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A internet Está Tendo uma Overdose de Pokemon

Há exatos 18 anos e um dia, era lançada no Japão a primeira versão do jogo que iria tomar o mundo de assalto e criar inúmeras franquias.

Essa aberração é o monstro formado por todos os pokemons do grupo atual no Twitch Plays Pokemon.

Há exatos 18 anos e um dia, era lançada no Japão a primeira versão do jogo que iria tomar o mundo de assalto e criar inúmeras franquias. Pocket Monsters: Red & Green eram lançados simultaneamente no mercado nipônico e, dois anos depois, seriam lançados no resto do mundo, criando uma linha multibilionária de jogos e produtos que, durante muitos anos, foi o crack de escolha da garotada levando inúmeros pais à falência. Quando já achávamos que mais nada do universo Pokemon iria nos surpreender, eis que um espectro ronda a internet, Twitch Plays Pokemon. Mas quem é Twitch? Você que não viu nada dessa história, com razão, se pergunta, mas a resposta é simples: eu sou Twitch, você é Twitch, todos fazemos parte dessa consciência coletiva caótica. Vamos entender melhor.

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Em 6 de junho de 2011, uma plataforma foi lançada para fazer o streaming de vídeos de jogos eletrônicos chamada Twitch. A primeira vez que eu vi algo sobre o Twitch Plays Pokemon imaginei que Twitch era o nome de um indivíduo que estava fazendo um let's play de Pokemon, nada mais normal, mas, na realidade, Twitch é o nome da plataforma em que o jogo está sendo jogado. Depois de entrar no link, entendi porque estavam falando tanto sobre essa parada. Se você não sabe nada sobre o bagulho (e é bem provável que você saiba) o esquema é o seguinte: um programador australiano anônimo entrou no site Twitch e fez uma partida aberta de Pokemon Red no qual os comandos do jogo são inseridos pelo pessoal que está assistindo o streaming. Parece razoável? Não muito, ainda mais porque os comandos chegam com cerca de 20 segundos de atraso no jogo, assim, o comando que mandam de acordo com o que veem na tela chega consideravelmente atrasado.

Você pode alegar que esse processo de rodar o jogo faz o personagem andar em círculos e ficar fazendo comandos inúteis em 99% do tempo, em vez de executar qualquer comando consciente que ajude no progresso do jogo, e se você disser isso, você está 120% corretíssimo, mas o progresso persiste e agora, depois de 15 dias de jogo, por incrível que pareça, a consciência coletiva do Twitch Plays Pokemon está quase no final do jogo. O controle em partes que exigem um comando mais preciso se assemelha a quinze mil pessoas controlando uma única mão para colocar a linha em uma agulha de costura, mas, se essas quinze mil pessoas persistirem, uma hora a magia acontece, como aconteceu repetidamente nessa partida de Pokemon aí, em que o dono da bola entrou com uma alteração na interação com o jogo para, teoricamente, deixar o controle um pouco mais preciso nesses gargalos do jogo.

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Anarquia ou Democracia

Após alguns dias de jogo, foi introduzido um sistema novo em que os jogadores inseriam os comandos, esse sistema, que foi implementado à revelia dos jogadores, é o que depois viria a ser conhecido como modo Democracia. Nesse modo, não é todo comando enviado pelos jogadores que vai direto para o jogo, como acontecia desde o início da partida, no entanto, o comando escolhido por mais jogadores em um período de votação de 20 segundos é executado. Logo que entrou em vigor, o modo democracia causou revolta entre os jogadores que exigiram o modo inicial, denominado agora de Anarquia, de volta. Desde então, os modos Anarquia e Democracia são escolhidos pelos próprios jogadores que, ao colocarem o comando Anarchy ou Democracy no chat do streaming, votam em que modo de controle preferem e o mais votado vence e é utilizado até o outro modo vencer de novo, gerando, assim, um eterno cabo de guerra entre os mais caóticos e os relativamente mais certinhos.

Na prática, é difícil dizer se essa implementação ajudou ou não o jogo a ter mais coerência no controle e progredir mais rapidamente, mas esse não parece ser o objetivo da maior parte dos jogadores, que somente querem ver as estruturas da sociedade civil pegarem fogo e desmoronarem, o que é meio divertido na real. Entretanto, às vezes (quase sempre), é extremamente frustrante ver o jogo ser jogado. Os nerds que preferem somente ver onde o pessoal está, acompanha o progresso através do Reddit ou de um google doc atualizadíssimo que mostra a situação do nosso herói.

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Até o momento, o Twitch plays pokemon teve pouco mais de 32 milhões de visualizações no total e tem uma média de 40 mil visualizações a toda hora, chegando, às vezes, a picos de 150 mil jogadores simultâneos. E o que essa bagunça gostosa gerou? O consciente coletivo dos jogadores inventou uma mitologia em volta da partida para criar uma narrativa que, por sua vez, ajuda a criar uma coerência em suas ações quase aleatórias.

Seguem alguns pontos importantes para entender esse meta jogo, que, às vezes, parece mais importante do que o jogo em si:

O Messias Bird Jesus

Logo no começo do jogo, quando havia pouca gente vendo e lutando pelo controle do jogo, nosso avatar preferido conseguiu, por algum milagre, capturar um pokemon Pidgey nomeado pelos jogadores como aaabaaajss. Ele sobreviveu e conseguiu progredir o resto do jogo, evoluindo até virar o atual Pidgeot. Ele foi nomeado como o Pássaro Jesus pelos jogadores, mostrando a superação em meio a todas as adversidades (em geral, criadas pelos próprios jogadores), e continua com o pessoal até o presente momento no jogo, sendo responsável por grande parte das vitórias da primeira metade do jogo.

Helix Fossil

Aos onze dias, dez horas e trinta e sete minutos, o item Helix Fossil, que estava desde os primeiros dias em posse do grupo, se transformou no pokemon OMANYTE. Como o controle do jogo é completamente caótico, grande parte dos comandos consiste nos jogadores acessando o menu e tentando usar algum item do inventário, logo no início, era constante o acesso ao item Helix Fossil, que não faz absolutamente nada até certa parte do jogo, quando é possível transformá-lo no pokemon OMANYTE, o que só ocorre bem mais para frente. Como nosso herói parecia consultar o item quando estava em dúvida quanto ao que fazer em seguida, muitos usaram essa consulta como uma tentativa de contato com uma espécie de ente superior: assim que o herói acessava o item, isso era visto como uma espécie de reza e o item foi elevado a status de deidade pela comunidade. Quando conseguiram fazer o item virar o pokemon, a comunidade toda ficou muito tocada e ele foi apelidado de LORD HELIX, o Deus entre os pokemons. Só Deus sabe agora se ele vai até o final ou se vão jogar esse pokemon fora como fizeram com tantos outros, o que nos leva ao fato mais trágico da partida até o momento.

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Sunday Bloody Sunday

O Pokemon Farfetch'd carinhosamente apelidado de DUX, o Matador de Árvores, foi uma peça central no progresso do jogo, pois ele foi uma das vítimas do Bloody Sunday.

São muitos os contratempos possíveis no jogo, mas um bem comum, que acontece desde o começo da partida, é a libertação acidental de pokemons. Para quem nunca jogou, saiba que é possível, a qualquer momento, acessar o menu e JOGAR FORA algum monstrinho que você tem. A versão RED do Pokemon, a que está sendo jogada no Twitch, tem como principal característica começar o jogo com o Pokemon de fogo Charmander, um dos preferidos da molecada, que tem a possibilidade de evoluir para Charmeleon e depois para Charizard, um dragãozão marrento. Bom, o que a galera fez logo no quarto dia? Soltou o bichinho, deixando-o sobreviver à própria sorte e sem conseguir jamais resgatá-lo. Até o momento, 21 pokemons foram liberados e um dos eventos mais trágicos da partida até agora foi o denominado Bloody Sunday, em que, no dia 10 do jogo, 12 Pokemons foram sistematicamente soltos para o desespero de muitos jogadores e deleite dos mais sádicos.

Dependendo da região da internet você estiver olhando, o Twitch Plays Pokemon parece ser a única coisa acontecendo no mundo. Ele virou uma espécie de passatempo, mitologia e novela acompanhada de perto pela galera dos games. Chegaram a teorizar sobre as formas de interação dos jogadores e do método de inserir os comandos como microcosmos que nos ajudam a entender a cibercultura contemporânea e a intersubjetividade política dessa geração, eu não acho nada disso, acho só que é uma galera daora jogando um jogo que todos eles jogaram alguma hora (em muitos casos, MUITAS HORAS) de suas vidas. Em meio ao caos completo do streaming, brotou algo mágico e bonito na forma como essas milhares de cabeças tentam controlar um único personagem e, mesmo assim, conseguem progredir, por mais que cada um tente fazer algo diferente dos outros milhares de jogadores. Na verdade, é bonito justamente por causa disso.