Comprar armas de fogo legalmente no Brasil é uma grande treta. Desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, em 2003, aumentou consideravelmente a burocracia a qual uma pessoa não ligada à polícia, a grupos de segurança, ou ainda que seja atleta de tiro precisa se submeter para adquirir uma pistola, revólver, ou arma longa.

A possibilidade de se comprar um trabuco ainda existe no país por causa de um referendo realizado em 2005 que graças ao artigo 35 do Estatuto não entrou em vigor. Diz ele literalmente: "É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades (polícias, guardas e exército) previstas no art. 6º desta Lei".

No entanto, não é novidade que as leis são descumpridas e que pessoas se dão bem as desrespeitando. A VICE descobriu um blog que oferece o serviço de entrega de armamentos, enviados do Paraguai, para qualquer cidadão brasileiro que queira portar (mesmo que irregularmente) uma arma de fogo.

O paraguaiarmas.wordpress.com oferece revólveres, pistolas, fuzis, espingardas e munições. "Atuamos na venda de armas a (sic) vários anos e agora estamos expandindo nossas vendas pela internet. Somos totalmente experientes e podemos oferecer a você cliente uma transação totalmente segura e confiável, entre em contato conosco e tire suas dúvidas", diz trecho de descrição da página.

Entre os calibres descritos no blog estão o 380, 38 (de uso permitido), além dos calibres 765 e 9 mm (de uso exclusivo das Forças Armadas). O coronel Alberto Malfi Sardilli, comandante do Comando de Policiamento de Área 7(CPAM7), da Polícia Militar, e ex-comandante da Rota e da Cavalaria, explicou que, mesmo que a pessoa tenha o porte de arma, caso seja pega com uma arma 9mm, por exemplo, é indiciada pelo crime de utilização de arma de uso restrito. "Houve uma situação em que o ladrão entrou na casa da vítima, que tinha uma 9 mm e se defendeu. A pessoa tinha porte e tudo. A situação foi de legitima defesa, mas mesmo assim o homem foi indiciado por usar uma arma de calibre restrito."

O blog continua sua descrição dizendo que cobra "um pequeno acréscimo" ao valor real da arma, sendo isso "o lucro" deles. "Temos inúmeros clientes satisfeitos pelo Brasil. Nosso trabalho consiste em facilitar a sua aquisição de uma arma. Já que no Brasil é totalmente burocrático e não existe segurança pública, nós precisamos estar seguros, assegurar nossas famílias, por isso, estamos oferecendo a você cliente, esta oportunidade".

Segundo apurado pela VICE com um empresário ligado à comercialização legalizada de armas em São Paulo (ele pediu para não ter o nome publicado por questões de segurança), um revólver custa em média R$ 1,5 mil; uma pistola calibre 380 sai por uns R$ 2.650 e a pistola calibre 9 mm, a que nenhum cidadão pode ter, custa a bagatela de R$ 3,5 mil.

O analista criminal Guaracy Minguardi afirmou ser "uma prática comum" brasileiros irem ao Paraguai, comprarem armas e as despacharem pelo correio. "A compra irregular de armas paraguaias acontece faz tempo. Mas antes, as pessoas tentavam passar pela fronteira e, em alguns casos, o armamento era pego e devolvido aos lojistas."

A saída para os compradores irregulares que não conseguiam atravessar a Ponte da Amizade foram os despachos pelo correio. "Essa informação dos sites fazerem o serviço não é algo impossível. Pode ser uma sofisticação do que era feito (presencialmente). Mas também pode ser um golpe."

Foto: Reprodução

O blog ainda explica que pessoas fazem a travessia das armas para o Brasil, garantindo com isso que o endereço do cliente não seja rastreado. "O envio é realizado do Brasil, não se trata de um envio internacional", diz trecho de nota da página que finaliza: "nós atravessamos a fronteira com o Brasil e enviamos sua mercadoria através de transportadoras. Tudo é realizado de forma segura. Visamos sempre à segurança de nossos clientes".

Segundo o artigo 6º da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (conhecida como Lei do Desarmamento), o porte de arma de fogo é proibido em todo o território nacional, "salvo para os casos previstos em legislação" ou ainda "para membros das Forças Armadas; Guardas Civis Municipais; agentes da Agência Brasileira de Inteligência; do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais; das escoltas de presos e as guardas portuárias; empresas de segurança privada e de transporte de valores; para os integrantes das entidades de desportos legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo; integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho; tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados".

O deputado estadual Roque Barbiere (PTB) se reuniu no dia 16 com Benê Barbosa, do Movimento Viva Brasil, para a feitura de uma moção que peça a votação, na Câmara Federal, do Projeto de Lei do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), que propõe a facilitação da emissão do porte e da aquisição de armas de fogo no Brasil. "É uma burocracia desgraçada (para se conseguir o porte e comprar uma arma). O estado é burro em proibir o direito do cidadão em se defender. O bandido, por exemplo, sempre terá a arma dele independentemente de qualquer lei proibindo isso", afirmou o deputado.

A opinião dele é endossada por Barbosa, que afirmou ser necessário modernizar a legislação. "As leis sobre armas precisam realmente funcionar, para manter o controle de fiscalização, mas sem tirar da população a liberdade de ter uma arma para defesa".

Segundo a Polícia Federal, o registro de armas de fogo aumentou 293,2% no estado de São Paulo entre 2002 e 2012. Já o número de expedições de portes caiu quase 98%.

Em 2002, civis registraram 327 armas e em 2012 foram 1286, ano este com o maior índice de emissões de documentos para se comprar armas de fogo curtas (pistolas e revólveres) e longas (espingardas e carabinas). O registro dos armamentos permite que sejam mantidos intramuros (residências, áreas rurais ou ambiente de trabalho).

A diferença entre registros e portes é que os primeiros permitem que a pessoa tenha armas em ambientes fechados. O segundo autoriza a circulação em qualquer lugar com a arma na cinta.

Ainda segundo a PF, foram expedidos 446 portes de arma entre 2002 e 2003. Após o lançamento do Estatuto do Desarmamento a expedição dos documentos caiu bruscamente. A lei foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para se ter uma ideia, em 2012, só 22 pessoas conseguiram autorização para circular com armas pelo estado de São Paulo.

O comerciante legalizado de armas com o qual a VICE conversou explicou que antes de se comprar um revólver ou espingarda é necessário cumprir algumas etapas.

Após isso, o interessado ainda precisa pedir autorização da PF para comprar uma arma. A resposta pode demorar de seis meses a um ano.

O candidato a ser dono de uma arma também não pode contar com histórico criminal. O assunto ainda vai gerar muito tiroteio entre quem é contra e a favor.