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​Colocando as Táticas em Dia no 2º ato Contra a Tarifa do RJ

Enquanto os manifestantes corriam na contramão, a polícia ia atrás segurando fuzis.

A era da informação tem um problema: somos bombardeados o tempo todo via celular, computador, correios e televisão. Geral já se acostumou a fazer aquela leitura dinâmica em que você olha, mas não vê. Numa dessas, eu já cheguei a uma audiência (artigo 28, claro) no dia certo, mas no mês errado – e o pior é que eu olhei a intimação junto com o advogado, outro sensacional sequela. Bem, desta vez foi mais suave: eu acertei a data e o horário da concentração do 3º Ato do Rio de Janeiro Contra a Tarifa, mas errei o local. Eu me dirigi à Cinelândia, onde começou o ato anterior. A praça estava lotada de PMs. E tinha só uns três manifestantes perdidos: "Cadê todo mundo? Já saiu o ato?". Aí alguém disse que "parece que é na Candelária". Em alguns segundos, o robozinho que eu carrego no bolso me confirma a informação. Da Cinelândia pra Candelária, é 1,3km em linha reta, tarefa fácil não fossem os quase 40 graus e os milhares de transeuntes, artistas de rua e camelôs vendendo de cartela de Pramil a prolongador de pau de selfie.

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A concentração estava cercada de policiais da Tropa de Choque no estilo Robocop, além de PMs comuns. Pelo caminho também notei vários grupos de policiais amontoados em esquinas estratégicas.

Por volta das 18h15 a galera tomou as ruas, descendo a Av. Presidente Vargas em direção à Praça da Bandeira pela pista principal.

Além de dois helicópteros, uma longa fila indiana de PMs escoltava o ato pelas laterais. Vários carros e ônibus seguiam no final; à frente, motos da Tropa de Choque e da CET-RIO iam abrindo o trânsito.

Embora as pessoas pudessem entrar e sair do cerco policial sem problemas, a sensação de "envelopamento" não era muito agradável.

Como se já não bastasse todo o "armamento menos letal" empregado, um dos PMs da Tropa de Choque portava um fuzil de assalto M-16, semiautomático, com cadência de 800 a 900 disparos por minuto a mais de 900 metros por segundo com alcance eficaz de 550 metros. Fabricado pela americana Colt, o brinquedo assina várias balas perdidas e autos de resistência pelas favelas cariocas; em protestos, ele já deu suas caras na tomada da ALERJ, ondehouve disparos para o alto, e virou lugar-comum durante a Copa do Mundo.

Um motorista de ônibus que trafegava na outra via parou o busão e começou a dar entrevista, trancando o trânsito daquele lado, até um oficial da PM chegar junto e bradar: "Se adianta, comédia!!".

Eram quase sete horas e ainda tava quente pra caralho!

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Devia ter umas mil pessoas (e o mesmo número de policiais escoltando o ato e espalhados pelo centro).

Marchamos por toda a Av. Presidente Vargas até o final; aí, a galera passou pra outra pista e ficou parada em frente ao prédio da Prefeitura, bloqueando as duas pistas e trancando o trânsito sentido centro por uns vinte minutos.

A rapaziada ficou encarando a PM por uma cota, mas não pegou nada.

Um dos coros mais repetidos no ato dizia "Presos políticos, Liberdade Já! Lutar não é crime! Vocês vão nos pagar". Era referência aos 23 ativistas que respondem a processo por associação criminosa, dano qualificado, resistência, lesões corporais, posse de artefatos explosivos e corrupção de menores.

Aí brotou um carro de som, de onde o Vereador Eliomar Coelho (PSOL-RJ) começou a discursar sobre como é importante todos retomarem as lutas, inclusive a classe policial, para reivindicar a PEC 300 (que visa a equiparar os salários da polícia de todo o país com os do Distrito Federal, onde eles são mais bem pagos).

Brotaram também uns policiais com um equipamento que aparentemente dava acesso às imagens das câmeras dos helicópteros e da Central de Comando e Controle.

O comandante da operação subiu as escadas que dão acesso à estação de metrô Cidade Nova para ter uma visão melhor do que estava acontecendo. Rolou uma apreensão de que pudesse estar planejando uma ação para dissipar a turba e reabrir o trânsito.

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Mas a galera acabou abrindo a pista de boa e caminhando pela pista da lateral em direção ao centro, seguida por um número cada vez maior de policiais.

A maior parte dos manifestantes já tinha partido; sobrou só um grupo grande de punks e anarquistas, que se adiantaram à polícia e começaram a correr rumo à Central do Brasil pela contramão, numa manobra muito usada em 2013, para usar os carros como escudo e evitar o confronto.

Só que, dessa vez, a polícia seguiu a galera de moto. E de fuzil…

Sempre que tinham a oportunidade, eles tiravam alguém das ruas aos empurrões.

O pessoal foi se subdividindo e se espalhando: eu segui um grupo pequeno que foi parar na Central do Brasil, cuja segurança redobrada estava redobrada. Uns cem policiais entraram na cola, o comércio fechou as portas. Era horário de rush, a estação estava lotada e não dava pra saber quem era manifestante. Daí rolou uma movimentação engraçada na qual o pessoal da mídia e a polícia ficaram dando voltas na estação e no camelódromo adjacente tentando achar algum manifestante.

Umas trinta cabeças se reagruparam na Presidente Vargas e rumaram em passo rápido (e com algumas corridas) até a Cinelândia. A PM correu atrás, impedindo o pessoal de tomar as ruas, mantendo-os na calçada. Quando eles cansaram de correr atrás da galera, pegaram alguém pra revistar.

"Ninguém fica pra trás" gritam os manifestantes. Então toda vez que a polícia parava alguém pra revista, todo mundo parava também pra dar assistência e filmar. Aí eles começam a revistar geral.

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E o fuzil lá, porque, afinal, esses manifestantes são "muy peligrosos".

Ficou essa punheta até chegarmos à Cinelândia. Uns punks de cara pintada que nem palhaços ficavam batendo lata pelo caminho e faziam uma zoação toda vez que passávamos em frente a um McDonald's.

O caminho todo ainda estava cheio de PMs. O Estado se preparou para uma grande manifestação que não ocorreu e, por consequência, um grande confronto, que felizmente também não ocorreu. Mas deu pros dois lados colocarem suas táticas e, sobretudo, preparo físico em dia.

Em frente ao Theatro Municipal, na Cinelândia, um doidão tocava "Bella Ciao" e "La Bandera Revolucionária" numa gaita de foles, e curti tanto que esqueci de fotografar. Lá, finalmente, a galera se dissipou, a maioria rumo a uma diversão barata na Lapa, comentando entre eles que "amanhã será maior".