Do que Você Tinha Medo Quando Era Criança?
Ilustrações por Juliana Lucato.

FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Do que Você Tinha Medo Quando Era Criança?

Compilamos alguns dos piores medos infantis.

Todo dia era a mesma coisa. O fim de tarde chegava, e meu coração já começava a ficar angustiado quando minha mãe me chamava para tomar banho pra jantar. A angústia aumentava quando escovava os dentes da forma mais demorada que conseguia para não ter de ir pro quarto. O motivo de tanta angústia estava na hora de dormir, a hora em que todas as luzes se apagavam e a minha casa mergulhava em um silêncio amedrontador. Meu quarto se transformava no lugar mais perigoso do mundo. Os brinquedos nas prateleiras e as cortinas pesadas se tornavam monstros dentro da escuridão que parecia olhar para mim. Fechava os olhos o máximo que conseguia e levava o cobertor até meu nariz para conseguir me esconder das sombras. Com seis anos, meu maior medo era tudo que não conseguia enxergar. Era o escuro.

Publicidade

Com o passar dos anos e muitos filmes de terror depois, comecei a ignorar aquelas sombras suspeitas que se formavam perto da cortina do quarto e fui ficando com medo de monstros, um ataque de zumbi e baratas. Hoje, meus medos não são mais tão lúdicos como antes. O que me deixa sem dormir mesmo é não conseguir pagar as contas. Confesso que o medo de baratas continua, só que pior.

"Os medos fazem parte do desenvolvimento humano. É uma forma de nos alertar dos perigos e situações ameaçadoras, e os medos vão mudando conforme a imaginação vai se expandindo", explica Carolina Freire de Carvalho, psicóloga e mestre em Psicologia Escolar. Nossa capacidade de começar a perceber a existência do medo dentro de nós, segundo a psicóloga, começa quando a criança começa a entender melhor o mundo e descobrir coisas as quais ela não domina ou compreende.

Pra ser sincera, isso explica muita coisa da nossa vida adulta.

"Na fase entre três e cinco anos, é quando, nas crianças, começam a aparecer alguns temores", conta a profissional. "O importante é sempre buscar compreender e acolher para ajudá-la a vencê-los, pois, ainda que o medo seja às vezes fantasioso, as sensações e sentimentos que eles incitam são reais", alerta.

Meus pais achavam bonitinho minhas excursões noturnas até o quarto deles (nunca peguei ninguém no flagra, graças ao bebê Jesus Cristo), mas eventualmente eles ficaram de saco cheio e me mandaram arrumar alguma coisa para me proteger. A arma escolhida foi uma fralda velha, meu talismã, que tinha o cheiro deles e da minha avó. Até que deu certo.

Publicidade

Pensando nisso, perguntei para alguns colegas e amigos próximos do que eles tinham medo quando eram crianças e mostrei isso para a Carolina a fim de que ela pudesse explicar um pouco como fazia tanto sentido na nossa infância dormir com sua espada de papel para se proteger de palhaços assassinos ou das pessoas que moram dentro de espelhos.

"Esses casos [que você me mostrou] corroboram a compreensão de que os medos estão ligados às nossas experiências cotidianas. Eles surgiram de situações que a sociedade passa para a criança sob forma de controle ou ameaça. Por exemplo, 'Se não se comportar deste modo, o tal medo vai fazer tal coisa com você'. Assim, o medo acaba sendo incutido como forma de controle social sobre o comportamento da criança. Por isso, precisamos ter cuidado com a forma que falamos com elas! Sempre devemos respeitá-las enquanto um ser em desenvolvimento e na sua singularidade."

Boneco do Fofão e do Chucky

Eu tinha medo do Chucky porque eu achava que ele podia pular da TV se eu visse o filme. E [temia que], se eu tivesse um boneco dele, ele ia puxar meu pé e me matar à noite – tipo Toy Story, em que os brinquedos ganham vida. Só que, na real, ele é assassino, né? O boneco do Fofão era a mesma história.

Letícia Naísa, 22 anos.

Kombi que roubava órgãos

A Kombi que tinha uma bailarina, um palhaço, um mágico e mais uns doidos do circo era um clássico dos anos 1990. Na escola ,era supercomum encontrar um mentiroso que já a tinha visto rodeando a escola. Na real, eu nem sabia direito a função do meu rim ou do meu pâncreas, mas morria de medo da possibilidade de perder um dos dois a caminho de casa.

Publicidade

Peu Araújo, 29 anos.

Dentista

Eu morava muito longe da escola, tipo, uma hora e meia de carro [para chegar à escola]; uma vez por mês, depois das aulas, tinha de ir ao dentista que, se não me falha a memória, ficava numa masmorra. Chegar lá era uma jornada. Meu pai ou minha mãe me levava – tocava Marisa Monte no rádio, acho –, e, depois de horas no trânsito, eu sentava numa cadeira desconfortável para, entre anestesias e sugadores, ouvir aquela porra de motorzinho estalar meus dentes. Doía pra cacete, óbvio. Quando acabava, eu saía aliviado, mas, conforme os dias passavam, temia o inevitável: outra consulta, outro engarrafamento, outra estação ruim.

Guilherme Pavarin, 28 anos.

Loira do banheiro

Eu tinha medo da loira do banheiro porque, primeiro, pra você invocá-la, tinha de ficar sozinha, no escuro, dentro do banheiro; segundo, porque ela iria aparecer no espelho, o que é surreal; terceiro, teoricamente ela viria toda ensanguentada e desfigurada pra matar você e sua família. O que é terrível, né?

Larissa Zaidan, 24 anos.

Palhaço

Não sei por que sempre acham que palhaços e crianças são complementos. Eu era criança, minha mãe era palhaço e não cresci com boas recordações disso. Minha tia tinha coisas com filmes com palhaços: ou [os palhaços] eram terríveis, ou eram seqüestradores, ou coisas piores. E eu era obrigada a ver junto, porque ela [é] que cuidava de mim enquanto o resto da família trabalhava.

Publicidade

A coulrofobia me perseguiu por muito tempo. Nariz, pintura de rosto branca e vermelha, roupas coloridas daquela seda pobre e piadas sem graça. O problema maior, na verdade, sempre foi falar pras pessoas do medo e elas rirem da sua cara ou ficarem pregando peças com palhaços pra ver você ter um ataque nervoso.

Eu saquei que não poderia fugir pra sempre. Quando estava estudando teatro, busquei um curso de um professor da linguagem e, no primeiro dia, disse que tinha medo de palhaço. Ele foi sádico. Me fazia abraçar e ficar perto de quem estava com a máscara, mas, no fim, o sadismo deu certo: hoje, tenho iniciação no estudo da linguagem, perdi o medo de certos clowns, mas continuo achando pavorosa a ideia daqueles palhacinhos de festa infantil, tipo o Pennywise.

Rebecca Catalani, 24 anos.

Homem do saco

Mamãe sempre falava que, se eu aprontasse alguma, o homem do saco viria pra me pegar. Na minha rua, passava mesmo um sujeito que carregava um saco. Provavelmente, era uma pessoa em situação de rua. Eu me cagava toda. Olhava pro saco e media se meu corpinho de criança magra e meio vesguinha caberia ali. Toda vez que estava prestes a fazer uma merdinha, tipo ir brincar na rua de cima, que era "perigosa", ou trocar meu microfone da Xuxa por um saco de jujuba, vinha a imagem do homem do saco. Eu me tremia de cima a baixo. Jesus!

Débora Lopes, 29 anos.

Bala Soft

Meus pais falam que eu não podia chupar essa bala porque eu poderia engasgar e morrer, daí eu chupava morrendo de medo de engasgar, supertensa, mas a tensão me fazia engasgar. E eu quase morria mesmo. Quando eu conseguia terminar a bala sem engasgar, era uma vitória.

Publicidade

Taís Toti, 28 anos.

Tatuagem com droga

Na escola, rolava uma circular assinada pela diretora alertando sobre os perigos das tatuagens de chiclete com drogas em sua fórmula. Todo mundo zoava na sala da quinta série dizendo que, CLARO, aquilo era mentira. Ainda assim, a molecada se cagava daquelas tatuagens; afinal, só dava pra saber se era, ou não, verdade testando a tatuagem. Eu tinha medo pacas, mas só de pirraça ia lá e colava as tatuagens no braço.

Carla Castellotti, 29 anos.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.