O que aprendi sobre o futuro da humanidade numa caçada Pokémon Go
Todas as fotos por Bruno Lisita.

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O que aprendi sobre o futuro da humanidade numa caçada Pokémon Go

"Apesar da aplicação ter roubado espaço ao Tinder e ao Twitter, tendo ultrapassado estas aplicações no número de utilizadores, a sua utilização é completamente distinta. Ninguém quer saber da mulher da sua vida quando pode haver um pokémon raro no...

Todas as fotos por Bruno Lisita.

Aquela que prometia ser a primeira grande caminhada de caça ao Pokémon em Lisboa, decorreu na última sexta-feira, 29 de Julho, na zona do Parque das Nações. Há um mês esta frase só faria sentido para tipos que metem ácidos, mas cá estamos nós. A organização contava com a adesão de apenas umas 15 ou 20 pessoas mas, surpreendentemente, no evento criado no Facebook 1.200 pessoas disseram que iam. Tirando os aldrabões que colocaram um mentiroso "Vou", em vez de um "Com interesse" - opção que escolheria qualquer pessoa que simpatiza com a iniciativa mas não faz intenção de ir - sobraram umas poucas centenas de pessoas.

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Quando cheguei já se formavam duas filas para os participantes se inscreverem. A participação em si não beneficiava ninguém dentro do jogo, mas a inscrição oferecia uma hipótese de receber uns quantos prémios de merchandise. A maioria dos participantes poderia ser descrito por um amigo meu brasileiro como "virjão", mas eu… eu acredito nas pessoas. Eram escassas as mulheres no meio de toda esta "mangueirada" - queria dizer caminhada, enganei-me. As reacções também não eram efusivas. É difícil mostrar excitação quando estás a olhar para o telemóvel a ver se há algum bicho nas redondezas. As filas alongavam-se e a espera para caminhar também. Toda a gente na esperança de apanhar o melhor.

Posso estar a dar ideia errada. Mas não me censurem, eu percebo o encanto do jogo. Até costumo jogá-lo. Não sou aquele vosso amigo paranóico que acha que isto é um plano maquiavélico para ter acesso a toda a informação do vosso telemóvel e saber tudo sobre vocês. Ouvi uma rapariga a ser entrevistada para um meio de comunicação que afirmava ter andado, com o seu namorado, quase 100 quilómetros. Isto é tudo muito bonito mas, apesar de aparentemente obcecada com o controlo do seu peso na balança, a jovem só perdeu 1,2 kg. Vá lá, malta! O jogo pode não ser uma ferramenta para o estado americano saber tudo sobre vocês, mas também não é a solução para todos os vossos problemas. Alguém tem de deixar de comer comida de merda todos os dias.

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Enquanto esperávamos pelo arranque para a caminhada, o Lisita, fotógrafo de serviço, apanhou um monte de pokémons. E eu, que entretanto estoirei o meu plano de dados, senti-me como se tivesse a sequência toda de números do Euromilhões mas não tivesse os dois euros para jogar. Tive de aguentar. Uma seca de esperar até que por fim lá se andou. A nossa nova família era o "Grupo C", assim se chamava o nosso bando de corajosos que saiu de casa para atravessar o Parque das Nações num safari em busca de animais virtuais. Foram mais grupos, mas este era o melhor porque foi o nosso.

A caça do nosso grupo cingiu-se a uma colecta de animais à toa. O algoritmo é que escolhe o que vai surgindo. Enquanto me lamentava pelo que não podia apanhar havia quem aproveitasse, mesmo sem inscrição, para, de bicicleta, agarrar todas as espécies raras. Pessoas que nem sequer se tinham inscrito, veja-se bem, que se juntavam na esperança de encontrar o que todos procuravam: bichos raros.

No fundo, é um pouco como os negócios, quem é mais esperto é quem ganha. Quem não tivesse saldo, ou bateria, tentava usufruir de uma inexistente boa onda. Os outros, os comuns mortais, tentavam coleccionar o máximo número de figuras virtuais. Elas andavam por lá, ao contrário da boa onda.

Numa caminhada, geralmente caminha-se. E foi isso, caminhou-se. Não foi uma experiência incrível. Não conhecemos amigos para toda a vida. A malta ia andando e entrando em delírio com o que se ia apanhando. Quem já se conhecia, continuava a conhecer-se.

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Apesar da aplicação ter roubado espaço ao Tinder e ao Twitter, tendo ultrapassado estas aplicações no número de utilizadores, a sua utilização é completamente distinta. Ninguém quer saber da mulher da sua vida quando pode haver um pokémon raro no horizonte. Há a masturbação e há a caça destes seres. São duas coisas separadas. [E depois há o sexo entre as próprias criaturas, que é todo um outro assunto]

O mercado da pornografia vai continuar vivo, nunca se vai perder, porque, mesmo quando há a hipótese da socialização, a filosofia "virjona" vencerá. Só um "treinador" pode vencer e não será o que conhece mais membros do sexo oposto. É o que apanhar mais bichos, com as melhores estatísticas disponíveis. Há ginásios para conquistar, mas não ginásios para fazer exercício.

Ginásios desprovidos do seu contexto, onde estes heróis vencem. Os casuais, os que jogam por diversão, perderão contra os que levam isto a sério. Mas, foi o maior encontro, foi a maior caminhada. Só que, apesar de existirem três "equipas" no jogo, ninguém está a jogar para ninguém. Estamos todos sozinhos, como na vida. E até podemos apanhar o Pikachu da nossa vida, que morremos sozinhos na mesma. Vamos todos morrer um dia.