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Comparamos os Pedidos de Desculpa Públicos de um Comediante Misógino e de um Pua Sexista

As duas desculpas são tons diferentes de marrom-diarreia.

"Essa nunca foi minha intenção… Quero me desculpar por tudo que aconteceu."

Esse é o cerne do pedido de desculpas feito em público na semana retrasada pelo "pick-up artist" canadense Julien Blanc. Ele se remexia na cadeira: enfiado em um terno com a camisa desabotoada, engolia seco e tentava manter os olhos no âncora, Chris Cuomo.

"Infelizmente, muito disso foi tirado do contexto."

Certo.

"Não acho que você realmente se sinta assim", disse Cuomo. Bom, quase ninguém achou que ele realmente estava falando sério – nem as pessoas que fizeram campanha contra ele e nem o Ministério do Interior inglês, que negou o visto de Blanc para entrar no país. O Brasil também instruiu suas representações diplomáticas no exterior a negar-lhe o visto. Até certo ponto, Blanc pode ter se rendido. Ele pode ter admitido que, sim, agarrar estranhas pelo pescoço e usar uma camiseta com a frase hilária "Zoe as gordas e coma as gostosas" foi "uma tentativa péssima de "humor". Mas ninguém que tenha um detector de conversa fiada ligado no mínimo ficou convencido com sua amostra de remorso.

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A oportunidade de se desculpar publicamente é uma ótima maneira de provar que você está pelo menos tentando abordar um conflito ou prejuízo que possa ter causado. Bons exemplos são David Letterman e Hugh Grant. Um mau exemplo é Alec Baldwin. Mas essa é uma arena que tem armadilhas. Desculpar-se de modo errado, se desviando do assunto original – em vez de dizer que você sente muito por ter feito algo errado, sem dar desculpas ou sugerir que isso foi culpa de outra pessoa –, pode piorar ainda mais as coisas.

A CNN é um dos maiores meios de comunicação do mundo. É uma plataforma grande para se desculpar pelo seu comportamento. Mas Blanc não lembrava mais o cara capaz e confiante que prometia transformar qualquer idiota sem amor num garanhão. Ele parecia um estudante desesperado, pego pelo diretor no banheiro da escola com um punhado de bombinhas e filme plástico. Só que estamos a quilômetros de distância de um trote sem noção de escola.

Suas desculpas lembraram outra figura objetificadora de mulheres que caiu em desgraça internacional recentemente: Dapper Laughs, a.k.a. Daniel O'Reilly, que apareceu no Newsnight para se desculpar por seu estilo de comédia "de vanguarda" que parecia mais assédio sexual.

Comparando as duas desculpas públicas, o que você vê é que a linguagem corporal de O'Reilly é mais direta. Ele está inclinado para frente em seu suéter respeitoso de gola alta, apontando o corpo (e o olhar) para a entrevistadora Emily Maitlis. Ele está engajado e determinado. O mínimo que se pode esperar de alguém que disse a uma mulher da plateia que ela estava "louca por um estupro" e que está tentando construir nem que seja a menor ponte para a redenção diante do público. Em comparação com Blanc, que parece não conseguir deixar seus olhos ou seu corpo parado, ele parece um pouco mais… presente. E menos um boneco prestes a se cagar todo.

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O fato de O'Reilly ter tido acesso a uma plataforma pública como o Newsnight provocou uma tempestade para o editor do programa, Ian Katz. "Dapper Laughs se junta ao Cookie Monster na lista de convidados ilustres do Newsnight (som de alguém raspando o fundo do pote)", afirmaram alguns jornalistas, mas ele fez o melhor possível para limpar seu nome. Ou não fez?

"Não achei que tanta gente acabaria assistindo àquilo", ele frisou, se referindo ao salto para a ITV2 do seu catálogo relativamente obscuro no Vine de vídeos centrados em palavras como "molhada" (que é como uma mulher fica quando ele aparece), "pau" (o porquê de ela ficar molhada) e "ela sabe" (…que ele tem um pau grande).

"Eu me deixei levar, para ser honesto", ele admitiu, antes de falar sobre sua "demografia" e seu "público", além de indicar, basicamente, que foi só a natureza humana que o arrastou para a notoriedade. No estúdio da BBC, O'Reilly insistiu que a separação entre ele, um cara normal, e seu personagem exagerado baseado em piadas de pinto deveria ser evidente. "Eu estava levando o microfone", afirma ele, suplicante, "para longe do que os homens pensam".

Então, como Blanc, não houve um "Desculpe por ser escroto".

A principal estratégia de O'Reilly no Newsnight foi argumentar em cima da diferença entre ele e seu personagem, como se tivéssemos que os separar logo cara. Mas esse não é o objetivo da comédia imersiva? Querer que as pessoas acreditem que seu personagem é real? É por isso que Chris Morris era tão polarizador com sua série Jam – você realmente acreditava que seus personagens perturbados e repreensivos eram reais, tal era a destreza com que ele os interpretava (veja "Disinterested Parents of Missing Child").

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Não acho que enfatizar "Eu estava rompendo limites com um personagem, porque ele era popular" seja uma boa escolha de palavras para um pedido público de desculpas, já que isso implica que ele tinha consciência do mau gosto de seus vídeos no Vine, os tornando cada vez mais escrotos enquanto os compartilhamentos e likes se acumulavam. Ele pode erguer as palmas das mãos (veja acima) para Maitlis e balançar a cabeça o quanto quiser – mas sua defesa é frágil. E ele provavelmente sabe disso.

O'Reilly destacou várias vezes, quando pressionado, que não achava que Dapper Laughs incitava a violência sexual, porque pensava que as pessoas estavam rindo de quanto ele era ridículo. OK. Mas novamente, ele já tinha demonstrado ter consciência de que as coisas que tinha feito para o "personagem" eram de mau gosto e que foi tornando isso ainda pior quanto mais popular ele ficava. Então, em termos de criação de uma admissão de culpa pública sólida, isso não se mantém. Ele se enrolou.

Assim como Blanc. Depois de contar a Cuomo quantas pessoas – desculpe, "clientes" – ele tinha acumulado e como elas usaram seus serviços para conhecer suas "esposas", ele desmoronou quando o apresentador apontou algumas de suas técnicas, como agarrar mulheres pela cabeça e empurrá-las em direção à sua virilha. Ele ri e fecha os olhos, dizendo: "É daí que veio parte da confusão". Ele quis mostrar que as pessoas, por falta de conhecimento, nunca vão entender como isso funciona.

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Mas o maior problema da desculpa de Blanc é a frase ("Não vou ficar feliz sentindo que sou o homem mais odiado do mundo") dada como resposta a Cuomo quando este disse que o único jeito de emergir dessa merda toda com alguma dignidade era realmente "falar sério". Mas Blanc parece se agarrar ao seu orgulho. Ele está realmente sendo perseguido, OK?

Além disso, a repetição da frase "tentativa horrível de humor" se anula quando acompanhada de referências a ter sido "tirado do contexto", porque, como o apresentador apontou corretamente, quando a imagem de um homem segurando uma mulher pelo pescoço aparece e é compartilhada infinitamente na internet, não há espaço para contexto. Ninguém dá a mínima para contexto – particularmente se o perpetrador admite, como ele fez na CNN, que estava "tentando chocar".

No final da entrevista, falando sobre o seu reapropriamento de um gráfico de violência doméstica como lista de empoderamento masculino, ele postulou que "pensou idiotamente" como seria "engraçado zombar disso" e que ia "reavaliar tudo que tinha publicado" no futuro. No entanto, essa ideia de "futuro" é a verdadeira questão em jogo.

Porque, enquanto O'Reilly perde a compostura, Blanc resolve encerrar seu pedido público de desculpas – quando suas palavras e ações são apontadas para ele (Maitlis repetiu a frase "Pegue silver tape e estupre essa vadia" lenta e pausadamente), que dizia à sua anfitriã (uma mulher) para "ouvir" enquanto ele tenta chegar a uma conclusão – informando que Dapper Laughs acabou. Ele não quer continuar fazendo apresentações como esse personagem. Admitiu que "estragou tudo" para si mesmo, e eu meio que acredito nele, porque, bom, ele estragou mesmo. Ele explicou que sua família falou com ele sobre o assunto; nessa hora, seus olhos ficam marejados. Sua voz treme.

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Blanc, no entanto, deixou o final em aberto. Sua entrevista – e oportunidade de assumir a culpa por suas ações – termina com ele sugerindo que, apesar de estar disposto a abortar parte de seu material, ainda quer continuar fazendo suas palestras. Ele "espera" que as pessoas continuem pagando para ouvi-lo. E quer que tudo isso acabe para que ele possa voltar a ser o autor benevolente, romântico e onividente que ele visualiza em sua cabeça.

O benefício da transmissão pública do pedido de desculpas desses homens é que eles estavam sob o controle de outra pessoa, alguém agindo como a voz pública da razão, repetindo coisas que eles provavelmente ignorariam se tivessem alguns minutos para ler um discurso preparado com antecedência (como o feito pelo estuprador condenado Ched Evans, no qual ele se desculpa com todo mundo - menos a garota que estuprou).

Nenhuma dessas desculpas foi melhor que a outra. Elas são tons diferentes de marrom-diarreia. Ambos garantem que não tinham ideia do problema que estavam causando. Mas O'Reilly diz que vai matar Dapper Laughs completamente. O que é ótimo para todo mundo.

Talvez, como Julie Bindel apontou no Guardian, possamos agora desviar nossa atenção deles e focar na raiz do problema da desigualdade. É crédito de O'Reilly ter reconhecido que isso precisa acabar. Porque se focar demais no indivíduo, por mais misógino que ele seja, é ignorar a parte submersa do iceberg. Isso encobre a tarefa difícil de fazer o governo reconhecer grupos como o Justice for Women, fundado por Bindel, que conseguiu mudar a lei que dizia que os homens podiam alegar que suas parceiras eram "irritantes" como motivo válido para matá-las.

O único favor que O'Reilly pode fazer a si mesmo depois de sua aparição no Newsnight é sumir. Seu mérito só pode ser julgado agora por sua capacidade de fazer isso – e, se ele realmente falou sério em seu pedido público de desculpas, ele vai. Ele não assumiu realmente a culpa – muitas desculpas, muita conversa sobre capitalizar em cima de sua fama recente com material novo –, mas reconheceu que tem de parar. E isso já é alguma coisa.

Blanc, no entanto, deixou um peido sinistro sobre as merdas similares que ele pode fazer no futuro. E mesmo que ele não possa fazer isso em muitos lugares (Austrália, Inglaterra, Brasil) por enquanto, isso não é jeito de reconhecer que o que ele está fazendo é errado.

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Tradução: Marina Schnoor