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O Filme do Michael Jackson que Não Saiu do Papel

A roteirista Caroline Thompson escreveu um filme para o Michael Jackson que acabou não saindo. Batemos um papo com ela sobre isso.

A roteirista Caroline Thompson mora em um rancho cheio de animais na Califórnia, e faz filmes para o seu site. Se você não sabe quem ela é, o seu primeiro filme foi Edward, Mãos de Tesoura. Depois disso ela escreveu o roteiro de Família Adams, O Estranho Mundo de Jack e o recente Cidade das Sombras, além de também ter dirigido versões de Beleza Negra e Branca de Neve. Ela escreveu um filme para o Michael Jackson que acabou não saindo. Batemos um papo com ela sobre isso.

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Vice: Então você escreveu um filme pro Michael Jackson que não saiu do papel?
*Caroline Thompson: Escrevi. Eu e o Larry Wilson, com quem também escrevi A Família Adams. O diretor era o Anton Furst, que fez a direção de arte do Batman de Tim Burton.*

Ah é. Ele se matou, né?
Sim. E as últimas palavras que falei para ele foram, “Vê se cresce, Anton”.

O Jon Peters, que produziu Batman, foi ser o chefão da Sony e prometeu pro Anton uma vaga de direção lá. Ele ingenuamente aceitou o trabalho, sem se tocar que não iria mais poder trabalhar com nenhum outro estúdio e nem com o Tim Burton outra vez. De qualquer jeito ele mergulhou no projeto de Michael Jackson, que a gente chamava de MidKnight.

Acho que decidimos fazer uma história de um cavaleiro porque os cavaleiros geralmente usavam um capacete com máscara, e nós queríamos cobrir o rosto de Michael porque achamos que o público não o levaria a sério como ator. Nós mesmos tivemos dificuldade pra levar ele a sério. Passamos um dia hilário com ele em Neverland – eu, o Anton, nossa produtora executiva Amy Pascal e o Larry. Lá tinha um banheiro minúsculo cheio de papéis de embrulho, embalagens de doce e um monte de tralha. O Michael olhou pra lá e disse, “Não é lindo? É meu lugar favorito, é pra onde eu vou quando quero ficar sozinho”. Comemos nachos com queijo derretido no almoço, servidos por uma gorda branquela que vestia um uniforme de lanchonete marrom com um aventalzinho branco e um chapéu. Depois fomos ver o zoológico. Lá tinha umas girafas presas e uma plataforma onde o Michael subia para fazer carinho nelas. A plataforma ficava na altura das cabeças das girafas, então quando elas se aproximavam dava pra ver que os olhos delas eram gigantes. Impressionante! Mas o mais engraçado foi quando fomos ver um leão que estava dormindo. O Michael disse para não fazermos barulho. Sabe essas cercas que têm nos zoológicos, que ficam a uns dois metros da jaula pra ninguém chegar muito perto? Ele disse que a gente podia passar por cima da cercar. Então pulamos e fomos bem perto da jaula pra ver o leão dormindo, e o Michael gritou e bateu palmas. O leão acordou e avançou na direção da Amy, que deu um berro e um pulo pra trás, ela derrubou a cerca e caiu em cima dela. O Michael rachou o bico e disse, “Ele sempre vai atrás da menor pessoa do grupo”. Ele não parava de rir. Foi uma bem bizarro. Depois fomos para a sala de cinema do rancho, que tinha as poltronas no meio e nas laterais, mais ao fundo, umas camas de hospital cercadas por vidro. Não sei se as camas eram para o Michael ou para visitas.

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Depois, quando terminamos o roteiro, recebi uma ligação do Michael. Achei que era o Danny Elfman, meu namorado da época, me passando um trote, por isso quando escutei uma voz dizendo, “Alô, Caroline, sou eu, o Michael Jackson,” respondi, “Oi, Michael!” imitando a voz dele. Depois pensei, “Putz” e na hora me toquei que era ele mesmo. Ele percebeu que eu tinha tirado sarro da cara dele, não lembro se ele chegou a dizer alguma coisa, mas morri de vergonha e não parei de suar pelo resto da conversa.

Essa foi a última vez que você falou com ele?
Foi.

Você gostava dele?
Bom, eu era fascinada por ele desde criança. Quando ele virou aquela coisa bizarra, pensei, “Como isso pode ser um ser humano?”. É difícil imaginar o que é ser alguém que não pode sair de casa sem ser assediado. Ele contou como se disfarçava pra sair por aí, o que pra ele era super divertido.

Ele devia ser fã de Edward Mãos de Tesoura.
Ah, ele era mesmo. Foi por isso que fui contratada. Tenho certeza que ele teria amado ser o Edward Mãos de Tesoura.

Então o que aconteceu com o projeto?
A gente entregou, mas Anton não queria. Foi quando falei pra ele, “Vê se cresce, Anton”. Falei que era o que a gente tinha e que tínhamos que ver no que ia dar. Mas o Anton ficou com medo, era o primeiro filme dele. Ele estava para se internar numa clínica, acho que por causa de álcool. Quando a gente saia pra jantar, ele olhava o cardápio e dizia, “Pra mim um brandy!”. E claro que nenhum de nós sabia que ele também tinha um problema sério com Valium. O Stanley Kubrick deixou ele tão sem rumo que ele começou a tomar Valium e nunca mais largou.

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O que ele fez com o Kubrick?
Ele fez Nascido Para Matar. Sabe? Transformando Londres em Vietnã, que foi um grande feito.

Então Edward Mãos de Tesoura foi o seu primeiro filme. Você já tinha toda a história planejada quando o escreveu?
Eu sabia o rumo que ia tomar. Sabia que queria escrever sobre estar num mundo que te ama, mas que de repente te vira as costas por você não ter feito o que esperavam que você fizesse. E foi o único roteiro que escrevi com todos os personagens baseados em pessoas que eu conheço. Peg e Bill foram baseados nos meus pais, Edward no cachorro que eu tinha na época – que só faltava falar.

Acho que o Tim estava muito estressado e exausto, e minha presença no set o deixava ainda mais estressado. Na verdade nunca mais tivemos uma relação amigável depois disso. Nós tivemos uma relação de trabalho até certo ponto, mas não uma amizade. De qualquer jeito, Edward foi a única história na minha carreira de roteirista que já estava pronta para ser escrita. Só precisava botar no papel.

O que você pode me contar sobre seu primeiro livro, First Born?
Bom, meu sonho antes era ser uma romancista, e estava sempre pensando em que escrever. Sempre fui fascinada pela vida nos subúrbios. Edward Mãos de Tesoura é meio que versão benigna de First Born. Não sei se minha mãe realmente teve Síndrome de Tourrete, mas qualquer coisa que passava pela sua cabeça saia imediatamente pela boca. Ela era uma pessoa bem adepta do planejamento familiar. No meu aniversário de 21 anos ela disse, “Ainda bem que o aborto não era legalizado em 1956, senão você não estaria aqui”.

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Legal! Pelo menos ela foi sincera.
É! Feliz aniversário! Então, eu sempre amei aqueles livros de terror do final do século 19 que eram em forma de diário. Então, escrevi esse diário do ponto de vista de uma mulher que fez um aborto. Mas o feto sobreviveu e anos depois, achou o caminho de casa. Ela mantém isso em segredo, se apaixona profundamente pelo aborto e acaba tendo uma vida secreta com ele.

Mas o aborto cresceu e virou uma criança comum ou ele era uma coisa monstruosa?
Não, deve causar um belo estrago ser sugado pra fora de alguém, então ele acabou virando um homúnculo com um rabo. Não é uma história antiaborto. Na verdade foi feita para ser uma comédia de humor negro.

Tem um filme de terror muito tosco que eu vi uma vez chamado A Semente da Maldição.
Ah, queria muito ver esse filme.

É sobre uma criatura abortada que vive nos esgotos e uma hora sobe para a cidade e começa a matar todo mundo. Acho que era isso.
Legal! Vou ter que achar esse filme. Acho que todos se sentem como um abortado pelo menos uma vez na vida. Eu escrevi essa história quando eu tinha 20 e poucos anos, quando ainda me comportava como uma adolescente revoltada cheia de ressentimentos pela vida no subúrbio e tudo aquilo que os Estados Unidos prega. Então foi meio que um comentário de como era crescer em um subúrbio branco classe média.

É parecido com o que você fez em Edward Mãos de Tesoura?
Sim, em Edward Mãos de Tesoura a ideia era a de que tinha esse paraíso perfeito que acabou se transformando num lugar horroroso. Eu diria que é uma análise mais profunda disso, mas nasceu do mesmo interesse. Os dois também foram muito inspirados por Frankenstein. O melhor em First Born foi meio que roubado de Jane Eyre. Tem uma cena onde o abortado experimenta as roupas do seu irmão. Essa era a parte que eu mais gostava.

Mas o processo de publicação me desencorajou muito. O editor ficou com medo daquilo, acho, então não publicou. Eu achava que editores eram homens de negócios e que se fossem te ferrar, te ferravam na sua cara. Mas eles me ferraram pelas costas, então resolvi ir para Hollywood, pensando que lá, pelo menos teriam coragem de te ferrar na sua cara.

E Hollywood comprou os direitos do livro, certo?
Sim, mas como acontece com a maioria das coisas em Los Angeles, ficou na geladeira. Mas foi muito legal ver meu primeiro projeto ir tão longe. E logo um tão estranho. Muitos anos depois, o William Friedkin [O Exorcista, Operação França] quis fazer o filme, e eu tinha tanto medo dele, que disse pro produtor que se ele algum dia me deixasse sozinha em uma sala com o Billy Friedkin eu não faria mais o projeto. No terceiro encontro, na casa do Billy, à meia noite sem ninguém mais por perto – o cara é realmente muito assustador -, eu disse, “deixa pra lá” e fui embora. Ele é simplesmente assustador. Ele tinha um filho de nove anos, que estava dormindo, e ele me contou que já tinha mostrado todos os filmes que tinha feito para ele. O menino deve ter ficado traumatizado pelo resto da vida por ter visto O Exorcista.

Com certeza!
Ele era só uma pessoa sem limites, como muitos outros por aqui.