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Milhões de Festa

Um guia gastronómico para tainar em Barcelos

Tainar é transcendente ao simples acto de comer para sobreviver.

Vou começar este artigo a explicar que vivo em Barcelos. E, consequentemente (a sério, isto está ligado, já vão compreender), adoro comer. Mas mais do que comer, gosto mesmo é de tainar. Para quem não sabe, tainar — ou “a taina” — é o acto de comer e beber em comunhão com amigos ou família, de forma despreocupada e habitualmente abusiva, seja ela em casa, num tasco da esquina, ou naqueles banquinhos e mesinhas apropriadamente colocados à sombra junto às estradas nacionais deste belo país. Tainar é transcendente ao simples acto de comer para sobreviver. Tainar é do caralho.

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Sou o da direita e estou a preparar-me para TAINAR! Os meus amigos na redacção da VICE sabem que eu gosto disto e, por isso, pediram-me para fazer uma espécie de Guia da Taina de Barcelos. Estive quase para recusar, porque não me acho um embaixador dos petiscos, nem quero sofrer do síndrome Time-Out-estragou-a-Casa-Guedes ao tornar público os melhores spots da minha cidade, mas confesso que senti o meu dever de educar os festivaleiros que vêm para cá e comem no McDonald’s ou no Cristo-Rei. Isso é uma atrocidade e um insulto a uma cidade minhota que, como tantas nesta região, têm uma oferta (e procura) brutal no que diz respeito a essa bela actividade que é tainar. Atentem bem, então (as fotos merdosas foram tiradas com o meu telemóvel, já que ninguém despachou uma fotógrafa gira para vir cá tratar disto). CASA SÊMEA & A SALETE
Para os recém-chegados. Para quem chega a Barcelos de comboio, mal sai desse portento arquitectónico que é a estação ferroviária, é imediatamente confrontado com duas opções de categoria para tirar o bucho da miséria depois de uma viagem enfadonha. Mesmo em frente à rotunda da estação, encontram A Salete. Só para duros, este tasco especializa-se nas sandes de rojão e no polvo em molho verde. Escusado será dizer que o verde tinto pinta-a-beiça é o néctar de eleição. Podem também desafiar os locais para uma partida de sueca em mesas manchadas de vinho, mas não aconselho caso não curtam ser humilhados. Do lado esquerdo da saída da estação, vislumbra-se a Casa Sêmea. Jogando no mesmo campeonato da vizinha Salete, dá cartas na orelheira de porco e na postinha de bacalhau frito, servindo também refeições para fora. Fica por baixo da Residencial Solar da Estação, onde em 2011 dormiram os Papa Topo, que quase deixaram de ser coninhas por ficarem tão perto dum tasco deste calibre. Quase. Roubei esta foto do Facebook. BAR DO XANO, ESCONDIDINHO E PAULISTA
Triunvirato da Rua da Palha. Rua da Palha, estreito mítico onde antigamente (mesmo há bué de tempo) se deixavam os cavalos a comer, enquanto os seus donos galavam moças no Largo da Porta Nova, é agora muito à custa do Bar do Xano, paragem obrigatória no (curto) circuito nocturno barcelense. Lembram-se de uns trenguinhos celebrarem uma cena chamada Chungwave no Milhões 2011, enquanto tocavam os Causa Sui no recinto? Isso foi no Bar do Xano. Se Barcelos é a capital do rock, o Xano é o Bairro Alto. Recomenda-se, e muito, as moelinhas (1,50 euros) e o habitual fino, repetindo até obter o efeito desejado. Umas parcas portas ao lado encontram o Escondidinho, com pratos diários (de comida a sério) ao almoço a valer dois euros e pouco. Cá não há merdas. Ou seja, se dois de vocês estiverem a ocupar uma mesa de quatro, não estranhem se alguém se sentar tranquilamente num lugar vago da vossa mesa. A taina também é isto: fazer amigos. Na porta imediatamente ao lado esquerdo está o Paulista, casa com enorme tradição na arte de dominar a bela salsicha de cebolada. Não há cá mesas nem cadeiras, aqui come-se de pé e ao balcão. Uma simples sandes de salsicha vale 1,20 euros, mas por mais 30 cêntimos leva-se “a mista”, um mix de salsicha em cebolada e tomate, casada com um panado no meio do pão. É de mais? Talvez, mas aqui não há meninos. Abre às seis da manhã, ao sábado de tarde fecha às 15h e ao domingo está encerrado. Os vegetarianos ficam à porta. CÍRCULO CATÓLICO DE OPERÁRIOS DE BARCELOS
O Rock está vivo. A agora única sala de concertos em Barcelos, de nome e decoração kitsch q.b. (que, durante a tarde, alberga os sócios da associação que baptizou o espaço) é o covil nocturno da mais nova geração rockeira da cidade, a casa de um dos melhores segredos da taina barcelense. Uma simples sandes de chouriço/paio/salpicão/chamem-lhe-o-que-quiserem-que-é-um-mimo vale 1,50 euros. A origem deste chouriço é digna de um mito. Deve ser ilegal, de tão bom que é. Em Barcelos, isto é comida gourmet. TABERNA DO SIMÕES
Fuck City Life. Se se sentirem confiantes porque paparam “aquela gaja” ou porque o ye-yo está a bater fixe, podem sempre pegar no carro e aventurarem-se a entrar em Vila Boa — bela freguesia nos arredores de Barcelos, onde se situa o estádio Cidade de Barcelos, casa do mui nobre Gil Vicente —, à procura da Taberna do Simões. Estacionam o vosso veículo mesmo à boss ao lado dos Ferraris e Mercedes SLK à porta e entram no mundo dos tascos para ricos, porque em Barcelos os ricos também param nos tascos. Seja a chouriça, a costela em vinha de alho grelhada (11 euros) ou o vinho que sabe a aldeia profunda, não há que enganar. Posta! PETISQUEIRA VILAÇA
Delícias Matinais. Situado na Rua do Poço, O Vilaça é conhecido por matar o apetite de muitos barcelenses, principalmente de manhã. Durante a tarde podem deliciar-se com os petiscos do costume, como postas de bacalhau frito a um euro, mas (e apenas) na madrugada de sexta para sábado, a partir das seis da manhã, sai um arroz pica-no-chão de categoria pela ridícula quantia de dois euros. Às vezes também se apanha um coelho estufado, mas não é garantido. É preciso é mostrar respeitinho ao Zé Vilaça, porque para ti ainda pode ser sexta à noite, mas para ele é sábado de manhã, e aturar bêbados não faz parte do serviço. [Tentei tirar foto aqui, mas estou sempre todo cego quando lá vou e nunca consigo sacar imagens focadas.] PIRI-PIRI
‘Celinhos. Toda a gente conhece o Xispes e não há dúvida que, de facto, os panados são absurdamente enormes, mas encarem o Piri-Piri como a sua versão gourmet: mais pequenos e com qualidade. Está mesmo em frente à saída da ponte à entrada de Barcelinhos, ao lado do quartel dos bombeiros. Esta pequena toca de maravilhas salgadas serve do melhor que já se viu em chamuças, croquetes, rissóis e o ex-libris da casa, o “panamisto” — panado com queijo e fiambre no meio. Tipo cordon-bleu, mas fixe. O bagaço também rende e abre por volta das cinco da manhã. Sim, o Milhões começa neste palco. Não se esqueçam também de que há um palco no festival dedicado a esta bela actividade e tudo é recomendado lá. Ah sim, também dá para ver concertos. E, claro, há muitos mais sítios brutais para se tainar em ‘Celos, mas eu não abro mais o livro, porque o partir à aventura e descoberta destes locais torna tudo ainda melhor. Não tenham medo e explorem a cidade, o máximo que vos pode acontecer é levar uma facada (estou a brincar). Fica aqui um mapa disto tudo para vos facilitar a vida.