FYI.

This story is over 5 years old.

Fotos

Adeus, David Armstrong

O ftógrafo morreu no sábado passado, em Los Angeles, depois de lutar contra um câncer de fígado, longe de casa mas no lugar lendário que o inspirou com seus sonhos e fantasias de glamour e beleza.

David Armstrong em Boston, 1973. Todas as fotos por Allen Frame.

Foi Nan Goldin que, em 1973, me apresentou ​David Armstrong, que tinha 19 anos.

Em Kendall Square, Nan e eu estudávamos numa escola de fotografia chamada Imageworks, e o David, às vezes, almoçava com a gente numa lanchonete próxima. Ele ainda não tinha começado a fotografar, mas estava montando um portfólio de desenhos para tentar o ingresso na Boston Museum School, onde ele e Nan viriam a se matricular no ano seguinte. Ambos tinham ido me ver quando tive uma suíte só para mim num hotel (depois convertido em dormitório), que Harvard tinha acabado de comprar, perto de Radcliffe. Começamos a frequentar juntos clubes gays de Boston que Nan e David já conheciam bem: o 1270, o Other Side, o 25 Lansdowne Street.

Publicidade

Eles tinham estudado na Satya Community School, um pequeno colégio alternativo, localizado primeiramente em Cambrige, depois em Lincoln, juntamente com a musa deles, Suzanne Fletcher, que conhecia o David desde a quinta série. Nan era a fotógrafa da escola, trabalhando com polaroides. Ela era influenciada principalmente por filmes, que eram fáceis de ver no repertório, e pelas Vogue francesa e italiana. Suzanne foi a Columbia, em Nova York, mas retornou num verão para morar com eles em Beacon Hill, Boston. Lá, Nan começou a criar, em preto e branco, seu primeiro corpo de trabalho; nele, retratava seus colegas de quarto em casa, de dia, e em concursos de drag e shows, à noite, no Other Side.

"Passávamos a tarde nos vestindo; depois, íamos ao Other Side", lembra Suzanne. Depois que ela voltou à faculdade no outono, o prédio deles pegou fogo, e Suzanne lembra de uma foto publicada no Boston Globe, com Nan e David do lado de fora do prédio, em seus quimonos.

No outono de 73, David parou de usar sua porção drag e começou a se apresentar como um garoto andrógino de jeans, não muito diferente dos jovens atraentes que ele ficaria famoso por fotografar. Na Museum School, ele passou para a fotografia, e a "Escola de Boston" de fotografia foi lançada. A química entre David e Nan, além da dedicação mútua deles em retratar a boêmia artística americana, cimentou a cena de fotografia na cidade e influenciou espíritos mais jovens, como Mark Morrisroe e Jack Pierson.

Publicidade

Armstrong no dormitório do autor,em Harvard, 1973.

Quando deixei Cambridge, em 1974, David e Nan moravam num duplex na Pleasant Street com o ex de David, o etéreo pintor loiro Tommy Chesley, e Laurie Sagalyn, outra jovem fotógrafa. (Nan me disse, na semana passada, que achou recentemente um álbum de fotos, há muito perdido, daqueles dias em Pleasant Street.) Era o começo da disco e do glamour retrô, de Barry White e David Bowie. Lembro de fazer David rir incontrolavelmente com minha imitação de uma stripper de Nova Orleans depois de uma viagem para ver o Mardi Gras. E quando penso nele, lembro do seu senso de humor expresso com um afeto despreocupado. Ele achava os absurdos do comportamento humano infinitamente divertidos.

Ele adorava estilo e beleza, mas seu dom era descobrir a vulnerabilidade e a ternura por baixo da máscara, sob a pele da beleza física. Ele tinha sido fortemente influenciado pela moda e pelos fotógrafos de estúdio da primeira metade do século 20. Fico satisfeito em pensar nele completando o ciclo na última década, com trabalhos de moda e editoriais dignos dos retratistas clássicos que o inspiraram.

Nan Goldin, Boston, 1973.

Nan, David e eu nos mudamos para Nova York por volta de 1977, eles de Boston e eu do Mississippi. Estávamos todos fotografando nossos vários amigos talentosos na cena do centro da cidade, mas com abordagens totalmente diferentes: Nan, com sua marca registrada de espontaneidade, tudo sobre contexto e relacionamentos; David, num modo de retrato formal, classicamente posado, no estilo de estúdio, mas no ambiente do tema. Seus temas eram jovens e cheios de estilo, e ele intensificava o impacto deles com um clima taciturno e noir dos anos 40. Ele fotografou a própria Nan (as fotos dela que David fez são as melhores que alguém já tirou), e ela o fotografou de óculos de sol, reclinado glamourosamente à beira de uma piscina, em Provincetown, Massachusetts. Ele criou retratos elegantes de algumas das personalidades mais icônicas da cena: Cookie Mueller, Sharon Niesp, Rene Ricard, Greer Lankton, Suzanne Fletcher e outros, como o artista Christopher Wool e o namorado deslumbrante de David, Kevin McPhee, que morreu de AIDS em 1983. (Kevin era o protótipo da procissão de modelos de aparência nórdica que passaram pelo caminho de David na última década.)

Publicidade

Em 1981, David foi incluído com vários desses retratos na exposição zeitgeist do PS1 New York New Wave, que também apresentou Jean-Michel Basquiat. Sua carreira parecia ter deslanchado, mas o vício entrou no caminho, e ele acabou voltando a Boston e passando anos lá sóbrio. Quando Nan seguiu para sua primeira reabilitação na mesma cidade, ele estava lá para apoiá-la; e quando ela se mudou para Berlim no começo dos anos 90 com uma bolsa, Nan o convenceu a se juntar a ela e acabou lhe dando o pontapé de que ele precisava para voltar à fotografia.

David Armstrong, em Boston, 1973.

O livro de 1994 em que eles colaboraram, A Double Life, foi uma revelação. Os retratos das mesmas pessoas que eles tinham fotografado separadamente nos últimos 20 anos eram justapostas (as dela, em cores; as dele, em preto e branco) com seus estilos diferentes, em páginas paralelas, criando uma meditação sobre tempo, amizade e questões formais da fotografia. David, então, começou a fazer paisagens abstratas em preto e branco (imagens silenciosas, cheias de ansiedade e com uma sensação de solidão) e começou a mostrá-las com novos retratos numa série de exposições na Matthew Marks, de 1995 a 2004. Ele voltou a Nova York no final dos anos 90 e começou a dar aulas no International Center of Photography, se mudando para uma casa velha e enorme que ele decorou luxuosamente com uma coleção eclética de móveis, arte e tecidos antigos. O lugar se tornou sua base, seu estúdio, e ele passou a fazer seus trabalhos lá e a alugar a casa para outras sessões de foto. Gradualmente, suas paisagens e retratos mudaram para coloridos, agora incluindo paisagens urbanas de Nova York e homens sensuais que ele tinha conhecido na sua vizinhança ou na Time Square, perto dos hotéis baratos que ele usava como locação.

Ele fez a curadoria de uma amostra de fotografia, em 2001, para o Photographic Resource Center, em Boston, uma série de paisagens que ele chamou ironicamente de Rock and Trees, se referindo ao gênero de paisagem tradicional a que ele e Nan tinham reagido quando começaram a fotografar seu meio social nos anos 70. Ele veio até meu apartamento para selecionar alguns trabalhos, e lembro dele me dizendo que tinha acabado de fazer o teste de HIV pela primeira vez. Ele teve de fazer check-up para uma aplicação de hipoteca de uma casa no interior e descobriu que sua contagem de células T estava perigosamente baixa. Em todos esses anos, cercado por amigos morrendo de AIDS, incluindo seu namorado Kevin, e ele nunca tinha feito um teste de HIV. Ele riu de si mesmo e de seu próprio estado de negação enquanto me contava que, claro, o médico o tinha colocado sob um regime restrito logo depois. Ele morreu no sábado passado, em Los Angeles, depois de lutar contra um câncer de fígado, longe de casa mas no lugar lendário que o inspirou com seus sonhos e fantasias de glamour e beleza.

Veja as contribuições de David Armstrong para a VICE​aqui.

​Allen Framemora em Nova York, onde ensina fotografia na School of Visual Art do Pratt Institute e no International Center of Photography. Ele é representado pela ​Gitterman Gallery.

Tradução: Marina Schnoor