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Desenhos Toscos de Cenas Foda da Literatura

Fiz esses desenhos enquanto bebia uísque e suco de maçã, o que pode significar que eles não se pareçam porra nenhuma com as cenas.

Odeio quando as pessoas falam que uma imagem vale mais do que mil palavras, por isso decidi desenhar um monte de imagens que não valem as mais de mil palavras em que foram baseadas. Felizmente desenho como se tivesse eternamente oito anos de idade, então tudo saiu naturalmente. Desenhei imagens baseadas em algumas cenas de livros de que me lembrava, sentado no chão da sala, apoiado na mesinha de centro enquanto bebia uísque e suco de maçã, o que pode significar que esses desenhos não se parecem porra nenhuma com as cenas de fato, e sim com o que elas se tornaram, danificadas pra sempre no meu cérebro.

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A Paixão Segundo G. H.  Clarice Lispector

Essa cena é praticamente a única do livro inteiro: uma mulher no quarto com um guarda-roupa do qual acabou de emergir uma barata. A Clarice consegue manter essa cena por 173 páginas, exigindo pouca ou nenhuma ação e apenas a profundidade de muitos segundos da desorientação e do horror inatos pra manter um monólogo rigoroso e insano que flutua por trás do meu rosto como a cor verde.

Correção Thomas Bernhard

Correção é praticamente um longo monólogo morto apresentando um cara falando sobre seu amigo Roithamer, que se matou depois de construir um monólito cônico no quintal em memória de sua falecida irmã. É um negócio doido. A ideia do cone é uma das minhas imagens favoritas que aparece num livro. Infelizmente, no momento só consigo imaginar o interior dele, o que eu nunca conseguiria desenhar, então esse é o exterior.

Meridiano de Sangue – Cormac McCarthy

Gosto muito de várias cenas de Meridiano de Sangue, mas a que mais se destaca é essa onde a criança deita no chão pra se esconder do juiz, um filho da puta muito malvado, e espera enquanto o cara caminha pelo deserto procurando por ela. A criança era pra ser esse negócio vermelho. Estraguei o céu no começo então continuei desenhando mais céu por cima até ficar uma grande mancha, o que me pareceu apropriado.

Normance – Louis-Ferdinand Céline

O livro é praticamente uma tomada estendida de uma única cena. Estamos aqui com os nazistas bombardeando a França enquanto o narrador — um cara preso numa torre em chamas que fica tentando desviar das bombas e do fogo — assiste a tudo. É cheio de papos bizarros caóticos e a mania desembestada do autor consegue se transformar em muito mais cores do que caberia aqui. Sim, essas coisas no canto superior esquerdo são os aviões.

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The Open Curtain – Brian Evenson

Quase no final desse romance do Brian Evenson sobre um cara que pode ou não ter transtorno dissociativo e ter matado um monte de gente na floresta, o livro vira esse espaço estranho em que eles estão numa casa coberta de milhares de pequenas anotações em post-its, levando o romance pra bem dentro da arena do cérebro danificado e mudando totalmente a possibilidade dos mundos em papel. A porta, quando aberta, leva a um ano diferente. Numa entrevista, Everson disse que teve que escrever uns 50 finais diferentes até chegar nesse e achar que era o certo. Esse desenho particularmente ficou uma bosta.

Tender Buttons – Gertrude Stein

Eu meio que roubei nesse desenho, porque não é uma cena. E eu não lembro de nenhuma das palavras como elas estavam listadas. Ainda assim, a seção de comidas de Tender Buttons ficou tão grudada na minha memória que não consigo querer outra coisa que não seja deixar tudo ainda mais engraçado, como o livro faz comigo.

O Balão – Donald Barthelme

Este é um conto de cinco páginas sobre um balão que infla sobre uma cidade, forçando todos os cidadãos a trabalhar e viver em torno dele. É uma ideia ótima pra uma história, o que geralmente significa que não vai funcionar de verdade, mas o Barthelme é o rei dessas merdas. Tentei me manter bem calmo dessa vez, como ele.

Molloy – Samuel Beckett

Esse romance tem a abertura mais enganosamente fria de todos os tempos: “Estou no quarto da minha mãe”. De lá ele vai pra praticamente todos os lugares e além. Penso nessa frase frequentemente, quando estou mesmo no quarto da minha mãe, no mercado, entrando ou saindo do meu carro ou algo assim. Parece com a morte.

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In the Blind – Eugene Marten

Esse é um livro sobre um cara que consegue abrir fechaduras. Mas o desenho é de uma cena do livro na qual o cara vai pra um navio ancorado, entra nessa sala grande e anda por ela, sem ter certeza do que tem lá dentro. Não é nada. E pela maneira como Marten conta isso, não consegui esquecer o tom até agora. Ele coloca essas fechaduras no escuro e, de alguma forma, você passa através delas. Adoro o quanto isso proporciona sem ter nada a ver com nada. Qualquer coisa que se faça fica menor, como esse desenho.

Infinite Jest – David Foster Wallace

Entrei numa discussão acalorada com um amigo uma vez porque ele disse que a cena do Eschaton do Infinite Jest deveria ter sido cortada. Acho que é a peça central do livro inteiro. O mecanismo da linguagem e toda a rigorosa ordem lógica e o caos sobre um jogo intenso inventado por crianças tem mais fúria e intensidade do que qualquer outra coisa que você pudesse querer, tudo isso entregue num tipo de ataque de 60 páginas de linguagem meio matemática e continuamente interrompida que não se encaixa em lugar nenhum – e exatamente por isso se encaixa. Joguei fora três outras versões desse mesmo desenho. Elas estão na minha lata de lixo com embalagens de comida e cartas que não abri.

Siga o Blake Butler no Twitter: @blakebutler