mais poderoso. A reacção vai sempre existir, mas de formas diferentes, mais frescas. Dou-te como exemplo a Art Book Fair de Nova Iorque [onde o livro de Toby Mott foi lançado], que é, hoje, um farol para estes miúdos, que são o mesmo tipo de puto que eu era, mas 40 anos depois.

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Achas que ainda é possível chocar as pessoas?

Não sei. A cena em relação ao punk é que havia um elemento de "chocar as pessoas normais", mas, na verdade, aquilo era para os próprios punks. O punk não se relacionava assim tanto com o exterior. Era muito um mundo dentro do mundo maior. Era apeas o que as pessoas queriam ser. Mas, é assim, é claro que há pessoas que ainda se chocam com a cultura trans, por exemplo.

Vê o fenómeno Trump. Todas aquelas pessoas que o seguem estão chocadas e alienadas pelo progresso. No Reino Unido temos o Brexit e a mentalidade é a mesma. Estão a olhar para trás como se o passado fosse fabuloso e moralmente seguro. Os Estados Unidos e o Reino Unido partilham isso. São tempos assustadores para nós, os progressistas.

Mas também são tempos óptimos. Temos, por exemplo, grandes marcas comerciais a apoiar modelos transgénero.
Sim, é verdade. Digamos que, quando as coisas se tornam demasiado viradas à direita e as artes são empurradas para baixo, há sempre muita criatividade a despontar. Quando as mentalidades fascistas assumem o poder, é quando o underground tende verdadeiramente a florescer. Foi assim que aconteceu na Alemanha nazi, tal como com Tatcher e Reagan. Tivemos grandes momentos criativos.

Não é que tenhamos de celebrar Trump, temos é de ver a situação como algo a que é preciso reagir. É bom puxarmos por nós. Julgo que é isso que se vê no meu livro. E acho que é algo que vai voltar, porque estamos a entrar num período político muito negro.

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Podes encontrar mais informação sobre "Showboat: Punk / Sex / Bodies" aqui.


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