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Ação Entre Amigos

Visitamos o velho Hotel Santos Dumont e conhecemos alguns dos seus hóspedes--uma grande maioria de migrantes nordestinos--pessoas que São Paulo não faz questão de tratar bem.

O Edifício Prestes Maia já foi a maior ocupação vertical da América Latina. Abandonado por 12 anos, o glorioso arranha-céu virou um buraco de merda, infestado por baratas, ratos e atividades criminosas—bem no meio da sordidez generalizada do centro de São Paulo. Em 2002, 468 famílias do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) decidiram que esse seria seu novo lar. Nos anos seguintes, o lugar foi transformado em um centro comunitário experimental com bi­blioteca, aulas de arte e espaços educativos. Em 2006, uma notícia grave: o proprietário devia mais de R$ 4 milhões em impostos e o local sofreria uma ação de reintegração de posse. Depois de um longo e inflamado combate entre os agora moradores e as autoridades, no dia 15 de junho de 2007 o imóvel foi desocupado e lacrado com blocos de concreto. Alguns meses antes, um grupo que vivia no Prestes Maia havia se mudado para outro endereço, também no centro (no número 340 da Rua Mauá, próxima à Estação da Luz). Fechado por uma década, essa nova ocupação, que em seus áureos tempos abrigou o Hotel Santos Dumont, passou a ser moradia para 120 famílias. Visitamos esse velho hotel e conhecemos alguns dos seus hóspedes—uma grande maioria de migrantes nordestinos—pessoas que São Paulo não faz questão de tratar bem.

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Maria do Carmo, carinhosamente conhecida como “Vó”, vive na antiga zeladoria do hotel: “Minha bisneta fugiu de casa com uma amiga e ainda está desaparecida. A avó dela sonhou que ela tinha se afogado em uma cachoeira, mas a gente acredita que a menina esteja viva. A mãe dela está grávida de mais um e assim a gente vai vivendo. Não é fácil morar em São Paulo, uma cidade tão rica e, ao mesmo, tão cheia de pobreza. Tenho parentes morando debaixo do viaduto do Minhocão, passando fome, frio, medo… É melhor ficar em ocupação do que na rua.”

Cacilda da Silva: “Morava de aluguel em um cortiço na Avenida Rio Branco, mas daí alagou tudo lá e perdi roupas, móveis. Eu, meus três filhos e meu marido viemos para cá porque uma colega conseguiu este quarto para nós. Atualmente, meu marido está desempregado, mas faz um bico aqui, outro acolá. Assim a gente até consegue juntar alguma coisa.”

Roberta Sílvia Guimarães Dutra e Arthur Guimarães Dutra: “Quando meu filho chegou ao hospital, ninguém dizia que ele ia sobreviver. Os médicos chegaram a jogar fora um pedaço do crânio dele porque achavam que já estivesse morto. Agora ele tem que fazer uma cirurgia para colocar uma placa na cabeça. Também precisa de uma cadeira de rodas, porque está ficando com desvio na coluna, já que não tem mais firmeza nas pernas. E tudo isso aconteceu por causa do meu ex-marido. Já fazia sete meses que a gente estava separado, mas ele não aceitava. Ai, para me atingir, ele entrou em casa, deu um tiro no meu filho, na minha mãe e depois se matou. Comigo ele não fez nada, quis me deixar sozinha mesmo, sofrendo. Mas Deus é justo, deixou meu filho vivo e a minha mãe—ela não teve nenhuma sequela.”

Ivaneti de Araújo, coordenadora do MSTC: “Uma vez, fui convidada para uma viagem ao exterior para apresentar o Movimento Sem-Teto do Centro lá fora. Quando voltei, meu marido tinha pintado o apartamento e escrito esse ‘Eu Amo VC’ nas paredes. É bom, né? Chegar em casa e ver uma coisa assim, ainda mais para nós que lutamos o tempo todo por moradia, pelo nosso espaço, pelos nossos direitos.