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23 Horas nas Mãos da Tropa de Choque Turca

É assim que a infame tropa de choque turca vem lidando com os manifestantes fora da vista do público.

Protestos em Istambul.

Que a Turquia está passando por um momento de certa agitação política todo mundo já sabe. E como os protestos em defesa do Parque Gezi em Istambul não são mais sobre o parque e sim um levante nacional contra o governo cada vez mais autocrata do país, imagens e histórias das manifestações em curso inundaram tanto as redes sociais quanto a mídia convencional. A menos que você esteja na Turquia, claro, aí você provavelmente só vai assistir histórias diversas sobre pensionistas que fazem base jumping.

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E boa parte da informação que tem emergido por aí é sobre o comportamento das forças de segurança turcas e sua abordagem pesada (pra dizer o mínimo) em relação aos manifestantes. As ações brutais da tropa de choque – espancando e abusando dos manifestantes – são essencialmente uma manifestação de por que todo mundo está tão frustrado com o governo: Erdogan está forçando um autoritarismo sólido e assumindo que só porque tem a maioria do parlamento turco no bolso, pode fazer o que quiser sem dar a mínima satisfação para a população.

Dois dias atrás, no feed do Facebook de um amigo meu, li sobre Bentley James Yaffe – um inglês-turco que vive atualmente em Esmirna – e sua prisão durante um enfrentamento entre polícia e manifestantes na noite de sábado. Considerando que ele parecia não se incomodar com câmeras, eu quis saber um pouco mais sobre como a infame tropa de choque turca vem lidando com os manifestantes fora da vista do público. Então liguei para o Bentley depois que ele foi liberado de seu calvário de 23 horas com a polícia de Esmirna.

VICE: Oi, Bentley. Quando você começou a participar dos protestos?
Bentley James Yaffe: Tenho frequentado os protestos desde a última sexta-feira. Eu estava em Esmirna quando os protestos começaram em Istambul, então resolvi participar dos protestos aqui. Na noite de domingo, quando fui ver o que estava acontecendo perto da minha casa, encontrei pessoas se revoltando e jogando pedras, e – não vi como isso começou – alguém colocou fogo num banco. A tropa de choque interveio com um canhão de água e gás lacrimogêneo e eu estava fotografando o evento – a polícia, o tanque da polícia e as pessoas que estavam lá.

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Como você acabou sendo preso?
Quando eu estava voltando para casa, um grande grupo de manifestantes começou a correr, dizendo que a polícia tinha nos cercado. Tentei me esconder num beco lateral para tentar voltar para casa, que ficava literalmente a dois quarteirões dali. Nesse momento, eu e outros dois garotos que estavam no beco fomos abordados por homens de barba segurando paus e canos de metal. O garoto que estava mais perto de mim levou uma paulada no rosto. Eles me perguntaram onde eu estava indo e eu disse que estava voltando para a casa da minha avó. Eles disseram que não acreditavam em mim e me acertaram também. Caí e fui chutado umas duas vezes, depois a tropa de choque me levou e fui algemado.

Eram policiais disfarçados?
Depois eles disseram que eram policiais, mas não mostraram os distintivos. Os policiais da tropa de choque para quem eles nos entregaram tinham os distintivos visíveis, mas eu estava no chão sendo algemado, então não consegui ler nada. Eles me perguntaram o que eu estava fazendo, se eu tinha jogado pedras na polícia etc. Quando eu disse que estava tirando fotos para uma matéria, eles logo me perguntaram se eu tinha postado as fotos na internet. Quando outros ouviram que eu estava tirando fotos, um grupo de policiais se juntou ao meu redor, um deles me deu um tapa e outros dois pegaram meu celular para ver se eu tinha postado as fotos pelo Twitter.

Você acha que esse é um procedimento padrão hoje, checar a atividade da pessoas nas redes sociais?
Não acho que seja um procedimento padrão, mas, claro, a polícia está cada vez mais atenta a isso. Um dos caras que foi detido comigo era fotógrafo amador e a polícia estava tirando os cartões de memória dele. A polícia o prendeu por fotografar a tropa de choque detendo um manifestante de maneira violenta.

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O que aconteceu depois?
Fui interrogado logo depois da minha prisão – por volta das 19h30 – e colocado num ônibus com outras pessoas detidas na mesma área. Fomos levados para o quartel general da tropa de choque, ficamos esperando no ônibus por volta de uma hora, depois fomos transferidos para a academia do quartel. Nossos documentos de identidade foram processados e, em seguida, fomos levados para o hospital, para sermos examinados por ferimentos sofridos durante a prisão. Depois do exame, fomos levados para a delegacia de polícia central.

O que aconteceu lá?
Primeiro nossas declarações oficiais foram tomadas – já devia ser por volta de 2h30 – aí fomos colocados de volta nos ônibus, onde acabamos dormindo. Depois, por volta das 9h da manhã, fomos transferidos para o porão da delegacia e uns 30, 35 de nós foram mantidos numa grande sala de concreto sem janelas. Mas éramos escoltados até o banheiro e recebíamos água e comida regularmente. Ficamos naquela sala até as 16h, aí fomos levados para o tribunal para nosso exame final. Depois do exame médico, fui liberado por volta das 17h30.

Como eram as pessoas com quem você ficou no ônibus? A maioria eram caras jovens como você?
Eu diria que sim. Mas também muitos garotos mais jovens. Das pessoas que estavam no primeiro ônibus – aquelas levadas para o quartel da tropa de choque –, eu diria que dez ou doze eram menores de idade, cerca de 40% das pessoas naquele ônibus.

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Manifestantes são atingidos pelo canhão d'água da polícia.

Como estava a situação na delegacia de polícia? Os policiais continuavam agressivos?
Bom, mesmo não esquecendo o que os policiais da tropa de choque fizeram nos últimos quatro dias, devo dizer que a polícia convencional e as pessoas que estavam na delegacia nos levaram até o hospital e nos trataram com respeito. Foi apenas um processo muito longo. Mas, enquanto eu estava lá, vi gente chegando num estado bem pior que o meu – pessoas que estavam nos protestos e foram gravemente feridas.

Você perguntou o que aconteceu com elas?
Sim, conversamos sobre como tínhamos sido presos e como fomos tratados. Um deles tinha sido pego no sexto andar de um prédio de apartamentos e foi arrastado para um elevador. Ele disse que foi espancado até chegar ao térreo e tinha ferimentos na virilha, peito, braços, pernas e costas. Um manifestante tinha apanhado na cara e quebrou o maxilar e as maçãs do rosto. Duas pessoas estavam com o nariz quebrado. Uma estava com o pé esquerdo fraturado. Um garoto tinha muitos cortes e hematomas por todo o rosto. E um homem, que estava apenas indo para o trabalho, foi agarrado por pelo menos oito policiais da tropa de choque e tinha ferimentos nas pernas, braços, costas e pescoço.

Jesus. Você recebeu tratamento diferenciado por ter cidadania britânica?
Não fui maltratado depois de dizer quem eu era – estudante de direito, meio britânico, jornalista amador etc. –, mas não sei se eles decidiram que eu já tinha apanhado o suficiente, ou se algo que eu disse os desencorajou a fazer qualquer outra coisa. Quando eu estava no ponto de detenção inicial, meu tio conseguiu dar à polícia meu passaporte e o consulado britânico conseguiu entrar em contato comigo. Apesar disso, o cônsul disse que não havia nada que ele pudesse fazer por mim diplomaticamente, já que também tenho cidadania turca. Os oficiais que fizeram meu processamento disseram que, por causa da cidadania dupla, minha cidadania britânica não fazia diferença.

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Você acha que algumas dessas pessoas que foram espancadas vão tomar alguma ação contra a polícia? Você pretende fazer isso?
Os mais machucados estavam planejando tomar alguma ação contra a polícia. Muitos deles foram encorajados por advogados, especialmente os que foram mais obviamente maltratados.

Um manifestante ferido em Istambul.

E a polícia? Eles mudaram sua atitude para com os manifestantes de alguma forma depois desses primeiros dias?
Acho que a polícia está mudando, especialmente depois dos protestos públicos iniciais e de todas as imagens de brutalidade policial compartilhadas nas redes sociais. Nas cidades maiores houve um declínio no reporte de violência policial, no entanto, em áreas mais provincianas, ainda há muitas informações sobre uso excessivo da força. Há também relatos de um manifestante morto pela polícia na província de Antakya, no sudeste da Turquia.

Você provavelmente já ouviu sobre as 24 pessoas que foram presas em Esmirna por causa desse tuíte. É um perigo real ser preso por causa de um tuíte agora? Você acha que isso vai fazer as pessoas pararem de tuitar sobre os protestos?
Se esse tipo de perseguição continuar, isso definitivamente significa que as pessoas vão ter que decidir entre manter suas contas públicas ou defini-las como privadas. Tornar os tuítes privados vai permitir a comunicação entre os grupos e círculos de manifestantes, mas obviamente vai impedir que as notícias se espalhem e sejam compartilhadas.

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Você acredita que os protestos continuarão por muito mais tempo?
Acho que vão continuar por mais algum tempo, sim. Mas talvez não com as marchas ativas que aconteceram na semana passada. Acho que isso vai continuar como sinais de solidariedade – todo mundo está saindo e batendo panelas, começando às 21h todo dia, por exemplo – e na forma de ocupações e greves. Mudando lentamente para meios ainda mais pacíficos de protesto, espero que se inicie um processo de transformação das noções e frustrações por trás das manifestações, com resultados mais tangíveis que terão impacto, por exemplo, nas ações do governo.

Os protestos parecem ter uma participação realmente maciça, não importando o status social ou a crença religiosa. Você acha que, entre as pessoas que estão protestando agora, há muitas que votaram em Erdogan na eleição passada?
Não acho que há muitas pessoas nos protestos que tenham votado para o Partido da Justiça e Desenvolvimento [AKP, o partido de Erdogan]. Mesmo que o partido tenha se tornado um grande culto à personalidade, acho importante notar que os votos inicialmente eram para o AKP. O AKP trouxe um certo grau de estabilidade econômica e um grande aumento nos investimentos estrangeiros. Sendo assim, acredito que muitas pessoas que não seriam “típicos” apoiadores de Erdogan, especialmente gente dos setores industrial e de negócios, votaram no AKP nas últimas eleições. Espero que o mito da estabilidade econômica tenha sido desafiado durante esses protestos, e que isso tenha convencido os 49% de eleitores de Erdogan de que o preço autoritário que temos que pagar para melhorar nossa economia não vale a pena.

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