Pedro Ferreira: a arte de sair da zona de conforto

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Pedro Ferreira: a arte de sair da zona de conforto

A arte enquanto retrato pessoal.

Entrar numa sala de operações pode ser uma experiência bastante forte. Mais extrema se torna se a mesma tiver lugar num espaço sujo, mal iluminado e se, lá dentro, for o próprio paciente a operar a sua perna, uma grande ferida aberta com a carne à mostra. Só não desmaias, porque sabes que estás num espaço artístico, porque, afinal, esta é uma performance de Pedro Ferreira. Ainda assim, sais a questionar-te sobre os limites do corpo e sobre a vantagem de termos Serviço Nacional de Saúde.

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O Pedro é um artista plástico vimaranense, formado em Artes Plásticas pela ESAD das Caldas da Rainha. Apesar de dedicar muito do seu tempo à arte já no secundário, foi nas Caldas que a sua obra deu um salto. Eram tempos novos e, para além da pintura, escultura e desenho, o Pedro também tinha uma veia performativa, que se expressa em operações ao vivo. Aí, e noutras ocasiões, como daquela vez em que ele e os amigos rebitaram um carro inteiro com centenas de latas de sardinha, apenas para aparecer em grande num dos primeiros Caldas Late Night. Ao longo do seu percurso, realizou trabalhos nas áreas de cenografia, figurinos e adereços para televisão, teatro, publicidade e eventos. No ano passado, foi um dos seleccionados para participar na décima sexta bienal de Vila Nova de Cerveira, para onde levou o seu trabalho Avatares. Uma exposição sobre a múltipla identidade que existe em cada um, mas também sobre o tempo, como as coisas passam e se transformam. O processo passou por criar máscaras de papel, representações do “eu”, que depois, no seu melhor fato, iam tirar a clássica foto de passe, (o retrato que nos identifica e que nos acompanha nos documentos). Enfim, o registo fotográfico de identidade. Essas identidades foram guardadas durante dez anos. E, depois desse tempo todo, voltaram a ser fotografadas. É o retrato da mesma “pessoa”, mas é possível comparar as rugas e as marcas da velhice, visualizar a forma como o tempo te deixa a pele mais descaída e com cor mais baça. Desde 1998, o Pedro exerce a docência de Artes Visuais em várias instituições de ensino, mantendo, em paralelo, a actividade de artista plástico. Muitos dos seus trabalhos possuem traços de arte industrial, como podemos ver pela escultura apresentada no ano passado no CAAA, que relembra, em parte, o traço de José Pedro Croft: uma amálgama de cubos e espelhos, suportados por um andaime com mais de quatro metros. Ou então, outra peça, onde, a partir de uma ventoinha, luz adequada e um tecido esvoaçante, criou um espaço hipnótico na Plataforma das Artes em Guimarães, uma espécie de chama eterna para contemplar: uma daquelas instalações místicas, como quando ficamos especados a olhar para uma lareira, como se fossemos primitivos encantados com o fogo. O trabalho do Pedro procura sempre retirar o espectador da área de conforto. Um deles foi colaborativo e era pedido ao público para disparar, com uma espingarda de paintball, sobre um retrato seu. Assim, enquanto mandávamos umas bojardas nas trombas do artista, pintávamos um quadro que, no final, era assinado pelos dois. Há um certo sentimento contraditório, em pegar numa arma, e descarregar na cara de um gajo que está ao teu lado a sorrir. Mas, o facto é que as armas também dão uma sensação de poder e, no final, cria-se uma obra em conjunto, um aliviador de stress e um potencial serial-killer.

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