FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Chuva de Likes: Às Vezes Fazer Sucesso na Internet Pode Dar Ruim

Uma jovem de 13 anos foi espancada pelo seus colegas porque suas fotos fazem sucesso nas redes sociais.

Todas as fotos são do Felipe Larozza.

A cena foi rápida. Uma encarada, uma trombada e a ameaça. "Eu não sou de conversa, sou de agressão". Depois de muitos chutes, tapas e socos a vítima sente o metal gelado de uma tesoura acertar sua carúncula (esse é o nome feio para aquele cantinho no ângulo interno do olho). Ela abaixa a cabeça e recebe mais uma saraivada de agressões. Numa brecha, e com a ajuda de um amigo, consegue fugir para o banheiro feminino. Lá, ajudada por outras duas pessoas, consegue se livrar das outras porradas que lhe aguardavam. Um grupo anunciava pelo Whatsapp que às 18h teria mais. Em uma das mensagens de voz um dos jovens anuncia. "Aê, Cunha. Não esquece de levar celular pra gravar de novo".

Publicidade

A treta rolou na terça-feira, 24 de fevereiro, por volta das 13h, dentro da Escola Estadual Ângelo Bortolo, no bairro de Bortolândia, extremo-norte da cidade de São Paulo. Aparentemente, o maior crime de NLDPB, de 13 anos, é ser uma webcelebridade da quebrada. Suas fotos batem 300, às vezes 500 likes, no Facebook e Instagram,gerando uma porção de haters na vida real. Há meses, algumas alunas do mesmo colégio vêm provocando a adolescente e sua irmã LLDPB, de 15 anos. "Nas férias, a gente postava foto. E os meninos comentavam: 'Bonita, não sei o quê'. Aí elas começaram a tumultuar, marcando as amigas delas", comenta a irmã, que vez ou outra é parada com pedidos de fotos por seguidores nas ruas do Jaçanã, Jova Rural. "O pessoal pede pra tirar foto com a gente pra ter mais like", conta a irmã. Principais pivôs da confusão, duas garotas de 12 anos estão sendo acusadas pela ocorrência.

A popularidade das meninas se tornou o tormento da mãe na última semana e, talvez, marcará a rotina da família nos próximos anos. "A gente vai ter paz? Não", conta Sarita Leite de Paula, de 38 anos. E completa. "Quem me garante que na escola nova outro 'ruinzinho' não aparece pra pegar elas [sic] também?". Em abril do ano passado, na cidade do Limeira, interior de São Paulo, uma estudante de 15 anos foi espancada por ser bonita. Caso parecido se repetiu em setembro do mesmo ano. Em Sorocaba, também no interior do Estado, uma garota de 13 anos ficou internada depois de apanhar e perder dois dentes numa briga motivada também por sua beleza.

Publicidade

"Os grupos em geral são homogêneos. Quando alguém foge do rebanho, tende a chamar atenção. Pode ser porque é menos, porque tem um defeito. Ou porque tem alguma vantagem: financeira, de beleza. Isso é um elemento de dinâmica de grupo", explica o psicanalista, professor e líder da área de Humanidades e Direito da ESPM Pedro de Santi. Além disso, o especialista identifica um novo comportamento na sociedade atual: "A gente imaginava (e ainda imagina) que,como as mídias sociais são muito novas ainda, não teríamos aprendido a se comportar bem nelas e [que] um dia teríamos uma etiqueta razoável. O que me parece é o contrário: a etiqueta da mídia digital tá vindo pra vida real. Essa instantaneidade da resposta, a falta de mediação. O curtir ou não curtir, a gente tá levando pro dia a dia".

Dentro do colégio, a ordem que vigora é o silêncio. Diretor, coordenadores e professores são instruídos a não se pronunciar. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo enviou uma nota oficial desconexa falando sobre a importância do professor-mediador, que, segundo a secretaria, é um "profissional presente na rede estadual de ensino capacitado para identificar vulnerabilidades e traçar estratégias preventivas aos conflitos", mas,na ocorrência do Ângelo Bortolo, esse profissional não previu nem interveio, segundo testemunhas. E a nota acrescenta que "os pais foram acionados para, em conjunto com a escola, definirem as medidas em relação aos estudantes. A aluna também é acompanhada, assim como seus familiares". Até agora, os responsáveis da segunda acusada ainda não compareceram, e ela foi assistir às aulas normalmente na sexta-feira, dia 27.

Publicidade

A VICE pediu à secretaria o número de agressões do ano passado, mas não há esse dado de 2014 ou de nenhum outro ano. Em uma conversa reservada com a mãe da aluna agredida, o diretor da instituição, Washington Luis dos Santos, revela que, nos últimos cinco anos, o Ângelo Bortolo registrou sete ou oito conflitos. Segundo NLDPB, a aluna agredida, um dia antes de cortarem seu cabelo e quase a cegarem, outras três brigas aconteceram no local. "Foi uma lá dentro, uma na saída e uma de manhã." Washington, na mesma conversa, ainda tenta persuadir a mãe da menor agredida: "Lá fora, na justiça, você fez o boletim de ocorrência. Aqui na escola, analisando o caso, fico calado, porque sua filha teve parcela de culpa também." A mãe gravou a conversa e nos forneceu o áudio.

Contratada como professora-auxiliar de 2012 a 2014, uma ex-funcionária, que não quis se identificar, relata que não renovou seu contrato pelos problemas estruturais do instituto. "Eu não quis continuar pelas condições de trabalho, por ter de fazer papel de professora e direção e pela indisciplina dos alunos." E não dá boi para a diretoria. "É uma escola problemática por conta da ausência da direção. Nada é feito: já teve caso de aluno que quis agredir professor e nada foi feito. A escola não toma atitude, a direção não toma atitude." As brigas, como essa da última terça-feira, não são tão raras assim. "Já presenciei briga, tem muita bomba na escola e nada é feito. Os alunos soltam muita bomba, inclusive direto [sic] perto da sala dos professores. Aluno quebra vidro e nada é feito." A professora fala dos traumas que isso vem causando em outros funcionários. "Tem muito professor de idade lá que toma antidepressivo e que pega licença, porque não aguenta", conclui.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Lemann com mil professores do Ensino Fundamental (I e II) em todo o Brasil fez o seguinte questionamento: quais os fatores precisam ser enfrentados com mais urgência? No topo da lista, com 21%, está a falta de acompanhamento psicológico para os alunos que precisam disso. Na sequência, com 14%, está a indisciplina dos estudantes; e, logo abaixo, com 12%, a defasagem de aprendizado.

Segundo a delegada do caso Andréa Costa, do 73º Distrito Policial, um inquérito foi instaurado. "Nós estamos qualificando as adolescentes e estamos encaminhando para a Vara da Infância e Juventude. Lá é o juiz que vai decidir qual é a punição que vai ser aplicada."A delegada ainda revela qual pode ser o futuro das duas adolescentes acusadas da agressão. "O juiz vai adverti-las, porque nunca tiveram problema com a Vara da Infância, e provavelmente elas vão receber uma advertência oficial." A impunidade (e até certa negligência) tem sido uma constante no Ângelo Bortolo e em muitos outros colégios do Estado de São Paulo, porém,no caso da menor NLDPB, a postura de sua mãe pode mudar um pouco esse quadro. Sarita conta que sua filha está deprimida.Mas ela, mesmo sem esconder o medo, optou por seguir em frente. "Hoje, a minha filha escapou, mas amanhã alguém pode morrer. Por isso, eu acho que as pessoas têm de denunciar. Se a gente abafar, pode ficar pior."