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Salvando o Sudão do Sul

Capitalismo Cowboy

Como hienas na carniça, investidores vorazes tramam alianças com senhores da guerra e sugam o petróleo do recém-criado Sudão do Sul, antes que a corrupção incontrolável e a guerra façam de seus negócios uma aposta com a morte.

O investidor americano Philippe Heilberg, o único branco, posa para foto ao lado de soldados leais ao general Paulino Matip Nhial.

Foto: Jenn Warren

A VICE foi ao Sudão ver como uma das civilizações mais ricas e avançadas durante os séculos de colonialismo na África transformou-se num país castigado por golpes de Estado, ditaduras e desmandos, mergulhado numa série de conflitos intermináveis após a independência, em 1956. Nesta série de 22 capítulos, Robert Young Pelton e o fotógrafo Tim Freccia mostram de perto o que acontece num dos maiores países do continente africano, rico em petróleo e guerras, rachado ao meio em 2011, e com um futuro incerto pela frente.

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Alguns empresários até tentaram investir no Sudão, um dos mais violentos países da África, separado ao meio em 2011, depois de anos de guerra civil. Em pouco tempo, os homens de negócio transferiram seus planos de exploração petrolífera para companhias do governo que operam tanto no sul quanto no norte do país e são chamadas paraestatais – corporações com grande fonte de recursos, aparentemente imunes tanto à crítica internacional quanto às violações dos direitos humanos envolvendo a extração de petróleo.

Mas, assim como Roland “Tiny” Rowland havia se aventurado no jogo de pôquer que eram os investimentos na África, uma nova rodada de capitalistas começou a apostar no Sudão no começo da década de 2000, com o surgimento de rumores de uma possível pacificação. Começaram a chegar a Juba, capital do recém criado Sudão do Sul, pessoas que estavam por dentro do jogo, que sabiam das reais chances de estabilidade. Mesmo que, na mesa de apostas, a casa sempre tivesse mais chances de ganhar nesse jogo de tudo ou nada, alguns estavam dispostos a driblar as estatísticas e pôr suas fichas no vasto potencial petrolífero e agrário do local.

Entre os recém-chegados estava o libertário Philippe Heilberg, ex-corretor de mercados que não hesitava em se envolver na demarcação e modificação de fronteiras e fazer negócios com senhores de guerra, prosperando à luz do agressivo “capitalismo cowboy” americano – o modelo de negócios em que o mercado é o único senhor e a regulação estatal inexiste.

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Em 2003, dois anos antes do acordo de paz que abriu caminho para a independência do Sudão, a companhia de investimentos de Heilberg, Jarch Capital, assinou um acordo de direitos de exploração petrolífera e comercialização de commodities com o Movimento Popular pela Libertação do Sudão (SPLM, na sigla em inglês) – braço político do Exército Popular pela Libertação do Sudão, que viria a se desprender e formar parte do governo do Sudão do Sul após 2011.

O contrato também estabelecia que o SPLM deveria notificar a Jarch Capital antes de fechar qualquer acordo comercial na região. Atualmente, o governo do Sudão do Sul alega que o contrato é inválido; Heilberg, por sua vez, acusa as partes envolvidas nas negociações de operar “em desacordo com a lei internacional” e afirma que, um ano e meio após a assinatura do contrato de exclusividade, o MPLS fechou contrato com a companhia britânica White Nile Ltda., que colidiria com o primeiro acordo. Após essa violação, o ex-corretor apontou altos funcionários que estariam diretamente envolvidos ou, ao menos, “cientes do acordo anterior”. A lista incluía John Garang, sua esposa, Rebecca, Riek Machar – ex-presidente do Sudão do Sul que caiu em desgraça depois de ser acusado de tramar um complô golpista – e uma série de funcionários do governo.

O que não faltavam eram acordos duvidosos. Além de comprar os direitos sobre a área mencionada, Heilberg havia também arrendado um milhão de acres de terra no Condado de Mayom, do general Paulino Matip Nhial – famoso comandante que, de fato, não possuía as terras em questão. Em 2008, um grupo sediado no Texas, com o peculiar nome de Nile Trading and Development, alegou ter arrendado o Condado de Lainya inteiro do chefe local Scopas Lodua, num acordo que rendeu à empresa 1,5 milhões de acres. Por mais estranho que possa parecer, isso é apenas metade do tamanho real do Condado de Lainya. Quando contatado pela rede britânica BBC em julho de 2012, Lodua disse: “Assinei, mas eu não sabia o que (o contrato) dizia”.

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Em artigo para a revista Rolling Stone publicado pouco antes da independência do Sudão do Sul, o jornalista McKenzie Funk descreveu a companhia e a filosofia de Heilberg como uma tentativa arriscada e simpática dos senhores da guerra de explorar a falta de sofisticação de mercados emergentes. Mas esses “capitalistas-cowboy” logo aprenderam uma dura lição e puxaram as rédeas de suas ambições.

Em abril de 2013, no entanto, o tom adotado por Heilberg enquanto falava a um salão lotado de estudantes de MBA da Universidade Duke foi bem diferente. Ele alertou-os quanto a investimentos de risco: nesses casos, os custos de capital poderiam chegar a 100%. Em outras palavras, você poderia perder todo seu dinheiro.

Quanto a negociações no Sudão do Sul, o ex-corretor disse aos alunos: “Não há governo. É um completo e total desastre. Enquanto não enforcarem ou aplicarem punições draconianas a ministros comprovadamente corruptos, o problema não chegará a um fim.”

Oportunismo, jogo duplo, falsidade e corrupção deslavada no Sudão do Sul? Quem poderia imaginar?! Africanos levaram a melhor, e foi assim que Rowland e as empresas Chevron, Arakis, White Nile, Nile Trading and Development e Jarch Capital deixaram a arriscada mesa de pôquer do Sudão do Sul.

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Tradução: Flavio Taam