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Ser Repórter é uma Merda: a Desocupação da USP

Como estudante da USP, eu já vinha acompanhando a mobilização contra o convênio criado entre a universidade e a PM, mas acabei me ferrando junto com a galera que ocupou a reitoria.

LUZ, CÂMERA, AÇÃO POLICIAL!

Como estudante da USP, eu já vinha acompanhando a mobilização contra o  convênio criado entre a universidade e a PM, mas acabei me ferrando junto com a galera que ocupou a reitoria. Agora que o assunto esfriou (AKA pararam de dar chiliques nas redes sociais), vou contar pra vocês o que rolou nas internas.

Colei lá pra fazer uma matéria de fotos de dentro da ocupação pra VICE. Acompanhei a assembleia, mas não tirei fotos porque o prédio continuava sem luz – apesar da negociação, no sábado, que a reitoria religaria a água e a energia.

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A reunião terminou tarde e fiquei por lá pra comer o rango que os vegans prepararam na cozinha do reitor Rodas. A essas alturas, não tinha muita gente no prédio e ele ainda estava inteiro. Depois de jantar, fui para o saguão, onde joguei um pouco de mímica com o pessoal. O clima era bem diferente do que se criou com aqueles coquetéis molotov que a polícia mostrou depois. Não vi nada disso lá e, aliás, achei bem estranhas aquelas garrafas limpinhas, sem rótulos e com uma miséria de gasosa dentro. Não consigo imaginar rebeldes incendiários limpando as garrafas que iriam jogar na cabeça dos gambés.

Acho que depois desse rolê eu perdi todas as chances de me dar bem com alguma repórter.

Combinei com uns amigos de passar o resto da noite no CRUSP. Já estávamos de saída, passando pelo corredor que dá para rua, quando um estudante disse: “Olha, desculpa dar essa notícia pra vocês, mas o choque taí fora”. Gelei. Saí e vi uma pá de ônibus da polícia, PMs batendo com cassetetes nos escudos e uns três helicópteros zanzando.

Voltamos pro prédio avisando quem encontrávamos que os coxas estavam ali. Cheguei ao saguão e encontrei o pessoal acordando pra fugir, devia ser por volta das 5h30 da manhã. Nessa hora, já ouvi o choque forçando o portão e entrando na reitoria. Corremos por uma escada de emergência até o primeiro andar. Ao sair, vimos que estava tudo cercado e um circo armado. Os gambés pegavam todo mundo e mandavam sentar com a cabeça entre as pernas. Eu estava fotografando, até que um policial, com toda sua delicadeza e pistola em mãos, chegou gritando e apontando pra que eu sentasse de uma vez.

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Acho que o do meio gostou de mim. Ele chegou com o Choque e me filmou por um tempão. Sem fap, fap, fap, paisano.

Ficamos ali, vários estudantes sentados e cercados por umas três linhas de PMs que nos vigiavam enquanto outros fotografavam e filmavam nossos rostos. Depois de uns dois minutos chegou o exército de repórteres, câmeras, jornalistas, jornaleiros, batistas e carpinteiros pra manter o espetáculo. Garantiram que fossemos todos chamados de bandidos, vândalos, maconheiros, até que a PM nos levou de volta pra reitoria.

Não entendi isso aí. Dos que foram presos saindo do prédio, ele foi o único algemado

Ao voltar ao saguão – onde fomos revistados e tivemos nossos dados anotados – o cenário era bem diferente. Uma pá de cacos de vidro cobria o chão, e nos colocaram pra sentar em cima deles. De vez em quando chegava um algemado que era tratado com menos humor (depois soube que essa galera estava fora do prédio, mas foi levada pra dentro e agora responde pelas mesmas acusações de quem ocupou a reitoria). Disseram que iam separar as mulheres dos homens para que policiais femininas as revistassem. Não sabíamos o que acontecia, mas podíamos ouvir os gritos delas e imagino que não era coisa boa. Pelas nossas costas, o choque amontoava os sofás que estavam naquela sala, enquanto à tétrica trilha sonora se juntava agora o barulho de portas sendo arrombadas por toda a reitoria.

Daí nos mandaram para um busão que iria pra delega. Passei por um corredor de jornalistas e fui colocado ao lado da porta, que ficou aberta pra deleite da galera que fotografava.  Depois de um tempo, nos levaram para 91ª DP, pararam o ônibus em frente e, de novo, abriram a porta enquanto esperávamos.

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Passar um dia com a polícia é um porre. Pô, e ainda levaram bem a gente, que não curte nem o Robocop

Pouco tempo depois, dois policiais que ficavam na calçada em frente ao bumba comentaram: “A Globo chegou, pode soltar”. Fui levado com o primeiro grupo até dentro do DP e passei de novo por todas as câmeras imagináveis do mundo planetário universal.

Lá dentro, achei que íamos assinar um termo circunstanciado (um B.O. pra crimes de boa), até que três homens vestidos de paletó chamaram a delegada e disseram: “Vamos ter de fazer isso ser B.O. por prisão em flagrante”. Esperamos um tempo e nos mandaram pro busão/fotos/filmes/flashes. Chamados de novo ao DP, descobrimos que iam nos acusar por depredar patrimônio público, crime ambiental (que enquadra pichação e grafite), desobediência à ordem judicial e formação de quadrilha.

Como se vê, o pátio da delegacia é um lugar bem legal. Tinha até umas pombas mortas pelo chão

Depois, de volta pro ônibus – que agora tava nos fundos, num lugar que só a imprensa tinha acesso. Lá esperamos. Sem comida, sem poder usar o telefone, sem advogados, sem poder ir ao banheiro e bebendo água do pessoal, que por sorte tinha algumas garrafinhas. Acho que era por volta das 10h quando chegou a nossa defesa. Contaram que teríamos de pagar uma fiança de dois salários mínimos para sermos libertados. Os advogados voltaram pro DP e reduziram a acusação a “apenas” depredação de patrimônio público e desobediência à ordem judicial. Também reduziram a fiança para um salário mínimo. Pelo que soube, o Conlutas conseguiu a grana pra liberar a galera. Ao todo, R$ 38.695,00 pra soltar todo mundo (quase o valor de um tapete que o Rodas comprou – custava “só” R$ 38.000 – e que descobriram em um email durante a ocupação).

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Oferecemos pros PMs, mas eles disseram que preferiam esses salgados que são fritos

A situação melhorou depois que fizeram uma vaquinha e nos conseguiram água, pão com mortadela e, abençoadamente, cigarros. A imprensa ainda lá, mas agora podíamos receber visitas e estávamos cada vez menos preocupados com a cobertura do caso. Também já usávamos o celular e sabíamos que vínhamos sendo execrados na TV. Não tinha como piorar.

Os dois ficaram o dia inteiro se encarando na frente do busão

Então, o pessoal passou a usar a mídia a nosso favor. Um estudante de artes plásticas, um dos criadores do Tanq_ ROSA Choq_, fazia uma performance na porta do ônibus, devidamente vestido com uma calça colada rosa e apontando o livro As Palavras e As Coisas de Michel Foucault. Pouco a pouco, essas atitudes garantiram um pouco mais de tranquilidade dentro de um ônibus que cozinhava no sol e fedia a marmanjo suado.

#JORNALISMOVERDADE

Nesse momento a presença da imprensa até ajudou um pouquinho. Por exemplo, eu e um outro preso fomos levados por um policial-babá ao banheiro e o colega, que queria soltar um barro, viu que o papel acabou. Ele pediu pro coxa arrumar um rolo. O PM falou pra ele limpar com a mão. O moleque virou e disse: “Se eu tiver que limpar com a mão, vou chegar lá em cima e contar pra imprensa”. Então o coxinha voltou com um rolo e deu só uma folha pro cara. Ele repetiu o que já tinha dito. O gambé afinou.

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Esse é o cabo Barros, que levou a gente pro banheiro uma pá de vezes.

Apesar do espetáculo em volta dos estudantes apontados como bandidos e tidos como quadrilha, o circo armado ali não se armava nesse sentido. Mesmo sendo forçada a imagem do aluno vândalo, não trataram o caso desse modo. Fizeram questão de exibir tudo, mas não quiseram nos levar pra dentro de uma cela como presos comuns. O que interessava era criar uma história pra que servisse de exemplo a quem mais quisesse se manifestar politicamente.

Sei lá como nessa hora ainda tínhamos assunto pra conversar com os repórteres.

O último estudante saiu de lá às 3h30 da manhã. Eu fui liberado 2h30. Agora, depois de todo o show, tem 72 negos (eu inclusive) que podem ficar até três anos presos.

Valeu, São Paulo, valeu, imprensa, valeu, lindas redes sociais do meu Brasil!

PALAVRAS E FOTOS: DIOGO TERRA VARGAS