"Vamos Millionarios, que esta noche tenemos que ganar!"Foi com esse som, de quase três mil barra bravas argentinos, que entrei no Morumbi ontem. Eu, são-paulino dos doentes, pai de um filho chamado Raí, acostumado a assistir às partidas ao lado da Torcida Independente, tinha como missão acompanhar a "decisão" entre São Paulo e River Plate da torcida adversária. Se os hermanos vencessem, garantiriam a liderança e se classificariam para a próxima fase da Libertadores. Caso o tricolor ganhasse, se manteria vivo na competição. Não tinha como ser fácil.
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Assim que cheguei à arquibancada, sentei para conhecer o ambiente. Dei um giro de 360°, olhei rosto por rosto. Era um ambiente diferente. Observar mais de 50 mil são-paulinos pulando e cantando e não poder abrir a boca foi a parte mais difícil. Infeliz, eu não podia ficar quieto. Fui me enturmar e, logo de cara, conheci dois brasileiros. "Minha vó é argentina e sempre gostei do River Plate, por isso estou aqui", disse o músico Gabriel Izar, que assistia pela primeira vez a um jogo do River Plate no Brasil, acompanhando sua mãe Dagmar Izar. "Mas eu sou verdão."Dez minutos depois, eu estava pulando e cantando ao lado dos fanáticos argentinos barra bravas. Na verdade, não entendi nada do que cantava. Mas, para disfarçar e parecer que eu sabia, mexia a boca. Fiz amigos, tirei fotos, tirei selfies. Por um momento, me passei por argentino. Acho.
O jogo começou e a torcida argentina não parava. Lá no meio conheci Adrian Marcos Balboa. Quis entender o significado dessa loucura pelo time argentino. "Eu tenho uma mãe, uma filha e o River Plate", disse. Eu não precisava ouvir mais nada. Com essa frase, eu já tinha entendido tudo. Eles são mesmos fanáticos: o clube fica ali, entre a mãe e o filho. Tipo um irmão bem próximo, algo assim.
A partida começou melhor para o São Paulo. O gol do argentino são-paulino calou os barra bravas. Quando olhei para o meu lado direito, ouvi um rápido diálogo. "Foi de quiém?", um torcedor perguntou. O amigo, do lado, abaixou a cabeça, fez sinal de negativo e respondeu: "Calleri". Para os torcedores, qualquer um jogador do Tricolor poderia marcar o gol, menos Calleri, ídolo do maior rival Boca Juniors.
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Neste momento a torcida argentina ficou quieta. Mas, a cada carrinho e cada chute a gol do São Paulo, uma senhora do meu lado esboçava uma reação atípica entre torcedores argentinos – era como se vibrasse contida. Encostei nela e perguntei baixinho: "A senhora é brasileira né?". Com a mão na boca, ela respondeu: "Sim, mas não fala para ninguém". Rebati, ainda mais baixo: "Tá bom. Também sou são-paulino". Então gargalhamos juntos. Estávamos em casa.
A dona Rita de Oliveira, são-paulina fanática, acompanhou o filho, Ulisses de Oliveira. Eles não conseguiram comprar ingressos para a torcida do São Paulo e decidiram assistir junto dos adversários. "Estou muito triste porque gosto de pular, gritar. Na verdade, eu queria estar ali", disse, apontando para o lado direito, onde a Torcida Independente estava localizada e fazia uma grande festa.No intervalo da partida, conheci Luiz Allejandro, argentino que vive em Campinas, em São Paulo, há 21 anos. Bem caracterizado, com uma toca chamativa, "Alle", como é conhecido entre os barra bravas, vai a todos os jogos do River no Brasil. "Na Vila Belmiro, estádio do Vasco, aqui no Morumbi, Pacaembu, Belo Horizonte", elencou.
Além das pessoas que vieram da Argentina acompanhar o jogo no Brasil, havia uma filial da torcida do River em São Paulo com cerca de 50 pessoas, um grupo de argentinos vindo de Búzios (RJ) e até um grupo de torcedores do Internacional, onde D'Alessandro, craque do River, até o ano passado era ídolo.Falando em D'Alessandro, ele estava envolvido no tumulto que aconteceu dentro de campo no começo do segundo tempo, pouco depois do segundo gol do São Paulo e de Calleri. Saiu na mão com quem? Calleri, claro. Saiu ileso e, furioso, cavando brigas com todos os jogadores tricolores, foi substituído pelo técnico do River. O São Paulo então passou a dominar o jogo e, como há muito não se via por lá, o estádio inteiro passou a gritar "olé". Eu também gritava, mas por dentro, se é que me entendem.
Mesmo com um a menos, o River conseguiu diminuir o placar. A torcida gringa voltou a cantar e, até o final do jogo, não parou mais. Eu, no meio dos loucos barra bravas, também pulei, cantei e vibrei, afinal, meu time havia vencido e, para mim, não importava onde estava, eu só queria comemorar. E fazer isso ao lado de quase três mil adversários, em clima de paz, teve um gosto muito melhor do que se eu estivesse longe deles.