Zoë Kravitz é muito mais do que um apelido famoso

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Zoë Kravitz é muito mais do que um apelido famoso

Depois de toda a fúria de 'Mad Max', a filha do Lenny Kravitz e da Lisa Bonet estreia-se nas comédias com 'Dope'.

Não é nenhuma surpresa que a mãe de Zoë Kravitz, a actriz Lisa Bonet, nunca apareceu em nenhum dos filmes "de bairro" feitos nos anos noventa; estamos a falar de filmes como Friday, Boyz n the Hood, ou Belly - que inspiraram o filme Dope -. A razão mais provável era que, apesar de ter o perfil necessário, as personagens femininas neste tipo de filmes eram sempre escassas.

Mas a sua filha mudou a história da família: depois de uma aparição espectacular em Fury Road com Mad Max, agora apresenta um trabalho no qual interpreta a namorada de um traficante de drogas, e fá-lo através de uma interpretação complexa que converte a sua personagem, Nakia, numa mistura sexy, divertida, inteligente e inovadora. Conversámos com ela sobre o filme em Cannes, mas também sobre o fetichismo, clichés sociais ou sobre o facto de ser a filha de Lenny Kravitz e Lisa Bonet. Quase nada.

Gostas dos filmes urbanos dos anos noventa, que inspiraram o filme Dope?
Friday é um dos meus filmes favoritos. Sei todos os diálogos de cor.

Foi por isso que quiseste participar no Dope?
Em parte sim. No guião, vi algumas coisas daqueles filmes que já não via há muito tempo. E claro, isso influenciou-me um pouco. Esta personagem é muito diferente de outras que já interpretaste. Seguiste algum tipo de preparação especial para o papel?
Eu acho que falar com Rick [Famuyiwa, o director] e trabalhar com Shameik Moore [que interpreta o Malcolm]. Às vezes é mais fácil de interpretar uma personagem parecida contigo, mas eu tentei fazer justiça à história e ver de que forma a Nakia contribuía para ela. O filme destaca certos preconceitos que ainda existem. Qual é a tua experiência pessoal com eles?
É muito real. Já sabes, a ideia de que te digam o que podes e não podes fazer, o que és, o que tens de gostar, o tipo de música que deves ouvir, as roupas deves usar: tudo isso é muito real. Por isso, foi algo com o qual me identifiquei muito neste filme. Existe algum tipo de preconceito parecido por seres filha de pais famosos?
Claro. Acontece exactamente a mesma coisa quando as pessoas projectam certas ideias de como deves ser, sobre como tem de ser a tua relação com a tua família e de como acham que tudo te aparece facilmente, então de entrada, sem saberem nada de nada, acham que és uma miúda mimada. Não me preocupam minimamente. As pessoas vão sempre dizer alguma coisa, e o único que podes fazer é saber o que queres e nunca esquecê-lo. O filme tem como objectivo destruir alguns estereótipos. O que pensas dos estereótipos da tua personagem?
As personagens femininas no cinema em geral - especialmente se têm interesses românticos - são unidimensionais e acho que o Rick fez um trabalho muito bom ao adicionar à Nakia diferentes camadas. Acho que a Nakia é apresentada inicialmente como uma menina bonita de bairro, mas assim que a conheces sabes que existem muitos mais aspectos para descobrir. Num momento do filme uma das personagens diz que quer realizar o sonho de dormir com uma rapariga negra. Achas que esse fetiche é legítimo?
Toda a gente pode ter o seu fetiche. Nós, as mulheres, somos muitas vezes o alvo desses fetiches. As pessoas partilham fetiches entre si, e tenho a certeza que já tive esse tipo de experiência, não apenas sexualmente, mas também na minha carreira. De que maneira?
Falo de papéis que recusei, porque não me parece interessante interpretar esse tipo de personagens. Acontece principalmente nos filmes onde existe uma maioria de actores negros. Em muita ocasiões, os mesmos personagens e os mesmos papéis são repetidos uma e outra vez, e eu, pessoalmente, não me identifico com essa história, e isso deixa-me triste. Como actriz gostava de participar bastante mais com a comunidade negra porque acho que há muito para oferecer, mas, infelizmente, vejo a mesma história a ser contada vezes seguidas. Quando li o guião, realmente identifiquei-me com ele, mas quando leio outros guiões penso: "Ah, este é o típico papel feito para uma rapariga negra", assim aborreço-me instantaneamente. Qual foi a cena mais difícil de interpretar neste filme?
Para mim, a cena mais emocionante foi quando o Malcolm e eu estamos a estudar e eu conto-lhe a história do Rocky, que tinha estado preso; acho que te dá uma ideia de como era a sua vida. Ela tenta esconder os seus sentimentos com um sorriso, mas é-lhe impossível e acaba por alterar o seu estado de espírito de um momento para o outro. Conseguir lograr essa mudança foi difícil, e ainda tive mostrar muitas coisas em muito pouco tempo: foi um desafio. A tua personagem vai de uma sensualidade extrema ao ridículo e do ridículo à ternura. Foi difícil passar por todos esses estados?
Não. Ou seja, tenho todas essas qualidades - todos temos essa capacidade -. São coisas que vivem dentro de nós e a verdade é que as pessoas mudam de humor de um momento para o outro rapidamente. A única razão pela qual não vemos essa complexidade nas mulheres nos filmes é porque ninguém escreve personagens dessa forma. Este artigo foi inicialmente publicado em i-D.