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A Última Entrevista Com Alexander Shulgin

O padrinho do ecstasy morreu com 88 anos.

Alexander Shulgin e o autor.

Amo o Alexander Shulgin. Gosto dele desde a primeira vez que li a seu respeito. Ele é o meu ídolo, meu herói, minha luz, meu oxigênio. Amo cada uma das 978 páginas de sua obra-prima sobre fenetilaminas, PiHKAL (Phenethylamines I Have Known and Loved), e cada miligrama do seu tratado de 1,13 quilo sobre triptamina, TiKHAL (Tryptamines I Have Known and Loved). Pendurei uma fotona do Shulgin abraçando sua esposa, Ann, ao lado da minha cama. Muitas vezes durmo com uma cópia de PiHKAL não sob o travesseiro, mas no lugar do travesseiro. Ele é o avô do Ecstasy, o mago molecular, o conquistador atômico. Nos últimos 50 anos ele criou mais novas drogas psicodélicas do que a Floresta Amazônica jamais criou. Ele está mais para uma figura mitológica, um centauro da Química, do que para uma pessoa de verdade. Mas ele existe, como estou prestes a provar. Após anos de preparação liguei para a casa do Shulgin para tentar marcar uma entrevista. Essa ligação exigiu certos cuidados: anotações em um bloco, exercícios de respiração meditativa, pensamento positivo, visualização auto-hipnótica de sucesso e umas cinco limpadas de garganta. De alguma forma, consegui discar o número e, enquanto eu escutava o telefone chamando — dois segundos de ondas sinusoidais perfeitamente sobrepostas seguidas de um silêncio exoftálmico de quatro segundos e ainda outro toque sinusoidal — o meu nariz começou a sangrar por causa da expectativa. A Ann atendeu o telefone. Conversamos um pouco, ela tinha um inesperado sotaque neozelandês e me chamou de “querido”, o que eu adorei. A Ann me disse que o Sasha (é assim que os amigos de Shulgin o chamam) já não dá mais entrevistas — ele está guardando suas energias limitadas para terminar o seu último livro e trabalhar em seu laboratório. Depois que ouvi isso, expliquei cuidadosamente que não precisava ser exatamente uma entrevista. Eu apenas queria marcar um encontro para uma conversa informal. Por fim, ficou decidido que eu poderia fazer uma visita de poucas horas antes de um eletrocardiograma que ele tinha agendado. Ela me lembrou que ele realmente não dava mais entrevistas e que se o meu encontro com ele se transformasse em uma, seria a sua última. Fiquei eufórico. Apesar de o nome Alexander Shulgin não ser exatamente familiar, ele é sem dúvida o químico psicodélico mais importante que já existiu. Aqueles que o conhecem costumam saber apenas sobre o seu papel na redescoberta e popularização do MDMA. Mas o MDMA é apenas um dos mais de cem compostos químicos que compõem a farmacopeia de Shulgin que se estende tão profundamente no desconhecido que ele precisa constantemente inventar novas expressões para descrever os seus efeitos (“ruptura ocular” é uma das minhas preferidas). As drogas são auditivos seletivos e alucinógenos táteis, psicodélicos que dilatam o tempo ou colocam o usuário em um estado de confusão amnésica, são antidepressivos, afrodisíacos, estimulantes, empatógenos, entactógenos, neurotoxinas e pelo menos um inseticida bem lucrativo. Também são alguns dos remédios mais valiosos que o homem conhece e, apesar de apenas uma pequena parte deles ter sido formalmente estudado, são as melhores ferramentas de que dispomos para compreender a composição química da mente humana.

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Uma colagem entitulada Abraço Psicodélico por William Rafti, um fã de Shulgin. Rafti também é tatuador e artista psicodélico.

A carreira de Shulgin começou na empresa Dow Chemical, onde ele fez nome ao sintetizar o Zectran, o primeiro inseticida biodegradável. Depois desse sucesso, ele recebeu carta branca para trabalhar com os químicos que quisesse. Ele escolheu os psicodélicos e se dedicou à criação de uma anfetamina chamada DOM, que na época só ficava atrás do LSD em termos de potência. Uma única dose generosa chega a durar 48 horas. Em 1967, um químico do Brooklyn, Nick Sand, percebeu o potencial comercial da droga. Ele construiu um laboratório industrial em São Francisco onde cozinhava DOM em um panelão de sopa de 150 litros, e vendia por quilo para os Hells Angels, que cruzavam os EUA despejando dezenas de milhares de tabletes de 20 mg de DOM extremamente potentes sobre o público. Esse influxo despirocou hordas de hippies no Golden Gate Park.

Enquanto isso, a menos de uma quadra da Tompkins Square Park, a polícia de Nova York derrubou a porta de uma igreja psicodélica chamada Igreja da Exaltação Mística em uma batida matutina. A polícia apreendeu cerca de oito milhões de dólares em drogas psicodélicas, incluindo 1.500 doses de DOM, dois pés de maconha e “inúmeros colchões”. Notícias de uma epidemia de surtos induzidos pelo DOM enchiam os jornais, um usuário em Manhattan ingeriu uma dose e realizou um ritual de haraquiri, estripando a si mesmo com uma espada de samurai durante o Dia das Mães. A essa altura, a droga ainda não havia sido identificada, e o

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New York Times

 alternava as informações ora dizendo que se tratava de um gás tóxico militar secreto, ora que se tratava do “caviar das drogas psicodélicas”. Acabaram descobrindo que o DOM era resultado das pesquisas farmacêuticas conduzidas por um então desconhecido químico da Dow. Como era de se esperar, a Dow não ficou contente com isso. Assim que a fonte foi identificada, as relações entre Shulgin e a Dow foram cortadas.

Livre da Dow, Shulgin montou seu próprio laboratório no quintal de sua casa e passou a pesquisar drogas com total independência e com a consciência de que as substâncias químicas que criava tinham o potencial de ir parar na mente de pelo menos um milhão de pessoas. Ele testava pessoalmente cada novo composto e, quando achava válido, também testava em sua esposa e amigos, sempre dando uma ênfase especial às propriedades sexuais dos psicodélicos (ou, como diz o próprio, “o erótico”). Ao longo de 50 anos, Shulgin concluiu o mais exaustivo exame de estruturas psicodélicas jamais feito e produziu um leque de drogas que rivaliza com a produção de muitas gigantes farmacêuticas. O tempo todo, preservou sua sanidade e cavalheirismo, tocando

viola

, dando aulas na universidade e comparecendo a saraus de elite no Bohemian Grove.


1 Um lugar onde, desconfio, ele “experimentou” muitas substâncias psicodélicas com vários capitães da indústria. Segundo um amigo, ele foi visto oferecendo ao presidente da Boeing “uma nova forma de voar”.

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Quando cheguei na casa de Shulgin em Lafayette, Califórnia, ele estava sentado, tranquilamente, à mesa da cozinha. Passei pela porta de vidro, cumprimentei-o, e lhe dei um abraço, o que me causou mais euforia do que um MDMA e uma dilatação temporal mais profunda do que 2C-T-4. Nós nos soltamos e, na lata, ele soltou uma charada: “Você sabe quais são as duas palavras em inglês que começam com duas letras ‘A’ consecutivas?”

Um amistoso lembrete para o DEA, caso decidam perturbar o Shulgin.

Depois de beber e saborear a limonada, caminhei num movimento quase involuntário pelo corredor e entrei no banheiro. A estrutura dos losangos do papel de parede era muito similar à estrutura molecular dos primeiros testes da TMA-6

. Enquanto eu estava ali, tentando mijar na privada azul, refleti sobre o conteúdo da fossa — um tesouro farmacocinético, que sem dúvida continha a coleção mais diversificada de metabólitos urinários e fecais do mundo!

Até a pequena toalha de mãos de Shulgin e sua pasta de dente me chamavam a atenção. Eu mal conseguia mijar.

Saí do banheiro e encontrei Shulgin me esperando no quintal. Andamos pelo caminho de pedra até seu laboratório. O sol brilhava através das folhas, lançando sombras sobre sua coleção gigantesca de cactos psicodélicos, que incluía um invejável

Trichocereus bridgesii forma monstrose

 (um cacto de mescalina sem espinhos, de formato fálico, também conhecido como planta-pênis). Passamos por uma mangueira enrolada, que Shulgin certa vez desenrolou cuidadosamente enquanto testava os efeitos de ALEPH-1, cruzamos uma pequena ponte de metal e avistamos o laboratório, uma cabana de chapas corrugadas e plástico coberta de videiras e que emanava o cheiro forte, mofado, de DMT. Quando Shulgin abriu a porta, ele exclamou “Ho-ho-ho!”.

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O laboratório era uma selva de vidro refratário, uma barragem de borossilicato, cheio de béqueres, tubos de ensaio e tudo que é tipo de borracha vulcanizada. Suportes de dissecção, borboletas espetadas e jarras repletas de uma gosma que só podia ser conserva de cogumelos. Pressionados contra uma lâmina de vidro, tinham três lâminas de feno infectado com faixas de um roxo profundo de

Claviceps purpurea

, o fungo precursor do LSD e o bolor responsável pela epidemia Fogo de Santo Antônio na Idade Média. Na lousa tinha um diagrama de uma molécula ainda não sintetizada, que identifiquei como 3, 4-MD-4-metilaminorex — uma derivável do psicoestimulante eufórico 4-matilaminorex que, em meados dos anos 80, foi alçado ao status de droga cult sob o nome de U4E-uh. Mais abaixo do diagrama molecular estava escrito “FAÇA-ME!”.


3 A primeira modificação química da molécula de mescalina que Shulgin realizou foi a adição de um único átomo para cadeia lateral de etilamina, o que produziu uma anfetamina chamada TMA. Então ele desenvolveu a TMA-2 através da TMA-6. Essas substâncias psicodélicas ficaram razoavelmente populares no Japão. Shulgin gostava de TMA-6, apesar de sentir que “torrar a torrada na torradeira era difícil”.

Dentro da selva de vidro.

Tinham alguns frascos de fundo redondo na mesa, cada um contendo lascas de triptamina impura. O rótulo de um dos frascos dizia 5-MeO-MALT, um outro 5-MeONALT. Shulgin me explicou: “DALT foi o primeiro — é o diallil — e o metilallil é MALT. Depois veio o EALT e depois”, ele enrugou os lábios e soltou um plosivo, “PALT e iso-PALT e assim por diante. O 5-MeO-DALT era um composto ativo, então estou seguindo essa linha mais a fundo. Normalmente esperam cerca de quatro anos para que eu crie algo que se torne popular, e então colocam na ilegalidade. Mas eu enviei a síntese do 5-MeO-DALT para um amigo. Ele a colocou na internet, e um mês depois foi sintetizada na China e enviada aos EUA via Europa. Agora está disponível nas ruas!”.

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Algumas informações relevantes para entender isso: em 24 de maio de 2004, Shulgin enviou um e-mail a um psiconauta chamado Murple a respeito da síntese e dos efeitos de 5-MeO-DALT. Ele formatou a descrição no estilo de um verbete do

TiHKAL

 e disse que seria incluído no seu próximo livro. Naquele mesmo dia, Murple postou a síntese do 5-MeO-DALT no seu site. Em 25 de junho, estava disponível para o público no mercado cinza por US$ 200 o grama. No dia 25 de setembro de 2004, três meses após a substância chegar ao mercado, a primeira overdose de 5-MeO-DALT de que se teve notícia ocorreu quando um usuário da Flórida ingeriu acidentalmente 225 mg (mais de 11 vezes a dose máxima testada por Shulgin) em meio ao furacão Jeanne. Ele sobreviveu à experiência e compartilhou diversos insights preciosos como “Ozzy e pessoas do tipo não se dão bem com essa substância”.

Se o Shulgin suspira uma palavra sequer de elogio a uma nova droga, ela certamente atravessará as fronteiras internacionais em poucos meses. Se alguém morre após ingerir alguma dessas substâncias, haverá sem dúvida cobertura irresponsável da mídia, fúria do público e diversas ações dos órgãos oficiais de combate às drogas. O Reino Unido chegou a banir todas as drogas apresentadas em PiHKAL em uma única canetada. Apesar de seus detratores, Shulgin acredita firmemente que suas pesquisas devem estar disponíveis para fins educativos, seja para funcionários do DEA ou viciados em DXM. Mas teve um caso em que Shulgin considerou suas descobertas químicas esclarecedoras demais para o consumo público. Durante os testes de uma anfetamina que ele batizou de ALEPH-1, ele anotou em seu caderno: “Não contar a NINGUÉM a respeito dessa droga para que ela jamais possa ser identificada e para que tampouco hajam tentativas de destruí-la… Persistir na publicação científica em todas as áreas periféricas como forma de subterfúgio, como tática diversionista. Manter toda pesquisa em andamento nos meus apêndices. Codificar como ‘SH’ — informativo demais”. Era “informativo demais” porque Shulgin acredita que ALEPH-1 é a “essência do poder”

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 e se o DEA a descobrisse, eles a destruiriam. Quando perguntei se ele ainda pensava daquela maneira, ele respondeu rapidamente, “Não, você deve publicar”. Mas parte de mim se pergunta se existe mesmo um caderno especial chamado “SH” escondido em algum lugar naquele emaranhado de prateleiras.


4 Shulgin criou uma série de anfetaminas psicodélicas que continham enxofre e que deu a elas o nome de uma letra do alfabeto hebraico. א. ALEPH-1 foi a primeira. Fiel aos seus métodos de titração vigilante, sua primeira dose foi de 250 nanogramas. Ao longo de 18 tentativas ele chegou a um único miligrama, o que detonou uma bomba de hidrogênio intelectual no seu córtex pré-frontal.

Uma prateleira de reagentes, solventes e uma grande jarra de piperonal—um dos precursores do MDA.

Mais tarde, naquele mesmo dia, Paul D., colaborador de Shulgin, se juntou a nós. Eles se conhecem há décadas e ele passou a ser o assistente de Shulgin no laboratório no ano passado. Perguntei ao Paul se ele já tinha experimentado alguma das novas triptaminas em que estavam trabalhando, e ele balançou a cabeça, “Não, Sasha é

sempre

 o primeiro a provar as novidades”. A razão por ele ser sempre o primeiro é completamente altruísta. Ele quer proteger seus amigos e familiares, pois alguma substância pode ter algum efeito tóxico inesperado. Apesar de eu suspeitar que exista uma outra razão para Shulgin gostar de ser o primeiro a experimentar as drogas: a sensação de sintetizar uma droga completamente desconhecida e ingeri-la, uma sensação que só acontece uma única vez, é com certeza uma droga por si só. É a quebra de um hímen transdimensional, neuroquímico. De certo modo, essa é droga que ele nunca largou. Pergunte a Shulgin qual é o psicodélico favorito dele e ele dirá “2CB”

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 sem hesitação. Pergunte quantas vezes ele o tomou, e ele dirá “algumas”. Isso vindo de um cara que teve aproximadamente 10 mil experiências psicodélicas. Nenhuma droga, nem mesmo sua querida 2C-B, é melhor do que aquela que nunca foi provada.

O Paul pegou algumas dúzias de caixas de papelão verdes cheias de substâncias químicas. Elas continham uma história física de toda a farmacopeia de Shulgin. O trabalho de toda uma vida preservado em frascos. A coleção era

absolutamente

 tentadora e quase pornográfica. Os meus batimentos cardíacos aceleraram e comecei a suar, enquanto eu tentava ao máximo não agir como um personagem do Tex Avery — ofegando, fazendo barulhos bizarros ou deixando os meus olhos saltarem para fora. Paul removeu a tampa, revelando cem unidades ordenadas alfanumericamente que continham frascos de vidro, alguns espaços estavam vazios mas já haviam sido devidamente ocupados no passado. Cada rótulo tinha um pequeno diagrama, desenhado à mão, da molécula em questão. Muitas dessas substâncias já não existem em nenhum outro lugar do universo. Shulgin não é apenas um químico, é também um colecionador. Logo no início de sua carreira, ele ambiciosamente tentou colecionar todas as drogas psicoativas existentes no mundo, mas logo se deu conta de que não conseguiria. De acordo com a ficha da caixa, o conteúdo (parcial) daquela única caixa que Paul abriu incluía tricocerina, curare cru, isomescalina, anfetamina, R-DOM, MDMA, DET, DiPT, scopolamina, benzafetamina, d-metanfetamina, aspirina, berberina, fisostigmina, papaverina, pipradol, aconita, tebana, pilocarpine, oxicodona, oxymorfona, diversas amostras forenses de PCP (datadas e rotuladas “PCP ilícito 1975”) e minha velha e querida ritalina.

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5 2C-B é o psicodélico típico de Shulgin. Possui todas as qualidades que ele buscou ao longo de sua carreira. É potente, quente, corpóreo, associativo, não exibe sinais de envenenamento físico e tem curta duração, ideal para psicoterapia. Também extremamente “erótico”. “Se algum dia descobrirem algum afrodisíaco efetivo, provavelmente será patenteado com a estrutura do 2C-B”, disse Shulgin. Infelizmente, 2C-B foi considerado ilegal depois de um breve período como estimulante sexual legal, amplamente distribuído sob o nome Ubulawu Nomathotholo por xamãs sul-africanos (uma história incrível para outra ocasião).

O autor tocando um exemplar de Trichocereus bridgesii forma monstrose, também conhecido como “planta-pênis”. Era muito “erótico”.

Fora do laboratório, Paul começou a fuçar em outra caixa de caixas, que tinha pelo menos outros mil frascos. “A maioria dessas substâncias é intermediária — um óleo de trimetoxibenzaldeído”, ele disse enquanto tirava a rolha de um dos frascos e segurava uma amostra de uma gosma preta na altura do nariz para sentir o cheiro. “Tem um cheiro interessante”, ele comentou ao me passar o frasco. Eu tapei uma de minhas narinas e inalei profundamente. Cheirava a Vick VapoRub e me causou uma horrível onda de náusea, acompanhada de uma dor de cabeça tremenda. Ainda assim, fiquei feliz de ter inserido na minha corrente sanguínea alguns fentogramas de uma substância química da coleção de Shulgin. Paul, continuou: “Isso é 2-ethoxy-benzaldeído”. Ele deu uma outra fungada e me passou o frasco como se estivéssemos avaliando o aroma de um vinho. “Mais alguns intermediários da produção de anfetaminas e fenetilaminas…”. Ele pegou um frasco cheio de cristais amarelos-canário e começou a decifrar a estrutura molecular desenhada no rótulo. “Isso é um difenil…”. Estiquei o pescoço, completamente hipnotizado, para ver o frasco, mas Shulgin nos interrompeu: “Vamos almoçar!”. Paul ficou por lá e nós voltamos para a casa, onde saboreei uma pizza fumegante com Ann. Shulgin optou por um sanduíche de salada de ovo no pão branco. Foi um almoço de verão bem informal, nervoso e incrível com o maior químico psicodélico do mundo. De repente, Paul irrompeu na sala, ofegante: “Uma equipe de cientistas japoneses acabou de descobrir uma síntese total de 12 passos de Salvinorin A!”. Todo mundo começou a murmurar, Shulgin estava impressionado. “Nossa, esse aí é difícil”, ele disse. “Um verdadeiro tesouro de simetria. Sabe, o Salvinorin tem 128 isômeros.” Eu desejei que o dia jamais terminasse.

Fiquei ali sentado, olhando o Shulgin mastigar seu sanduíche de salada de ovo e pensei na influência sobre-humana que seu trabalho exerceu sobre o mundo. As centenas de mortes, os milhares de surtos, dezenas de milhares de dólares que passaram de mão em mão sem que ele recebesse sequer um centavo, milhares de anos de condenações acumuladas, trilhões de experiências transformadoras, milhares de litros de lágrimas de alegria, decibéis de risos e assim por diante. Eu queria dizer a ele o quanto ele havia mudado a minha vida, queria oferecer a ele mil genuflexões de gratidão por tudo o que me aconteceu graças às substâncias que ele criou e defendeu. A minha cama desmoronando enquanto eu estava numa viagem de 2C-B. Mordiscar um Red Delicious durante um seminário, doidão de 2C-E. Encontrar uma garrafa de leite na porta de uma casa e ser atacado por um cachorro, sob os efeitos de DiPT. O artista de rua do Central Park que desenhou um retrato meu posando de Enrique Iglesias, curtindo um 4_HO-MiPT. Memorizar o diagrama de Hertzprung-Russel, na base de 2C-D. Enterrar o rosto numa peruca encharcada que encontrei no chão de um táxi graças ao 4-HOMET. São essas coisas sagradas e maravilhosas que eu queria dizer a ele. Eu não seria capaz de agradecê-lo o suficiente.

Nunca é fácil dizer adeus.

Quase no fim do nosso encontro, perguntei se eu poderia dar outra olhada no laboratório enquanto eles terminavam a refeição. Eles deixaram, e eu voltei para tocar, cheirar e examinar as coisas em silêncio. Talvez tenham alguns espaços vazios nas caixas verdes onde o 5-MeO-DiPT, 2C-B DOB e DOM estiveram uma vez — são as manchas em sua coleção —, mas não existe nenhuma forma de eliminar uma molécula. O fato de ele ter criado essas substâncias e ter publicado as suas sínteses garante a sua sobrevivência. Não é por acaso que ele ainda esteja viajando aos 84 anos. Na verdade, ele disse que a sua mais nova criação, 5-MeO-MALT, está agindo a 1,8 mg, o que indica que é bastante potente. Mas ele também disse que, na medida em que envelheceu, a dose necessária para surtir efeito diminuiu significativamente. “Efeitos colaterais?”, perguntei. Ele não respondeu. “Ah, ‘efeitos’. Eu pensei que você tinha dito ‘peitos’”.

Se, de fato, essa não-entrevista foi a última entrevista de Shulgin, ela me deixou um tanto insatisfeito. Eu ainda tinha muitas perguntas a fazer. Mas a minha visita aos Shulgin me fez perceber que talvez seja hora de responder às minhas próprias perguntas. O que é justo e bom, até mesmo uma dádiva. Ele já respondeu, afinal, mais do que o suficiente. Ainda assim, foi difícil deixar o seu laboratório. Eu queria me esconder no lixo ou subir em alguma árvore: eu realmente não queria que essa história chegasse ao fim.