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Música

Bassline: A Cena Dance do Reino Unido Que Foi Morta Pela Polícia

Lembra do bassline – a maior contribuição do norte da Inglaterra à música dance desde que Manchester descobriu as pílulas e carinhas sorridentes?

Frequentadores do clube Niche, Sheffield, o lar do bassline.

Lembra do bassline – a maior contribuição do norte da Inglaterra à música dance desde que Manchester descobriu as pílulas e carinhas sorridentes? Era tipo um garage inglês mais instável, como se o So Solid curtisse mais dançar e vocais agudos femininos do que calças de couro e crimes armados.

O gênero – nascido em algum lugar no começo dos anos 2000 – estava no auge em 2005, quando centenas de clientes viajavam todo final de semana até o clube Niche, em Sheffield, para ouvir o bassline em seu próprio território.

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Infelizmente, esse também foi o ano em que a cena encontraria seu fim, depois que 300 policiais invadiram o Niche, alegando que o local era uma “boca de fumo”, ou seja, que o lugar estava sendo usado para vender drogas Classe A (categoria de drogas usada no Reino Unido que inclui a cocaína e o crack). O que, pra dizer a verdade, realmente acontecia. Mas as consequências da batida policial foram muito além do que seria considerado normal na época. Mesmo que a polícia britânica ainda acabe com raves, com certa frequência, uma década depois – o cancelamento do evento Just Jam no mês passado em Londres é o exemplo mais recente – o que aconteceu é que, nesse caso, eles conseguiram mesmo dar fim ao bassline.

Clube Niche na Sidney Street, Sheffield.

Por um tempo, o bassline era conhecido como a “música do Niche” – o clube e o som dentro dele eram sinônimos. A cena também emergiu enquanto a maior parte do Reino Unido ainda fazia a transição da conexão discada para a banda larga, o que significa que as fitas de compilação que os DJs do Niche lançavam eram o único acesso que os fãs tinham à música. Na verdade, os lançamentos naquela época raramente iam além de vinis de 12 polegadas – até que o T2 lançou “Heartbroken” em 2007 e todo DJ residente da Yates do país começou a tocar bassline entre “Umbrella” e Cascada.

Numa gravação, que estava escondida num hard drive de Alex Deadman, DJ e MC de Sheffield, Steve Baxendale, o fundador e proprietário do Niche, fala abertamente sobre a ascensão e queda de seu clube. No final, de acordo com a entrevista de Alex, o Niche se tornou uma verdadeira guerra entre seguranças e gangues de traficantes que congregavam lá dentro. Uma noite, em 1998, dois seguranças foram esfaqueados e Michael, irmão de Steve – especialista em artes marciais e gerente do Niche na época – foi brutalmente assassinado dentro do clube. Mas as coisas não eram assim quando tudo começou, muito antes do bassline aparecer nos anos 2000.

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“A cena underground seguia forte no começo dos anos 1990 – todo mundo estava de saco cheio dos clubes comerciais e do regime militar [pelo qual você tinha que passar para entrar neles]”, diz Baxendale no começo da gravação. “As pessoas queriam ouvir música underground e relaxar em paz.”

Os frequentadores do niche – clique para aumentar. (Fotos cortesia de nichebackintheday.com).

Em 1992, Steve comprou um armazém abandonado na Sidney Street – um dos muitos em Sheffield na época – e montou o Niche, na época, um clube de house basicão que funcionava a noite inteira. “Água era o que a gente mais vendia porque, obviamente, a cena das drogas era forte na época”, disse Steve. “Mesmo quando estávamos sem traficantes, não dava para impedir as pessoas chapadas de entrar. E a gente preferia que elas estivessem chapadas – bebendo água, sem violência, música incrível, todo mundo suando muito, tirando a camisa, as garotas de biquíni. Era fantástico – estávamos com tudo.”

Nesse ponto, as únicas drogas que entravam pela porta do Niche vinham nos bolsos dos usuários, não dos traficantes. “Não havia violência na época, porque não havia a guerra por território. Os traficantes ficavam de fora – todos os problemas ficavam com os traficantes.”

Apesar de ninguém ser esfaqueado, as drogas ainda eram o inimigo. “Por três anos, foi batida atrás de batida – estávamos contra as autoridades na época”, disse Steve, provavelmente porque eles ainda operavam o lugar de maneira ilegal. “A molecada adorava ser jogada na parede como uma estrela do mar e revistada. A polícia podia achar um pouco de maconha com eles, daí ela ia embora e uma hora depois já estávamos funcionando de novo. Eles desligavam nossos alto-falantes e mesas, então, sempre tínhamos um sistema de som substituto funcionando. Voltávamos à ativa direto.”

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Dentro do Niche.

Depois de três anos atraindo cada vez mais gente, em 1995, Steve reformou o armazém para se encaixar nas regulamentações de segurança relevantes. Mas o Niche já tinha uma má reputação com as autoridades e só teve permissão para se tornar um local de eventos legalizado com uma condição: não ter licença para vender álcool. Uma decisão estranha para um clube que já era notório pelo uso de drogas e onde – previsivelmente – cada vez mais frequentadores já chegavam fritando, sem se importar muito por não poder pagar £4 em um pint aguado. “É fato que os clubes não conseguem sobreviver sem que as pessoas estejam tomando algum tipo de substância”, argumenta Steve.

Clique para aumentar. (Fotos cortesia de nichebackintheday.com).

Mais ou menos dois anos depois que o Niche foi legalizado, as autoridades locais “perceberam que não íamos a lugar nenhum” e deram ao Steve a licença para vender bebidas. Foi nessa época que o bassline começou a emergir.

“Os DJs perguntaram se podiam tirar os vocais do speed garage e do house, e aumentar um pouco o baixo”, disse Steve. “Isso levou à mudança de uma cena predominantemente branca para uma predominantemente negra. A música bassline estava evoluindo. Londres nunca teve bassline como tivemos aqui – eles tinham o grime. Foram os DJs do Niche que criaram o som.”

Com mais gente ouvindo falar no bassline, o Niche – tanto na parte espiritual como física na época – começou a ficar mais movimentado. “Caras do país inteiro vinham para cá à procura dessa música nova”, diz Steve. Infelizmente, esse influxo de gente de fora também começou a atrair bandidos de outras cidades. “Eles nos viram como um alvo fácil. Eles sabiam que todo mundo estaria chapado – demanda e oferta bem ali”, disse Steve. “Se eles pudessem pegar uma porcentagem desse mercado, eles iam se dar bem. Então, nossa guerra estava em impedir que esses traficantes entrassem, e – acima de tudo – nos certificar de que o porteiro ficasse do lado certo.”

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Um cara com uma tatuagem do logo da Niche.

A cena prosperava, mas quanto mais movimentada ela se tornava, mais Steve tinha que lidar com traficantes e bandidos em sua pista de dança.

“A polícia sabia que uma guerra estava acontecendo, mas eles não apreciavam o trabalho que tínhamos para impedir essas pessoas de entrar – eles achavam que fazíamos vista grossa”, ele diz. “Os traficantes não tentavam pesar para cima da gente, nós conhecíamos o jogo. Tínhamos caras legais trabalhando para nós – caras trabalhadores e durões que sabiam como levar uma briga. A única coisa de que os traficantes entendiam era violência; era cão come cão naquela época. Tínhamos que sobreviver porque tínhamos um bom clube. A lei não gostava da gente porque tínhamos nossas próprias regras, que contrariavam as deles.”

Sem surpresa, quando você decide que suas regras são completa e violentamente contrárias às da lei, as autoridades normalmente decidem foder com você. E foi exatamente isso que aconteceu em novembro de 2005: mais de 300 policiais invadiram a Niche numa batida batizada por eles de “Operação Repatriamento”. Considerando os laços da Niche com a cultura negra, é difícil acreditar que a polícia se safou depois de dar esse nome à operação, mesmo uma década atrás.

De acordo com Baxendale, a polícia argumentou que o clube estava “atraindo uma clientela indesejável de todas as áreas de gangues negras, que traziam seu comportamento ruim para a cidade”. Mas, na verdade, “eles invadiram sob a acusação de que o lugar era uma 'boca de fumo', porque os frequentadores podiam comprar drogas no clube, foi o que eles disseram”.

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A cena dos clubes do Reino Unido sempre ficou no fogo cruzado da guerra contra as drogas, mas a maneira como a polícia de South Yorkshire e as autoridades de Sheffield declararam guerra abertamente ao Niche, à cena bassline e às pessoas envolvidas foi sem precedentes. Apesar da administração do clube não ter sido oficialmente acusada de nada, o Niche foi fechado. Isso, no entanto, foi a única vitória da polícia; tudo o que a batida encontrou, segundo uma reportagem local particularmente inflamatória, foi um punhado de pílulas. Considerando que a operação custou £680.000 (mais de 2,6 milhões de reais hoje) aos cofres públicos, isso só pôde ser classificado como um completo fracasso e os oficiais que orquestraram a coisa toda foram subsequentemente despachados para o País de Gales.

Sem o Niche, o próximo passo foi banir o bassline e a “clientela indesejável” que ele supostamente trazia a Sheffield. Nos anos seguintes, Steve abriu um clube chamado Vibe em Charter Row, no centro da cidade, mas não permitia que seu DJs tocassem bassline. “Devido às restrições da polícia, a política musical do Vibe se baseava nos clássicos e vocais, com a proibição das então infames produções 4x4”, explica Baxendale. [O 4x4, nesse caso, se refere a um estilo novo e mais feminino de bassline que emergiu no final dos anos 2000.]

Outros donos de clubes e a polícia conseguiram proibir que o gênero fosse tocado em todos os lugares de Sheffield e a campanha foi um sucesso. Os DJs locais de bassline Jamie Duggan e Shaun “Banger” Scott disseram que sentiram como se tivessem sido pessoalmente proibidos de tocar em qualquer lugar da cidade e, mesmo quem odiava o estilo concorda que sua morte foi prematura.

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Altos níveis de segurança (“Eles colocaram câmeras dentro do clube que transmitiam direto para a delegacia de polícia, essa era uma das condições deles”, disse Steve na época) mantiveram a Vibe longe de encrenca nos primeiros anos e, em 2009, as restrições foram levemente relaxadas. Steve decidiu então expandir as premissas da Vibe para criar uma réplica do antigo clube da Sidney Street. “O Niche começou a respirar de novo na cidade que o criou”, disse Baxendale, lembrando como as pessoas da cena original de bassline voltaram a congregar no novo clube.

Mas a vida do Niche em Charter Row foi curta. As restrições eram pesadas e um tribunal forçou o clube a usar cartões de sócio, que demoravam semanas para serem emitidos. O negócio estava se tornando inviável e Steve estava ficando de saco cheio. “As regras estavam estabelecidas; eles não iam aceitar isso, então, desarmei o acampamento e parti para outra.”

Logo depois de dar a entrevista que Alex Deadman compartilhou comigo, o Niche foi forçado a ir para fora de Sheffield para sempre, levando a cena bassline da cidade com ele. A relação entre música dance, vida noturna, drogas e criminalidade na história do Niche demonstra como melhorar as políticas sobre drogas também ajuda a vida noturna britânica. As leis proibitivas que existem atualmente são o que sustenta os traficantes que deixaram a cena bassline de joelhos; descriminalize todas as substâncias que eles estão vendendo e eles não terão mais um mercado pelo qual se esfaquear. Claro, é tarde demais para salvar o bassline, mas esse é um pensamento que pode fazer uma grande diferença no futuro da cultura britânica.

Um documentário sobre a ascensão e queda do Niche deve ser lançado no final do ano, e inclui uma entrevista recente com Baxendale, que a equipe de filmagem conseguiu rastrear até a Espanha. Todas as fotos sem crédito são cortesia da equipe do documentário.

Siga o Liam (@liamdeacon) e o Alex (@DeadmanJunglist) no Twitter.