FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Crossdressing, Compressão e Colisores: A Primeira Foto na Internet

A primeira imagem fotográfica que subiram na Internet era um desastre de Photoshop. Foi feita para vender uma coisa, e apresentava mulheres bonitas numa pose “chega mais”.

A primeira imagem fotográfica que subiram na Internet era um desastre de Photoshop. Foi feita para vender uma coisa, e apresentava mulheres bonitas numa pose “chega mais”.

Ou seja, a primeira foto da Internet nasceu com alguns pecados originais que acabaram nunca sendo apagados.

Aqui está ela em toda a sua glória:

Na próxima quarta-feira, dia 18 de julho, a fotografia no centro da imagem acima —  uma foto promocional caseira feita para a Les Horribles Cernettes, banda de comédia do laboratório CERN próximo de Gênova — vai fazer 20 anos. Apesar de ser um artefato de significância histórica, sua história nunca foi propriamente contada. Poucos entusiastas de arte, fotografia ou tecnologia vão comemorar seu vigésimo aniversário, possivelmente porque se trata de uma imagem estranha e nada artística.

Publicidade

“É meio horrível e meio charmosa”, diz Lesley Martin, uma estudiosa de fotografia da Aperture Foundation, depois de ver a imagem pela primeira vez. Mas ela acrescenta a paridade disso com o curso das inovações fotográficas. A primeira fotografia conhecida, por exemplo, é um telhado mais ou menos visível, visto através de uma janela. “Elas são sempre meio acidentais e aparentemente irrelevantes na sua época”, Martin me disse. “As primeiras fotos sempre foram, da perspectiva sofisticada de um observador de hoje, quase não-eventos de quase não-assuntos.”

A primeira foto publicada na web não é exceção. Ela nem sequer foi tirada para propósitos científicos ou tecnológicos. O fotógrafo, Silvano de Gennaro (foto à direita), era um desenvolvedor no CERN que trabalhava na mesma sala de Tim Berners-Lee e dos outros inventores da Internet. Mas “eu não sabia o que era a Internet”, ele lembra. No dia 18, ele estava nos bastidores do Hardronic Music Festival, um evento anual realizado pelos administradores do CERN, esperando pelas Cernettes — o grupo que ele empresariava e para o qual também escrevia as músicas — subirem ao palco. Ele queria uma foto para a capa do próximo CD, então pediu pra as quatro membros se inclinarem e sorrirem.

Ele clicou sua Canon EOS 650, e foi isso. “Quando a história acontece, você não sabe que está nela”, diz de Gennaro.

A foto original. A partir da esquerda: Angela Higney, Michele de Gennaro, Colette Marx-Neilsen, Lynn Veronneau.

Publicidade

Mas por que as Cernettes se tornaram parte da história e não, digamos, um acelerador de partículas? Particularmente porque Tim Berners-Lee curtia crossdressing.

“Não sei se devia estar te contando isso, mas ele trabalhava no CERN e eu o conheci porque ele era parte dessa pantomima na nossa sociedade amadora de operações”, lembra-se Colette Marx-Nielsen, membro do Cernettes (ela é a segunda na foto da direita pra esquerda). “Ele era a dama vestida como mulher.”

De Gennaro e sua então namorada Michele estavam altamente envolvidos naquela sociedade dramática e   fizeram amizade com Berners-Lee lá. E ele se tornou um grande fã das Cernettes. Mas Berners-Lee (foto à esquerda) não foi o único: as Cernettes, grupo composto por assistentes administrativas e namoradas e esposas de cientistas, viraram uma sensação na comunidade europeia de física em 1992.

Suas músicas adotavam o estilo dos grupos de garotas dos anos 50 e 60, mas com títulos como “Liquid Nitrogen” (“You said I’d be yours 30,240,000 seconds a year / Including leap years, which means 86,400 extra every four" — Você me diz que serei sua 30.240.000 segundos por ano / incluindo os bissextos, o que significa 86.400 extras a cada quatro anos) e “My Sweetheart's a Nobel Prize” (“I don’t understand / the funny signs on his blackboard / But when he holds my hand / he takes me to the stars” — Eu não entendo / as coisas engraçadas que ele escreve no quadro negro / Mas quando ele segura minha mão / ele me leva às estrelas). Aqui temos um verso de “Collider”:

Publicidade

You say you love me but you never beep me
You always promise but you never date me
I try to fax but it’s busy, always
I try the network but you crash the gateways
You never spend your nights with me
You don’t go out with other girls either
You only love your collider

(Você diz que me ama mais nunca me bipa / Você promete, mas a gente nunca sai / Eu tento te mandar um fax, mas está ocupado, sempre / Eu tento a rede, mas você sempre derruba os portais / Você nunca passa suas noites comigo / E nem com as outras garotas / Você só ama seu colisor)

Naquele ano elas cantaram em festivais e apareceram na TV.

“Collider”, The Cernettes

“Mr. Higgs”, The Cernettes

“Surfin' on the Web”, The Cernettes

Então quando Berners-Lee e seu time fizeram uma nova edição do seu ainda primitivo sistema da Rede Mundial de Computadores, um que pudesse suportar arquivos de fotos, ele foi até a mesa de de Gennaro e pediu alguma imagem das Cernettes. A intenet já usava alguns pequenos arquivos de imagens vetoriais para mostrar esquemas, mas Berners-Lee e seu time precisavam de uma cobaia para dar o salto em direção às fotos.

ME CHAMA NA WEB

Pra sorte dele, de Gennaro estava brincado com uma versão escaneada .gif da foto de 18 de julho, usando a primeira versão do Photoshop no seu Macintosh colorido. O formato .gif só tinha cinco anos de idade na época, mas sua compressão eficiente fazia dele a melhor maneira de editar imagens coloridas sem deixar o PC lerdo.

Publicidade

“A Intenet, lá em 92, 93, era exclusivamente usada por físicos”, lembra-se de Gennaro. “E eu disse: 'Por que vocês querem colocar as Cernettes nisso? É só texto' E ele disse, “Não, vai ser divertido!”

Berners-Lee entregou a foto para Jean-François Groff (foto à esquerda), um programador do projeto Web. E ele ficou superfeliz de trabalhar com isso.

“Sexo vende!” disse Groff com uma risada. “É mídia. Você coloca uma garota bonita na mídia, as pessoas notam a mídia. E o que estiver em volta da garota bonita? Também, claro.”

 Mas a razão por que a imagem foi tão importante para “vender” o suporte de imagem da  Web teve menos a ver com mulheres bonitas do que com dar uma guinada pequena —  porém incrivelmente significativa — no propósito da rede, aponta Groff. Até então, o time tinha colocado o seu programa na Internet para alcançar apenas algumas centenas de pontos de venda pelo mundo, na maioria laboratórios de física.

 “Para convencer a administração de que deveríamos conectar o CERN à Internet e não só a redes proprietárias, tivemos que lutar pra convencê-los de que isso seria útil”, ele diz. “É por isso que só colocávamos coisas sérias lá. Então foi tipo uma revolução dizer: 'Agora vamos colocar alguma coisa divertida aí!'”

Então, usar a Web para diversão foi outro pecado original da primeira foto —  apesar de que isso está mais para uma virtude original.

O upload foi simples e monótono — subir qualquer coisa na Web antigamente era mais como salvar um documento de texto, recorda Groff. A foto apareceu numa página sobre as  atividades relacionada à música no CERN.

Publicidade

Uma porcentagem microscópica do mundo viu a versão online. “Acho que mais gente viu a foto nos pôsteres pendurados pelo CERN”, diz de Gennaro. Mas de um jeito quase imperceptível, o mundo mudou.

A imagem passou na obscuridade, logo eclipsada por projetos fotográficos muito maiores (o esforço para digitalizar imagens a partir dos arquivos do Vaticano talvez seja o mais famoso). O Mac no qual o .gif foi feito morreu por volta de 1998, se lembra de Gennaro, e com ele se foi a versão original do arquivo.

The Cernettes, por volta de 1999

As Cenettes se apresentaram com várias formações através das décadas — por pura coincidência, o último show delas de todos os tempos está agendado para o próximo sábado. De Gennaro, que agora é casado com Michelle, diz não saber ao certo se ela ou o resto da banda vão mencionar a foto no palco. Ele acrescenta, com um pequeno resmungo de frustração, que a fama secundária da imagem sempre marginalizou o trabalho musical do grupo.

Mas a natureza da banda é essencial para entender um pouco da curiosa significância artística da foto. Afinal, esse passo para o futuro apresentava mulheres usando roupas estilo anos 50.

“Era meio que uma paródia de imagem retrô”, diz o historiador fotográfico de Harvard Robin Kelsey. “Ali parece haver algo sobre a reciclagem da cultura que é muito apropriada para a primeira imagem postada [na Web], dado o modo como a Internet se expandiu a partir desse tipo de reciclagem, mash up, pastiche, paródia, e por aí vai.”

Publicidade

“É interessante — particularmente pra quem é relativamente mais velho — perceber que essa tecnologia, que ainda parece tão nova, já tem seu próprio tipo de arqueologia agora”, diz Kelsey.

The Cernettes em 1992

Essa arqueologia ainda não está nos livros didáticos. Na verdade, o vigésimo aniversário da primeira foto na Web não é nem a notícia mais significativa relacionada ao CERN neste mês de julho, obviamente. E no final, nos livros de história, Les Horribles Cernettes provavelmente serão eclipsadas pelo equipamento com as mesmas iniciais da banda. E apesar de sua significância, as moças da foto nunca se sentiram celebridades.

“Às vezes eu digo: 'Bom, eu estou na primeira foto da Rede Mundial de Computadores.' Mas as pessoas não ligam muito”, diz Marx-Nielsen, com uma vaga melancolia na voz. “Acho que tinha que ser alguém, só calhou de ser a gente.”

Abraham Riesman é um escritor que vive na cidade de Nova York. Você pode ver mais do trabalho dele aqui.