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Tecnologia

"Drogas Inteligentes" Psicoestimulantes Estão Chegando ao Mercado

O crescimento das drogas que prometem estimular e acelerar o cérebro está criando empresas e produtores que misturam diversos medicamentos nootrópicos.
photo of drug capsules
Crédito: Shutterstock

Usuários americanos do Facebook devem ter estranhado a presença de propagandas do Alleradd no site. Afinal, ele é um medicamento de aperfeiçoamento cognitivo que se assemelha ao medicamento Adderall.

O Alleradd promete os mesmos efeitos que tornaram o remédio para DDA um sucesso no mercado negro e ambientes de trabalho estressantes.

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"O Alleradd aumenta sua energia, aprimora sua memória e te dá foco, mesmo quando você está cansado ou estressado", explica o site do produto.

Mas enquanto o Adderall, cuja substância básica é a anfetamina, é uma droga controlada e vendida apenas com receita médica, o Alleradd é vendido como um suplemento nutricional e está disponível para qualquer pessoa com um cartão de crédito válido nos EUA.

O remédio é parte de uma nova classe de medicamentos que está crescendo em popularidade e controvérsia: os nootrópicos. Esses suplementos estimulam a memória, melhoram a capacidade de atenção e aperfeiçoam as funções cognitivas de pessoas com cérebros perfeitamente saudáveis. Conforme a demanda por psicoestimulantes se expandiu, os nootrópicos saíram de seu nicho de auto-experimentação da internet e viraram um setor crescente no enorme mercado de suplementos.

Empresas como a AlternaScript, fabricante do Alleradd, oferecem pacotes pré-montados prontos para o consumo. Enquanto isso, adeptos da auto-experimentação trocam experiências sobre várias "misturas", e combinações de compostos e seus efeitos psicoativos, da mesma forma que halterofilistas trocam dicas sobre quais suplementos protéicos maximizam o ganho muscular.

Imagem do site do suplemento Alleradd. Crédito: Alleradd

O Alleradd, que será renomeado em breve como OptiMind, nasceu das experiências de seus criadores, que estavam buscando formas seguras de aumentar o seu poder mental. Desde que um amigo de faculdade de Lucas Siegel, diretor-executivo da AlternaScript, cometeu suicídio após se entupir de remédios de tarja preta para DDA, ele e seus amigos passaram a evitar o uso de tais medicamentos.

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"Todos meus amigos usavam esses remédios", Siegel me disse. "Acho que nenhum de nós pensava que isso poderia nos afetar negativamente."

Siegel e seus amigos começaram a pesquisar sobre suplementos nootrópicos na internet e em publicações médicas, experimentando várias substâncias para descobrir quais combinações eram as mais potentes.

Para compreender o que eles fizeram nós precisamos dar uma olhada na história dos psicoestimulantes na indústria farmacêutica e compreender a influência da internet na área. Também é importante saber se a galera dos nootrópicos considera os criadores do Alleradd como membros do grupo ou como forasteiros tentando ganhar dinheiro fácil.

Hoje em dia eu não sei se seria corajoso o suficiente para tomar pílulas, fórmulas e pós comprados na internet.

"Nós vasculhamos estudos de neurociência atrás de substâncias que já haviam sido testadas em ratos ou humanos e que tinham algum efeito comprovado no funcionamento cerebral", disse.

"Hoje em dia eu não sei se seria corajoso o suficiente para ingerir pílulas, fórmulas e pós comprados na internet para testar seus efeitos", acrescentou Siegel, atualmente com 23 anos.

Suas experiências deram certo, e os criadores da fórmula começaram a oferecer suas substâncias para colegas e amigos.

"A gente achava uma fórmula boa, aí a produzíamos e a embalávamos em nossas próprias casas – no porão da casa dos meus pais, na verdade – e depois as entregávamos para outras pessoas para saber o que elas achavam", disse Siegel.

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Um dos primeiros lotes continha muita niacina, uma vitamina B, o que causou o enrubecimento do rosto das cobaias.

"O rubor é inofensivo, mas dá pra imaginar o pânico que qualquer um sentiria se tomasse uma pílula caseira e começasse a ficar com a cara vermelha", riu Siegel.

"Uma corrida matinal na praia. Nada como correr cinco quilômetros para começar uma semana de trabalho de forma produtiva!  #crushingit #earlybird", diz a legenda dessa foto na página do Alleradd no Facebook.

Atualmente o produto da AlternaScript é manufaturado em um grande laboratório de suplementos, com ingredientes seguros para o consumo e dosagens exatas, disse Siegel. As cobaias não relataram nenhum reação adversa mais grave do que uma leve dor de cabeça, que segundo a empresa é causada pela cafeína presente nas pílulas e que pode ser evitada com a ingestão de um copo de água.

Além de cafeína, niacina e várias outras vitaminas, o Alleradd inclui ingredientes como o neurotransmissor GABA, que supostamente diminui a agitação causada pela cafeína, e extratos naturais que aparentam ter poderes nootrópicos, como a vimpocetina, o bacoside A e a huperzina A.

Os produtores dos suplementos deixaram ingredientes mais controversos, como o piracetam, de fora. O piracetam é uma droga regularizada em vários países (incluindo o Brasil), mas que está numa parte bem nebulosa da regulação americana. Alguns suplementos anunciam abertamente a presença do piracetam e compostos semelhantes a este (como o aniracetam) em suas composições. No entanto, pelo menos um distribuidor de suplementos teve seu estoque apreendido, enquanto outros receberam um comunicado da Administração de Alimentos e Medicamentos informando-os que essas substâncias não estavam na lista de "suplementos de dieta".

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"Um produto que contém piracetam não pode ser considerado como um suplemento de dieta segundo o Ato [de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos]" a agência informou a uma empresa em 2012, afirmando também que a substância já foi testada como droga e que não tem nenhum antecedente como ingrediente de suplementos.

Alguns vendedores da internet estão tentando tapear os regulamentos da FDA ao rotular o piracetam e outros nootrópicos como substâncias química impróprias para consumo humano. Sabe-se de pelo menos um vendedor que tem uma tática (e opinião) ainda mais agressiva. A LifeLink, que vende piracetam sob a marca NoöRacetam, afirma que a FDA limita a venda da substância e impede sua popularização por causa de um plano para deixar o povo americano mais burro.

A justificativa oficial é 'manter a segurança do público' – essa é a desculpa clássica para os comportamentos abusivos da polícia e do Estado.

"A justificativa oficial é 'manter a segurança do público' – essa é a desculpa clássica para os comportamentos abusivos da polícia e do Estado", diz o site da LifeLink. "Uma explicação mais plausível seria 'evitar que o público ficasse esperto demais'. Um público mais consciente seria menos tolerante com os representantes corruptos e incompetentes do governo."

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Enquanto isso, membros de fóruns como o r/nootropics e o site pró-longevidade LongeCity têm feito experiências com substâncias químicas mais exóticas, compradas "a granel" de laboratórios.

Em uma série de vídeos do YouTube, um jovem ruivo e magrelo identificado como Isaac Bowers dá sua opinião sobre uma série de nootrópicos enfileirados em um painel de madeira.

Ele tomou piracetam por um ano, e afirma que seu sistema cognitivo e sua energia aumentaram consideravelmente. No entanto, ele relata ter sofrido uma crise de abstinência desagradável ao parar de ingerir a substância.

"Depois de dois dias eu comecei a ficar lento", diz ele em um de seus vídeos. "De repente eu tentava pensar em algo, e esse algo não estava lá."

Ele diz no vídeo que o que o ajudou a superar as crises foi o NSI-189, uma substância experimental que ele encomendou na LongeCity.

"Ele consertou o que o piracetam havia estragado", disse. "Eu voltei com tudo, e voltei com tanta força que tive um ataque de hipomania."

O NSI-189 supostamente estimula o crescimento de conexões neurais no hipocampo, e está em fase de testes como a substância principal de um novo medicamento antidepressivo. Doses maiores tornaram o Isaac eufórico e extremamente empolgado com um projeto impossível, mas em doses menores a substância apenas melhorou seu humor e sua habilidade cognitiva. Outros membros do LongeCity relataram efeitos positivos similares, e vários tiveram experiências melhores com o piracetam do que o jovem Bowers.

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Apesar dos produtores dos suplementos nootrópicos enfatizarem (por razões legais, principalmente) que seus produtos têm como objetivo estimular o funcionamento de cérebros "normais" e não tratar condições médicas como o DDA ou depressão, é só olhar os fóruns do LongeCity para perceber que vários usuários de nootrópicos estão em busca de uma alternativa aos medicamentos tradicionais utilizados no tratamento de vários distúrbios.

Nima, um jovem de 17 anos que sonha em ser médico, me contou que testou vários nootrópicos após ser diagnosticado com DDA e ter reações desagradáveis aos remédios receitados.

"Eu estava tomando Vyvanse, e comecei a notar que ficava extremamete cansado após a ingestão", ele me disse. "O Focalin foi um pouco melhor, mas a ressaca do remédio me fez ter a pior depressão da minha vida."

Ele testou o piracetam, que não o ajudou muito, e finalmente teve algum sucesso com o Alleradd após encontrar Siegel por coincidência em um café no Texas. Mas, atualmente, ele está mais interessado em compostos como o NSI-189, que supostamente estimulam o desenvolvimento do cérebro.

"Acho que nunca tivemos um gênio com um cérebro aprimorado por medicamentos, e eu quero ser o primeiro", disse.

Ele está atualmente esperando a entrega de um composto chamado dihexa, que já foi utilizado para curar danos cerebrais e criar novas conexões neurais em ratos.

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"Você pode tomar a dose utilizada nos ratos", ele disse, após me explicar que pouquíssimas pessoas tomaram a substância. "É claro que ratos e humanos são diferentes. É por isso essa é uma ciência experimental."

Acho que nunca tivemos um gênio com um cérebro aprimorado por medicamentos, e eu quero ser o primeiro.

Nima reconhece que alguns membros de sua família não gostam de suas experiências, mas ele afirma que o conceito de drogas aperfeiçadoras não é nada novo. Ele citou o caso da Rita Levi-Montalcini, uma cientista italiana que ganhou um prêmio Nobel por descobrir o fator de crescimento nervoso, uma proteína que, como podemos inferir de seu nome, estimula o crescimento de células nervosas.

Levi-Montalcin viveu até os 103 anos, e muitos afirmam que sua longevidade e lucidez eram resultado do seu hábito de pingar algumas gotinhas de sua proteína em seus olhos todos os dias.

Siegel, do AlternaScript, cita a cafeína como um "nootrópico clássico ingerido em todos os Estados Unidos" e disse que seu avô tomava pílulas conhecidas como "pretinhas" para aumentar sua energia e seu foco, tudo isso décadas antes das experiências de seu neto com anfetaminas.

"Depois de tomar algumas 'pretinhas' ele conseguia construir uma casa inteira em alguns dias", explicou. "A ideia das pílulas de aperfeiçoamento é muito antiga."

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Aqueles que procuram um regulador de humor e um estímulo cognitivo mais leve usam produtos naturais como a erva-de-são-joão e o gingko biloba.

Ao mesmo tempo, médicos e outros especialistas tem apontado os perigos do uso não-medicinal de anfetaminas e da ingestão deliberada de drogas experimentais. Um artigo de 1991 na FDA Consumer, a finada revista da agência, enumerava os riscos da ingestão de "medicamentos psicoestimulantes" não-testados; atualmente, vários dos nomes da lista são encontrados em vários nootrópicos e suplementos comerciais.

"A eficácia desses medicamentos nunca foi comprovada, mas seus efeitos colaterais já foram documentados diversas vezes", alertava o jornalista da revista Consumer, Victor Lambert. "O Piracetam e o Hydergine podem causar insônia, náusea e outros sintomas gastrointestinais, e também dores de cabeça."

Recentemente, Trevor Hiltbrand, fundador da empresa de suplementos nootrópicos Cerebral Success, apareceu no Shark Tank, um reality show da ABC onde empresários apresentam ideias de produtos para investidores. Hiltbrand pediu patrocínio para a criação de bebibas nootrópicas que seriam vendidas em embalagens parecidas com as embalagens de energéticos, mas foi criticado pelos jurados, que questionaram a parte ética de se vender esse tipo de produto para estudantes exaustos e obcecados por boas notas.

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Hiltbrand disse no programa que desenvolveu a fórmula após ter experimentado uma gama de suplementos durante seus anos de faculdade.

"Eu peguei vários ingredientes de suplementos que queria colocar no meu produto, e então contratei os técnicos e comprei o equipamento necessário para a manufatura do suplemento; tenho certeza que tudo está dentro dos conformes", ele disse para os jurados.

Mas muitos dos investidores temiam que a fórmula final não tivesse passado por testes suficientes para ser comercializada.

Ainda assim a jurada Barbar Corcoran, que afirmou ter um marido com déficit de atenção e que busca uma alternativa ao Adderall, acabou concordando em financiar o produto – com a condição de que a Cerebral Success adquirisse um bom seguro de segurança civil.

"Os jovens realmente precisam de algo para ajudá-los a se concentrar", disse Corcoran.

Os fabricantes de suplementos nootrópicos acreditam piamente que estão ajudando seus clientes a viver melhor.

"Muitas pessoas acham que só universitários tomam esses suplementos, mas isso não é verdade", disse Jim Powell, o presidente do Nootrolabs.

Os clientes vão de empresários a donas-de-casa, passando por vítimas de derrames em recuperação, Powell me disse. Eles estão procurando formas seguras de manter o nível cognitivo necessário no dia-a-dia da nossa sociedade tecnológica. Ele também profetizou inovações que "farão o mercado atual parecer um parquinho de diversões" – com suplementos super-poderosos e interfaces virtuais que aumentarão o alcance de nossos cérebros.

Por enquanto, Powell avisa que os consumidores devem se certificar que estão comprando suplementos de fornecedores confiáveis.

"É preciso ter cuidado, pois existem vários fornecedores que só querem ganhar dinheiro; assim como vários suplementos que não tem efeito algum", aconselhou Powell. "O principal é pesquisar bastante sobre os ingredientes do suplementos e e sobre as empresas que os fabricam."

Tradução: Ananda Pieratti